Pronunciamento de José Sarney em 01/06/2005
Discurso durante a 72ª Sessão Especial, no Senado Federal
Comemoração dos 60 anos de criação do Tribunal Superior Eleitoral.
- Autor
- José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
- Nome completo: José Sarney
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
HOMENAGEM.
REFORMA POLITICA.:
- Comemoração dos 60 anos de criação do Tribunal Superior Eleitoral.
- Publicação
- Publicação no DSF de 02/06/2005 - Página 16930
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM. REFORMA POLITICA.
- Indexação
-
- HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE), IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, GARANTIA, LEGITIMIDADE, SISTEMA, REPRESENTAÇÃO, BRASIL.
- COMENTARIO, DETALHAMENTO, HISTORIA, POLITICA, ELEIÇÕES, BRASIL.
- NECESSIDADE, APROVAÇÃO, REFORMA POLITICA.
O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente do Senado Federal, Senador Renan Calheiros; Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Nelson Jobim; Sr. Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Carlos Velloso; Sr. Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Fonteles; Srs. Ministros do Supremo Tribunal Federal, que aqui nos honram com sua presença, Ministro Marco Aurélio e Ministro Gilmar Mendes; Srs. Ministros do Superior Tribunal de Justiça; Srs. Ministros e Juízes do Superior Tribunal Eleitoral, Srªs e Srs. Senadores, minhas senhoras e meus senhores, as datas redondas sempre despertam, em nossa imaginação, o fechamento de um ciclo e, às vezes, até a abertura de outro. No caso do Tribunal Superior Eleitoral, nesses 60 anos, vemos a continuidade de um trabalho que se interliga com a legitimidade do sistema representativo brasileiro e os serviços que essa instituição tem prestado ao nosso País.
Minha longa vida pública - há 50 anos, eu chegava ao Congresso Nacional, ainda na legislatura de 1954 a 1958, no Rio de Janeiro - me fez acompanhar, ao longo dos anos, essa trajetória imensa e, ao mesmo tempo, presenciar o quanto o Brasil avançou no setor que se refere à Justiça Eleitoral. Na minha memória, ainda está a luta daqueles anos para que a cédula oficial fosse instituída, que quase leva a um problema institucional. A eleição de 1954, primeira a que concorri, ainda foi na cédula individual, distribuída pelos candidatos, que vinha desde os tempos da República Velha.
As eleições no Brasil atingiram uma agilidade e um nível de confiança que são raros mesmo nos países do primeiro mundo. A lembrança do 28 de maio de 1945 nos dá a oportunidade de ressaltar a importância da Justiça Eleitoral para o nosso País, sobretudo de seu órgão de cúpula, que é o Tribunal Superior Eleitoral, não somente no que diz respeito à Justiça Eleitoral como também à própria democracia representativa no Brasil.
A história das eleições brasileiras é marcada pela superação de erros persistentes. Há, desde sempre, uma aspiração por legitimidade que está na raiz da própria democracia.
Aqui temos um expert na história da legislação eleitoral brasileira, o Ministro Nelson Jobim, que teve oportunidade de escrever sobre ela um livro que é referência.
Esta data lembra o interregno da ditadura Vargas. Com o regime do Estado Novo chegando à exaustão, tornaram-se inevitáveis eleições para Presidente da República e para a Assembléia Constituinte. Foi a primeira missão do Tribunal Superior Eleitoral que, por decreto do próprio Getúlio, substituía o Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, extinto em 1937.
Nossa tradição eleitoral -- iniciada com as eleições de 23 de janeiro de 1532, em São Vicente -- resumia-se, enquanto éramos colônia, à escolha das câmaras e senados locais.
Todos sabemos que os portugueses, na aventura das descobertas, em cada lugar que chegavam, implantavam primeiramente o chamado Senado da Câmara e as Santas Casas da Misericórdia. Eram essas as marcas das descobertas portuguesas em qualquer lugar do mundo que estudemos a presença da colonização portuguesa.
Seguia-se as ordenações Manuelinas e Filipinas. Aqui, abro parênteses para dizer que o Senado acaba de publicar as Ordenações Filipinas, uma edição muito importante, por se tratar de um livro fundamental na história do Direito em nosso País.
O voto era um direito amplo, ser votado um privilégio. Mesmo com a vinda do Príncipe Regente e a ascensão a Reino, o regime absoluto não comportava representação nacional.
Quando houve a revolução constitucionalista do Porto, fizeram-se eleições para as Cortes pelas instruções de 7 de março de 1821 “segundo o método estabelecido na Constituição Espanhola”. Assim elegeram-se Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, Diogo Antônio Feijó, os brasileiros que, indo a Portugal defender nosso direito, enfrentaram a primeira onda do choque anti-brasileiro que levaria à nossa independência.
Todos nós sabemos do embate que houve com os nossos representantes às Cortes, de modo que alguns deles terminaram exilados na Inglaterra, de onde chegaram de volta ao Brasil.
A convocação do Conselho de Procuradores Gerais das Províncias, em fevereiro de 1822, adota as mesmas instruções, mas já são novas as instruções de 19 de junho para a eleição da Assembléia Geral Constituinte e Legislativa. Podiam então ser eleitores os moradores há 4 anos, “probos e honrados, de bom entendimento, sem nenhuma sombra de suspeita e inimizade à Causa do Brasil, e de decente subsistência” -- era a expressão constante então nos requisitos. Os deputados precisavam ter 12 anos de domicílio, ser brasileiro ou português, ou ainda naturalizado, e reunir “a maior instrução, reconhecidas virtudes, verdadeiro patriotismo e decidido zelo pela Causa do Brasil”. A eleição era indireta, fazia-se em dois tempos, primeiro os eleitores eram escolhidos, depois esses escolhiam os deputados. Utilizavam-se cédulas individualizadas.
Este sistema foi preservado pela Constituição de 1824. A armadilha em que caiu o sistema eleitoral do Império, denunciada e sobre que tanto se debruçaram os melhores homens do tempo, como Saraiva -- que tinha grande experiência em matéria de relações internacionais, era muito preocupado com isso, foi inclusive designado para as nossas questões no Prata, mas cuja causa parlamentar era a lisura das eleições --, tinha a dupla face da manipulação política e do estabelecimento da representatividade. O governo ganhava e fazia por ganhar. Uma vez no governo, só a desconfiança podia derrubá-lo. Esta não podia nascer das Câmaras escolhidas pelo próprio governo. Restava, então, a figura do Imperador, a quem coube, durante os longos anos do segundo Império, ser o intérprete da opinião pública, porque ele interferia, quando via a continuidade dos gabinetes e das eleições, trocava liberais por conservadores, conservadores por liberais e, em muito desses momentos, criou grandes problemas para si e também para a classe política.
Joaquim Nabuco explicava: “a realidade do nosso sistema político, que nunca foi, nem podia ser, outra coisa, em falta de eleições verdadeiras, senão a alternação dos partidos no governo a contento do Imperador.” E citava discurso de Nabuco de Araújo, o do sorites, em que fazia um protesto “não sobre a legalidade do ministério, mas sobre sua legitimidade”, e clamava: “Não é isto uma farsa? Não é isto um verdadeiro absolutismo, no estado em que se acham as eleições no nosso país? Vede este sorites fatal, este sorites que acaba com a existência do sistema representativo: o Poder Moderador pode chamar a quem quiser para organizar ministérios; esta pessoa faz a eleição, porque há de fazê-la; esta eleição faz a maioria. Eis aí está o sistema representativo do nosso País!”
As duas leis dos Círculos e a lei dos Terços, embora preocupadas com o direito das minorias, não alteraram o fundo do sistema. Só em 1881 a lei Saraiva criou a eleição direta. Inutilmente. A República chegou e a desconfiança continuou. E cito Walter Costa Porto que, ao lado do Ministro Nelson Jobim, chama a atenção para o fato de que, nas primeiras eleições presidenciais, só votaram cerca de 2% da população.
Assis Brasil dizia que “ninguém tem certeza de ser alistado eleitor; ninguém tem certeza de votar, se por ventura for alistado; ninguém tem certeza de que lhe contem o voto, se porventura votou; ninguém tem certeza de que esse voto, mesmo depois de contado, seja respeitado...” Esse era o sistema eleitoral dominante no Império e até na Primeira República - e, por que não dizer, depois dela.
Este voto desrespeitado, o voto a bico de pena, foi uma das causas da revolução de 30. Com ela, finalmente, em 1932, institui-se o voto secreto.
Abro, agora, um parêntese para falar a respeito do voto secreto. Quando foi proclamada, o grande problema da República, que foi feita sem povo, era como legitimá-la por meio de eleições. A pureza do regime republicano era, sobretudo, a soberania popular. Este era o grande impasse: se a República queria ter a legitimação pelo voto, precisava do voto do povo. E a história registra um fato interessante: em uma reunião do Governo Provisório, da qual participa Campos Salles, discute-se como poderiam ganhar as eleições sem que houvesse eleitores. Campos Salles dizia como deveria ser o processo eleitoral, de modo que a República tivesse a consagração dos votos, na Assembléia Constituinte que iam convocar. E se sugere que o voto deveria ser aberto, com dois votos, um para colocar dentro da urna, outro para entregar a um fiscal republicano, de modo que não pudesse nascer nenhuma expressão do Partido Monárquico.
Apesar da redemocratização, só em julho de 1950 a Lei nº 1.164 instituiu um Código Eleitoral, que regulava toda a matéria relativa à constituição dos partidos políticos, ao alistamento de eleitores, às eleições e à propaganda política. Quinze anos depois, em 1965, elaborou-se um novo Código, a Lei nº 4.737, que com diversas modificações encontra-se em vigor ainda hoje.
A sensação de desconexão entre o povo e seus representantes persistiu ao longo do Império e da República, prolongou-se até recentemente.
Já em 1868, nas discussões do Centro Liberal, Saraiva escrevia a Nabuco: “A reforma eleitoral não será eficaz sem a organização do Poder Judiciário constitucional e independente, para punir a fraude e o abuso da autoridade.” Da vasta evolução destes 180 anos, o da independência do Poder Judiciário e da formação da Justiça Eleitoral, sob a direção do Tribunal Superior Eleitoral, é a mais positiva.
De 1985 a 1989 tive a experiência de presidir eleições todos os anos. Acompanhei a notável transformação que o TSE fez a partir daquele momento, implantando o alistamento eletrônico, depois as urnas eletrônicas, revisando e corrigindo periodicamente os cadastros eleitorais, estabelecendo apurações rápidas e, acima de tudo, afastando da sociedade qualquer sombra de dúvida sobre a correção dos resultados.
Abro outro parêntese. Quando eu era Deputado Federal, nós, da UDN, tínhamos uma grande preocupação com a lisura do pleito. Era um alarme constante que fazíamos, quase uma reminiscência da campanha civilista, pregando a pureza do processo eleitoral. Àquele tempo, havia um processo de alistamento eleitoral totalmente anárquico, porque competia mais aos políticos do que à própria Justiça. Eram os políticos que tinham a iniciativa de promover o alistamento eleitoral, que, depois de feito, era jogado de cartório a cartório, de dois em dois anos, estabelecendo-se um verdadeiro caos. Apresentei um projeto de lei criando o Serviço Nacional de Alistamento Eleitoral. E a vida deu-me, ao longo desse tempo, a oportunidade de presenciar muita coisa. Quando fui Presidente da República, o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral era o Ministro Nery da Silveira. Falamos sobre a necessidade de resolver o problema do alistamento eleitoral. Naquele tempo, não havia ainda o desenvolvimento tecnológico de que dispomos hoje. Criamos o título informatizado, o de que era possível naquele momento. Recebi do Ministro Nery o primeiro título feito de uma maneira informatizada, o que foi muito gratificante para mim, pois, há trinta anos, havia eu sido o autor do projeto de criação do Serviço Nacional de Alistamento Eleitoral - e minha visão era de que devia ser semelhante ao alistamento militar.
A partir dali - todos somos testemunhas -, aconteceu um rápido processo de modernização das eleições. Para isso, quero destacar a importância do Ministro Carlos Velloso, quando do seu primeiro mandato na Presidência do Tribunal Superior Eleitoral, pelas suas peregrinações por esta Casa em busca de recursos para que chegássemos às urnas eletrônicas. Depois, vieram o Ministro Marco Aurélio, o Ministro Nelson Jobim e, agora, uma vez mais, o Ministro Carlos Velloso. S. Exª, que naturalmente já cobrava, naquele tempo, a consolidação dessas leis eleitorais, sem dúvida, vai continuar a pregar a necessidade que temos até hoje de fazer um código eleitoral atualizado, consolidando todas as leis existentes, que significam a preocupação e a agrura não só dos juízes, mas também dos advogados que militam na Justiça Eleitoral.
A informatização dos serviços eleitorais enfrentou muitas resistências. Com serenidade e competência, o TSE enfrentou os desafios e, já em 1989, totalizou eletronicamente os resultados das eleições presidenciais em alguns Estados do Norte e do Nordeste. Com o sucesso da experiência, o TSE resolveu aprofundá-la, utilizando a contagem eletrônica em 1.800 Municípios nas eleições subseqüentes. Avançou ainda mais, em 1994, com a utilização, em todo o País, da totalização eletrônica dos votos dos brasileiros que elegeram Presidente da República, Governadores, Congresso Nacional e Assembléias Legislativas.
Esse importante processo culminou com a instituição do sistema de votação eletrônico, adotado inicialmente em 1996 e universalizado nas eleições de 2000, quando 115 milhões de eleitores de todo o País votaram em urnas eletrônicas, hoje objeto de curiosidade e até de inveja internacional.
À velocidade e à segurança que a informatização deu ao processo eleitoral, soma-se a presteza das decisões do Tribunal Superior Eleitoral, vital para o bom desenvolvimento das eleições, essencial para assegurar a lisura dos pleitos.
Hoje, no Brasil - e acompanhei, ao longo dos anos, esse processo das eleições -, há 122 milhões de eleitores, e as eleições se processam com um sistema de transparência total. Quanto aos recursos, se compararmos o que ocorria antigamente na Justiça Eleitoral com o que se passa hoje, veremos que é algo extraordinário. Naquele tempo, a luta pela pureza das eleições começava nos recursos, seção por seção eleitoral.
Nas lutas do Maranhão, recordo-me de que houve uma eleição em que apresentamos ao Tribunal mais de 500 recursos, seção por seção. O Presidente, Ministro Ribeiro da Costa, reclamava ao Clodomir Millet -- um grande médico que tinha vocação para ser jurista eleitoral -- que se estavam fazendo recursos em mimeógrafo. Naquele tempo, não havia xerox. Os recursos eram feitos em mimeógrafos, seção por seção, e levava um tempo enorme para que os próprios eleitos tivessem a segurança da eleição.
Hoje, tudo isso desapareceu e, na nossa memória, parece que há um fóssil eleitoral do processo passado. Mas, se pensarmos bem, na realidade, é algo muito recente. Em poucas décadas o Brasil foi capaz de realizar esse processo político, sobretudo a organização da Justiça Eleitoral, dosando, de maneira sábia, entre ministros dos Tribunais Superiores, juízes e advogados, que estão dia e noite tratando do processo eleitoral. Esse conjunto, sem dúvida, criou uma Justiça Eleitoral capaz de realizar um processo eleitoral com absoluta insuspeição, dando aos políticos aquela tranqüilidade que eles não tinham no passado.
Podemos hoje nos dedicar à nossa tarefa de representação do povo, porque, no passado, tínhamos que ter aquela preocupação que citei aqui, de Assis Brasil: ninguém tinha garantido o reconhecimento como eleitor; se fosse eleitor, se votava e, se votasse, se o seu voto seria apurado de maneira que ele pudesse representar a vontade popular.
O fato de a Justiça Eleitoral ter cumprido com sua missão não nos exime da necessidade de cada vez mais aprimorarmos o processo político brasileiro.
No futuro a democracia representativa tenderá a ser mais participativa e, com o desenvolvimento da informática e dos canais de aferição da opinião pública, haverá uma volta à democracia direta, não mais na praça pública, mas vinculado pela imprensa, televisão, fibra ótica, satélite.
Nesse mundo, ao político somente restará ser a vitrine a ser quebrada e o executor de políticas públicas que serão formuladas pelos nossos atores.
A política, hoje, já é exercida menos pelos políticos, esse mundo criado pela democracia representativa, e mais por um sistema de capilaridade no qual a cidadania organizada exerce ação política através dos sindicatos, corporações, associações de toda ordem, clubes, etc., sem falar do mais poderoso de todos os poderes políticos: a imprensa, poder sem contrapeso que hoje se congrega numa ampla frente que abrange todos os meios de comunicação de massa.
O que se pensa, agora, é como sobreviverá a democracia representativa nesse condomínio representado pela sociedade organizada, imprensa e instituições. Como funcionará o Estado para garantir o bem estar social e responder às aspirações nacionais? A esta especulação sobre o futuro temos que responder com uma reforma presente.
Já Saraiva alertava em sua correspondência a Nabuco de Araújo: “As reformas que indico são mais complexas do que podem parecer à primeira vista.” Buscavam, os homens da “reforma ou revolução”, a verdade do voto, a legitimidade da representação, a possibilidade de fazer um governo estável -- e em que “a eleição julgaria a dissolução” --, governos que respondam a programa “prático, concreto, imediato, urgente”, e não a “programas doutrinários”. Estas as grandes causas que ainda devemos ao eleitor.
A busca da legitimidade é mais complicada nestes dias de comunicação em tempo real, com a força da mídia como intérprete e formadora da opinião pública. Temos de enfrentar a influência do poder econômico e consolidar a ação dos partidos.
A tradição brasileira sempre foi contra os partidos. Gostamos mais de facções regionais, grupos, alas, dissidências, do que da unidade partidária.
A verdade é que a democracia moderna não pode ser forte sem partidos fortes, organizados, com doutrina e programa. Onde não existem os partidos cumprindo essas finalidades, intermediando a vontade partidária, ela é um frágil equilíbrio.
Agradeço ao Presidente Renan Calheiros as referências que fez a meu respeito. Também concordo com S. Exª que, evidentemente, o Brasil ainda precisa de uma reforma política, que deve se completar para que o País avance no terreno das instituições democráticas. O País se modernizou na área da administração pública, na área da economia, na área administrativa e em todos os segmentos da sociedade, mas, a nossa legislação eleitoral, no que se refere às instituições políticas, ainda remonta ao século XIX. Quando olhamos esse voto proporcional uninominal, recordo-me de Assis Brasil, que citei há pouco. Era ele quem pregava as idéias positivistas, que caracterizavam os políticos do Rio Grande do Sul, como Castilho e Borges de Medeiros - o Ministro Nelson Jobim diz que quanto a ele não. Mas as idéias positivistas eram coisas daquele tempo. O próprio Getúlio Vargas foi imbuído dessas idéias, de tal modo que, quando pensou em ficar 15 anos no poder -- na verdade, pensava em ficar muito mais -- nada mais ele fazia do que ter aquela tradição do Borges de Medeiros, que passou tantos anos na Presidência da Província do Rio Grande do Sul, repetindo-se sempre.
Esse sistema do voto proporcional uninominal só existe no Brasil e ele deforma as eleições. Ele faz com que não se criem partidos políticos; os partidos políticos não existem, no Brasil, por causa do voto proporcional uninominal. Há guerra dentro dos próprios partidos. Ao terminar uma eleição, não é com o partido adversário que os candidatos têm de brigar, mas com seus próprios companheiros, porque é com eles que eles disputam. Isso, evidentemente, não dá margem a que se criem partidos políticos e, sem partidos políticos, o sistema democrático não funciona como deveria dentro do sistema representativo. Sem partido político forte, não há parlamento forte. Sem parlamento e partidos políticos fortes, a democracia nunca se completará. Daí a necessidade de avançar nesse sentido.
Não se pode descobrir a pólvora. A humanidade, ao longo do tempo, já descobriu essas coisas todas. Nós temos é que aprimorá-las.
No caso do voto, sou partidário do voto distrital, embora não se possa ter no Brasil o voto distrital puro. Quando a pessoa nasce na Inglaterra, ela diz que nasceu no distrito tal. Quando lemos as memórias do Churchill sobre a briga pelo seu distrito, percebemos como estava arraigada na mentalidade inglesa a fidelidade do candidato ao seu distrito. Fidelidade grande que também aqui existia no tempo do Império. Recordo-me que li, certa vez, que Teixeira Júnior, um Deputado do Estado do Rio, em discussão sobre o projeto da Lei do Ventre Livre, era cobrado: “Mas V. Exª, um homem tão esclarecido, está aqui?” Ele, então, responde: “É porque, simplesmente, minha pátria começa no meu distrito”.
Pois bem, não podemos mais ter essa noção de distrito no Brasil porque é impossível fazê-lo, mas temos que fazer o voto distrital misto - em que a Alemanha foi pioneira -, dosando o que é a sociedade moderna com o voto proporcional e, ao mesmo tempo, com o voto distrital, de modo a dar à representação outra segurança e, à estrutura política, outra organização.
Mas estamos aqui para homenagear a Justiça Eleitoral e para dizer o quanto nós todos, brasileiros, somos devedores do trabalho de todos aqueles que, nos tribunais, como os juízes eleitorais, escrivões, advogados, lutam e têm lutado para que o Brasil hoje seja um país exemplar nessa área e para que possamos nos apresentar, perante o mundo, com nosso nível de pureza das eleições. Nesse setor, ninguém pode nos dar qualquer lição. Nós é que estamos capacitados para dar essas lições.
Congratulo-me com o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Carlos Velloso, homem extremamente brilhante, culto, que tanto conhece a legislação eleitoral. Na sua pessoa, congratulo-me com todos aqueles que fazem da Justiça Eleitoral esse orgulho para nós, brasileiros.
Muito obrigado. (Palmas.)