Discurso durante a 70ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações acerca do trabalho escravo no país. Defesa das ações judiciais de descendentes de escravos que reivindicam compensação financeira pelos trabalhos forçados a que os negros foram submetidos no Brasil.

Autor
João Alberto Souza (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MA)
Nome completo: João Alberto de Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Considerações acerca do trabalho escravo no país. Defesa das ações judiciais de descendentes de escravos que reivindicam compensação financeira pelos trabalhos forçados a que os negros foram submetidos no Brasil.
Aparteantes
Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 31/05/2005 - Página 16542
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • COMENTARIO, RELATORIO, ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT), ELOGIO, CAMPANHA, BRASIL, ERRADICAÇÃO, TRABALHO ESCRAVO.
  • ANALISE, INCIDENCIA, TRABALHO ESCRAVO, BRASIL, CRITICA, OMISSÃO, ESTADO, INFERIORIDADE, RECURSOS, REFORMA AGRARIA, IMPUNIDADE, DELITO.
  • REGISTRO, APROVAÇÃO, PARLAMENTO, PAIS ESTRANGEIRO, ALEMANHA, LEGISLAÇÃO, INDENIZAÇÃO, VITIMA, NAZISMO.
  • APOIO, REIVINDICAÇÃO, CIDADÃO, NEGRO, SOLICITAÇÃO, INDENIZAÇÃO, ESTADO, OBJETIVO, RESGATE, DIVIDA, HISTORIA, TRABALHO ESCRAVO, DEFESA, NECESSIDADE, REESTRUTURAÇÃO, LEGISLAÇÃO, BENEFICIO, DESCENDENTE, ESCRAVO.

O SR. JOÃO ALBERTO SOUZA (PMDB - MA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho lido manifestações de Srs. Senadores e de Srªs Senadoras sobre o relatório global da Organização Internacional do Trabalho - OIT, que trata do trabalho forçado.

O relatório foi apresentado na primeira quinzena deste mês de maio, simultaneamente em Genebra e em Brasília. Foi amplamente comentado pela imprensa nacional e por meio de pronunciamentos nesta Casa.

No documento, o Brasil recebeu elogios pela sua situação no combate à escravidão e ao trabalho forçado. Mesmo assim, apesar do progresso feito, ainda existiriam no Brasil cerca de 25 mil cativos em fazendas e carvoarias, realizando trabalho forçado, em situação de extremo desconforto, que caracteriza verdadeiro atentado à dignidade humana.

São situações em que o trabalhador é obrigado a executar as suas tarefas normalmente árduas, mediante pagamento ínfimo de diárias que ultrapassam em horas a jornada normal de trabalho, sem direito ao descanso semanal, sem comida adequada e suficiente e sem alojamento conveniente. São pessoas que se obrigaram a sair do interior, onde não tinham nem terra e nem trabalho, para procurar sustento alhures, abandonando suas famílias, enfrentando toda a sorte de revezes, desventuras, humilhações e sofrimentos. São as vítimas dos “gatos” que aliciam sem escrúpulo, privados de qualquer sensibilidade para com os desprotegidos, fabricantes de verdadeiras arapucas para capturar e manusear a mão-de-obra necessitada de sobrevivência.

A questão subsiste também por omissão do Estado, seja porque sua presença não é realidade efetiva em muitos espaços deste imenso País, seja porque a legislação, além de omissa, quando existente, é falha, imprecisa e ambígua. Refiro-me, em particular, à grave lacuna da justiça, quando permite que processos parem por existir dúvida sobre se determinado caso é da competência do âmbito federal ou da justiça comum. Refiro-me também à mediocridade, à parcialidade dos projetos públicos destinados à reforma agrária, quando jogam as famílias na terra e não lhes propiciam as condições para que cultivem a terra, fazendo-a produzir.

O problema do trabalho escravo subsiste por causa da impunidade. O relatório da OIT informa que, no mundo todo, quando os tribunais julgam casos de trabalho escravo, as condenações são parcas se comparadas com a gravidade do delito. “Cabe perguntar-nos, diz o relatório, se as leis não são inadequadas, tanto porque impõem sanções demasiadamente leves quando porque não facilitam as ações judiciais, dada a sua ambigüidade.”

A impunidade, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, prolonga a prática do trabalho forçado, um comportamento nitidamente que ora diminui e, logo em seguida, ressurge por obra de exploradores de pobres e negros necessitados. Esse problema terá solução somente mediante penas eficazes, de preferência financeiras, partindo do princípio de que “quem faz deve pagar pelo que faz”.

Li, na imprensa, que o parlamento alemão sancionou, em 6 de julho de 2000, uma lei que cria a fundação Memória, Responsabilidade e Futuro, aprovada pelo Conselho Federal da Alemanha, em 04 de julho do mesmo ano. O objetivo da lei é “ajudar, prontamente, trabalhadores forçados e outras vítimas do nazismo, de forma cooperativa, justa e desburocratizada”.

A lei deverá entrar em vigor no próximo mês e agosto. Prevê indenização para os trabalhadores utilizados em campo de concentração ou em outras prisões, inclusive fora do território alemão, para os que foram deportados de seus países para o império alemão, nos limites vigentes, em 1937, para os que sofreram danos em função de perseguição racial; e para aqueles que tiveram prejuízos pessoais, em especial aos casos de experimentos médicos ou morte ou graves danos à saúde. As indenizações constantes da Lei de Criação do Fundo de Indenização, com exceção de danos ao patrimônio, devem ser requeridas pessoalmente. Caso o beneficiário tenha falecido depois de 15 de fevereiro de 1999 ou se o requerimento diz respeito a danos patrimoniais, o respectivo cônjuge e os filhos ainda vivos têm direito a partes iguais. Se o beneficiário não tiver deixado cônjuge nem filhos, a indenização pode ser requerida, em partes iguais, também pelos netos e, caso estes não estejam mais vivos, pelos irmãos. Se estes também não apresentarem requerimento, passam a ter direito os herdeiros deixados em testamento.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, li na imprensa que cidadãos brasileiros negros planejam entrar na justiça para pedir indenização, em dinheiro, pelo sofrimento de seus antepassados que foram escravos. O objetivo é buscar indenizações que lhes dêem condições de acesso a serviços de saúde, educação e moradia. Como vejo, isso devemos aos nossos escravos.

Não há dúvida de que o Brasil possui dívida significativa com os negros que foram trazidos da África e aqui escravizados. É importante, do ponto de vista da justiça e da História que o país se estruture em termos de iniciativa e de legislação para que os descendentes dos escravos requeiram indenização pelos sofrimentos impostos aos seus antepassados. Seria muito justo isso. Só assim poderíamos chegar um pouco perto de indenizar, realmente, os sofrimentos dos negros, que tanto fizeram com que este País avançasse.

Entendo que uma atitude corajosa, forte e concreta nesse sentido será eficaz para corrigir as injustiças do passado e prevenir a repetição de atitudes de desrespeito à dignidade humana, mediante trabalho forçado.

Sr. Presidente, faço este pronunciamento olhando um pouco para o futuro e na certeza de que um dia o Brasil terá que indenizar os descendentes dos escravos, que tanto fizeram com que o nosso País crescesse.

Concedo um aparte ao nobre Senador.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador João Alberto Souza, acompanho o pronunciamento de V. Exª e quero cumprimentá-lo porque, quando a comunidade negra fala de políticas reparatórias, compensatórias, afirmativas, na verdade, o que eles querem é mais investimento na área da saúde, da educação, da habitação, do saneamento básico, mais investimentos para garantir a titularidade da terra dos quilombolas. Aproveito o pronunciamento de V. Exª para comentar que um grande astro do futebol brasileiro, considerado o melhor do mundo por duas ou três vezes, o Ronaldinho, quando perguntado se era negro, disse que era branco. O pai dele, quando consultado, disse que na certidão de nascimento está registrado que ele é negro. Faço essa reflexão para exemplificar como infelizmente isso está no subconsciente das pessoas, que acabam negando sua própria origem, sua história, sua etnia, sua própria raça, porque entendem que ser negro é ser permanentemente discriminado. Por isso, Ronaldinho fez uma declaração infeliz. Ninguém tem dúvida de que ele é negro, o pai dele não tem, a mãe dele não tem. Porém, quase que em autodefesa, ele, que é considerado uma autoridade mundial, teve como reação primeira dizer que não era negro. Disse ele: “Eu, que sou branco, vejo isso.” Ora, isso demonstra o quanto é importante aprovarmos aqui o Estatuto da Igualdade Racial, que prevê um fundo com o objetivo de haver investimentos em políticas de combate ao racismo e ao preconceito. Não estou aqui fazendo uma crítica contundente ao Ronaldinho. Ele fez isso quase em autodefesa. Recentemente, houve uma pesquisa na Bahia, onde - todos sabemos - 90% da população são de negros, e somente 15% se assumiram como negros. O racismo é tão forte que Ronaldinho quis demonstrar: “Eu, não!” Quero cumprimentar V. Exª, que está fazendo um discurso afirmativo, propositivo, dizendo que este País tem uma dívida de cerca de cinco séculos com a nação negra. E a forma de pagar não é dar dinheiro para um cidadão ou para uma cidadã negra. É, isto sim, fazendo investimentos. Por isso, o fundo que está contemplado no Estatuto da Igualdade Racial é o veio para combatermos o racismo e o preconceito. Sempre digo que é bonito cada um assumir a sua etnia. Eu, por exemplo, tenho orgulho da minha. Meus pais vieram da África. Sou negro. Recentemente, em sala de aula, um menino chamou meu filho de negro. Ele, então, indagou-me sobre o que deveria dizer. Eu disse que ele deveria afirmar que tem orgulho de ser negro e que seus antepassados vieram da África. Acabou o debate, e os amiguinhos ficaram ainda mais amigos dele, porque entenderam que ele não tinha vergonha alguma de assumir a sua identidade. Por isso, quero cumprimentar V. Exª. Seu pronunciamento é afirmativo, propositivo, em defesa da igualdade e da liberdade. Parabéns, Senador!

O SR. JOÃO ALBERTO SOUZA (PMDB - MA) - Agradeço ao nobre Senador Paulo Paim pelo aparte, que incorporo ao meu pronunciamento. Quero dizer a V. Exª e aos demais Senadores que a nossa luta deverá continuar para que o Brasil venha realmente resgatar essa grande dívida com a raça negra em nosso território.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/05/2005 - Página 16542