Discurso durante a 70ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Lamenta rejeição da Constituição Européia pela França.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Lamenta rejeição da Constituição Européia pela França.
Aparteantes
Marco Maciel.
Publicação
Publicação no DSF de 31/05/2005 - Página 16538
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, HISTORIA, UNIÃO EUROPEIA.
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, PLEBISCITO, VOTAÇÃO, PARLAMENTO EUROPEU, CONSTITUIÇÃO ESTRANGEIRA, UNIÃO EUROPEIA, ANALISE, REJEIÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA.
  • DEFESA, UNIFICAÇÃO, EUROPA, BENEFICIO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, ESTABILIDADE, NATUREZA POLITICA, APOIO, REFORÇO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PROVIDENCIA, NATUREZA POLITICA, OBJETIVO, REFORÇO, LEGITIMIDADE, GOVERNO FEDERAL.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Parlamentares, sou daqueles que acompanharam toda essa caminhada desde o término da 2ª Grande Guerra, sucedida pela cruel Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética, a ponto de com o tempo viver um estado de paz cheio de guerra. Acompanhei com emoção a unificação da Europa e ficava admirado, emocionava-me verificar que se dava entre aquelas nações com tantas guerras, algumas centenárias, como a Guerra dos Cem Anos entre a França e a Inglaterra. No século passado, após duas guerras mundiais, o ódio entre França, Inglaterra e Alemanha era brutal. De repente, essas nações começaram a se reunir, começaram a discutir, começaram a dialogar e, aos poucos, foram se achegando. E chegaram à conclusão de que deveriam deixar de lado o ódio, a malquerença, os séculos de lutas por divisas, por mil e uma razões, justas ou injustas, e se aproximar. Primeiro vieram as normas de mercado comum; depois, as normas de intercâmbio, as normas de diálogo cultural, a abertura de fronteiras, a unificação de linguagem, a criação do Parlamento - sem nenhum conteúdo, mas que reunia os representantes de todos os países. Isso foi crescendo, crescendo, e surgiu a União Européia, com moeda única e, agora, com uma Constituição, abrindo as portas a nações européias sem maior tradição e história, mais longínquas, algumas que durante anos tinham sido satélites da União Soviética. E assim se deu o surgimento desta grande comunidade: a chamada Comunidade Européia.

Acompanhei agora o plebiscito da Constituição da unidade européia votada pelo Parlamento europeu. Para que ela possa ser aplicada é necessário que haja plebiscito aprobatório de todas as nações do Mercado Comum Europeu. Ontem, surpreendentemente para mim, exatamente a França, o país que mais havia tido atuação, participação na busca da unidade européia; a França, que mais tinha sofrido na última guerra, e mesmo assim havia tido o gesto de grandeza de aproximação; a França que havia tido a atitude de aproximar inclusive inimigos como Inglaterra e Alemanha; a França que, aos que eram contrários à unidade européia, fazia um mapa de como ficaria a Europa - a Alemanha unificada, enorme, no meio, cercada por dez países, praticamente o centro de tudo -; a França que praticamente coordenou sempre favoravelmente os passos dados até aqui, ontem, disse: “Não, esta Constituição o povo francês não aceita”. O argumento é o de que se dará muita ação para o liberalismo, que se abrirão as portas para que grandes empresas, com facilidade, se adonem de territórios. Por outro lado, as portas se abrirão em definitivo para que os imigrantes das unidades européias mais pobres, que estão entrando agora, venham fazer concorrência à mão-de-obra francesa. Será preciso novo estudo. Anos passarão. O Mercado Comum Europeu, a Comunidade Européia deverá fazer uma nova reunião, refazer a Carta e começar de novo.

Quando ouvi o Senador Marco Maciel, na sexta-feira, defender a importância do Mercosul e o esforço que devemos fazer para a sua consolidação, e quando vejo alguns se assustarem porque não se avança como deveria, fico refletindo sobre o ocorrido ontem, quando a França atrasou em não sei quanto tempo a consolidação da Comunidade Européia.

As análises todas diziam que, se fosse aprovada ontem pela França, a Constituição praticamente passaria incólume pelos países restantes; mas, derrubada pelos franceses, terá de percorrer um longo caminho e deverá analisar as interrogações levadas pela França para ver qual será o seu destino.

Torço para que os equívocos sejam equacionados e para que a Comunidade Européia seja uma realidade, assim como, desde o início, no Governo Sarney como Ministro e depois como Governador do Rio Grande do Sul, participei e trabalhei para que o Mercosul fosse uma realidade. Porque vejo que a Europa unida será um fator de paz, entendimento e garantia de estabilidade. Com o Mercado Comum Europeu, a Europa está se unindo; a China está crescendo e a Índia está se desenvolvendo. Elas serão forças que participarão da organização mundial, dando equilíbrio, não permitindo, como hoje, a supremacia absoluta dos americanos, que praticamente são a única voz que fala e decide em âmbito internacional.

Recebo com mágoa a decisão da França, mas não acho que ela signifique um retrocesso, apenas a necessidade de parar, de fazer uma revisão naquela Constituição. O Presidente francês fez um esforço dramático à última hora. Parecia que aquela diferença de dez pontos havia sido tirada por ele. As pesquisas mostravam dez pontos de diferença; mas, nas últimas horas, apontavam um empate técnico. No entanto, o resultado foi de dez pontos de diferença. Nem a paixão com que falou o Presidente da França, apelando para que os franceses aceitassem a Constituição, foi o suficiente para que aquele povo deixasse de lado as dúvidas e as angústias que tem com relação àquela Constituição.

O Sr. Marco Maciel (PFL - PE. Com revisão do orador.) - Nobre Senador Pedro Simon, escuto com muita atenção o pronunciamento de V. Exª e devo dizer que, a meu ver, o povo francês, ontem, votou mais pensando nas questões internas do que nas questões externas. Acho que isso levou à rejeição da nova constituição européia pela França. A questão não vai afetar tanto - assim o desejo também - a consolidação da União Européia. Acredito que a União Européia vai continuar a avançar. É um projeto que não começou agora, já tem - podemos dizer - mais de 50 anos, se formos tomar a Comunidade do Carvão e do Aço, que é do início da década de 50, poderá ser talvez o instrumento mais significativo para a constituição da hoje União Européia. Tenho a impressão de que a União Européia vai continuar a avançar. E é bom que continue a avançar porque está construindo um modelo que serve de referência para o mundo todo, para nós aqui no Mercosul, inclusive. Em segundo lugar, eu gostaria de fazer uma outra observação. Vamos admitir que o exemplo da França venha contaminar - perdoe-me a expressão -, venha reverberar sobre outros países, e admitamos que a maioria, ao final, não venha ratificar a nova constituição. Ainda assim eu diria que nada de muito trágico teria ocorrido, porque continuarão prevalecendo as regras de Nice (França) que foi a última grande reunião, da qual brotou a idéia da constituição européia. Essas instituições progridem entre avanços e recuos. Ali e acolá, questões internas e externas afetam o desempenho das instituições. Mas acho que o resultado da França foi mais um sinal de advertência do que uma condenação ao modelo que se está construindo. Acho muito oportuno que V. Exª venha ferir essa questão hoje à tarde, porque o que se passou na França deve servir de exemplo para nós. Estamos fazendo um grande esforço para consolidar o Mercosul, mas é necessário que tiremos lições desses fatos. É fundamental que a União Européia realmente seja um concerto de êxito das Nações, que já a essa altura congrega um número muito significativo, 25 nações, chegando a quase se discutir um conceito novo de Europa. Com a própria incorporação da Turquia - a Turquia tem pequena parte de seu território na Europa -, e a de novos países, a União Européia está se convertendo em um modelo que não pode deixar de merecer muitos elogios. Isso vale de exemplo - perdoe-me prolongar um pouco - para o Mercosul. Eu acho que, para nós, não há outro caminho a não ser consolidar o Mercosul. A essa altura, eu nem chamaria de Mercosul somente os países do Prata, mas também os países da América do Sul. Porque este é o nosso destino: integrar todos os países da América do Sul. Felicito V. Exª pelo discurso.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Agradeço-lhe e concordo plenamente com V. Exª. Eu devia até ter citado: a impopularidade do Governo deve ter sido um fator importante. O próprio Presidente fez questão de dizer que não era o Governo dele que estava em jogo; o que estava em jogo era a França e o Mercado Comum. Mesmo assim, a impopularidade do Presidente deve ter deixado um efeito muito forte na opinião pública.

Também concordo com V. Exª que, entre avanços e recuos, a União Européia chegará lá. Também concordo com V. Exª que é importante para nós que o Mercosul, entre avanços e recuos, também chegue a uma posição daquelas.

Encerro, Sr. Presidente, dando as boas-vindas, em nome do Senado, ao Presidente Lula e à sua comitiva. Chegaram, e ontem descansaram. E já ontem estava o Presidente reunido para ver as medidas que vai tomar. Sua Excelência deve ler os jornais. A manchete da Folha de S.Paulo falando em declínio ético; o Correio Braziliense dando a palavra ao Presidente da OAB, que pede uma faxina moral no governo; e as palavras de equilíbrio de Cláudio Fonteles, do Ministério Público, sobre a realidade do papel daquela entidade.

Eu confio que o Presidente da República, como os jornais de sexta-feira noticiaram, falando aos companheiros do Brasil, lá do Japão, diria que haveria um choque ético no Brasil com a sua chegada. Não sei nem penso, mas acho que Sua Excelência deve refletir, meditar e não ficar apenas naqueles que o cercam, mas olhar por cima o contexto do Brasil inteiro. Hoje é o grande momento que vive o Governo Lula. Ou ele diz a que veio ou ele faz as transformações que lhe dêem condições de credibilidade e de respeitabilidade. Que o povo olhe e diga: “Não, as coisas vão acontecer”. Ou que siga o conselho daqueles que acham que o caminho é afastar parlamentares do seu Partido, que o caminho é uma linha rígida de mostrar quem está com o Governo e quem não está com o Governo, e que parta para a ação.

Quantas matérias vi hoje, quantos telefonemas recebi, quantas correspondências dizendo exatamente isso! As pessoas que comigo se comunicaram diziam: “Que Deus ajude o Presidente Lula a entender que a hora é de grandeza e de humildade, a hora é de uma visão nacional, a hora é de estadista. A hora não é de picuinha, a hora não é das questões miúdas, a hora não é de fazer uma cobrança de contas de aqui e de acolá, a hora é de olhar para frente”.

Aquilo que o Lula não fez quando assumiu e que não tem feito nesses dois anos e meio, esta é a oportunidade de fazer, é a chance que ele tem, que a história lhe oferece. Tome ele as providências, mostre que o seu Governo tem uma grandeza de propósito, identificada com o futuro do País, e as dificuldades que estão aí serão superadas. A Nação lhe renderá homenagem, e o Congresso Nacional fará a sua parte com grandeza. Mas, se seguir o conselho daqueles cujas manchetes cobram ação rígida com relação a alguns subirem e outros serem afastados, eu não sei. O Governo já fez o afastamento de um grupo chefiado pela Senadora Heloisa Helena, e continuou. Mas não sei se ele tem condições e capacidade de repetir a atitude, porque lá o povo foi surpreendido, não entendeu direito o que estava acontecendo. Aqui, o povo está entendendo até demais. Se alguém não entender, vai ser o Lula. Mas Deus queira que o Presidente entenda e faça aquilo que deva ser feito, lembrando-se sempre, Sr. Presidente, de que o Lula, o companheiro e líder sindical pode ter amigo de montão; pode ter amigo banqueiro, trabalhador, operário, empresário, intelectual, artista, seja o que for, mas o Presidente da República, esse não tem amigo, esse tem a responsabilidade de olhar a sociedade brasileiro.

Que Deus o proteja, Presidente Lula, para que Vossa Excelência aja como deve agir, como já devia ter agido. Mas ainda é tempo. Aliás, o último tempo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/05/2005 - Página 16538