Discurso durante a 75ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Importância da cooperação diplomática entre Brasil e Argentina.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Importância da cooperação diplomática entre Brasil e Argentina.
Aparteantes
Sibá Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 04/06/2005 - Página 17778
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, RELAÇÕES DIPLOMATICAS, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, ESPECIFICAÇÃO, INTERCAMBIO, ECONOMIA, ALTERAÇÃO, ECONOMIA INTERNACIONAL, ATUALIDADE, INTEGRAÇÃO, TERCEIRO MUNDO, BUSCA, INDUSTRIALIZAÇÃO, INVESTIMENTO, ENERGIA ELETRICA, IMPORTANCIA, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), REGISTRO, DADOS, COMERCIO EXTERIOR.
  • ENCAMINHAMENTO, PROPOSTA, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DEFESA NACIONAL, SENADO, PERMANENCIA, PARTICIPAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, INTEGRAÇÃO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Argentina sempre teve destacada importância nas relações externas do Brasil. E as recentes manifestações dos respectivos governos, ainda que muitas vezes desencontradas, apenas deixam evidente que essa importância continua grande e atual.

Ao longo de nossa história comum, entre Brasil e Argentina, políticos, jornalistas, empresários e estudiosos, em variadas circunstâncias e ocasiões, embora reconhecendo a existência de rivalidades, manifestaram-se realçando a amizade que une as duas nações no campo social, cultural, político e econômico.

Limitar-me-ei agora a fazer uma breve análise apenas no plano econômico e logo se verá que é muito intenso o intercâmbio entre as duas nações.

É possível que nem mesmo o próprio Presidente Roque Sáenz Peña, ao enunciar a célebre frase, no começo do século passado, “tudo nos une, nada nos separa”, poderia imaginar o quanto essa afirmação iria retratar a profundidade do significado dessa relação. Na verdade, desde que Sáenz Peña, aliás, a convite de Rio Branco, visitou o Brasil em 1910, cada país viveu - cada um a seu modo - as transformações que passaram a ocorrer na sociedade internacional.

Aparentemente, à época de Sáenz Peña e de Rio Branco, além da geografia e das questões dela decorrentes, pouco poderia ser lembrado como fatores de cooperação efetiva entre as duas nações. A capacidade de antevisão desses dois notáveis estadistas permitiu perceber o verdadeiro alcance dessa cooperação. Entretanto, como observa o professor Daniel Larriqueta, da Universidade de Buenos Aires, a passagem da geração de Rio Branco e Sáenz Peña marcou o fim de uma época, tanto na Argentina quanto no Brasil, chamada “a era dos governos das minorias esclarecidas”. No Brasil, o escritor Álvaro Lins denominou essa fase como a época da “República dos Conselheiros... a época”, segundo ele, “mais feliz da República”.

Com efeito, desde então as grandes transformações sociais, econômicas e políticas afastaram as duas nações por muitas razões. No plano geral, as circunstâncias econômicas e políticas vividas pela Argentina na Primeira Grande Guerra Mundial, da Grande Depressão que se seguiu e da Segunda Grande Guerra eram substancialmente diferentes daquelas vividas pelo Brasil. Havia poucos elementos que seriam indícios de que a cooperação econômica se poderia constituir em fator essencial para o progresso das duas nações.

Por outro lado, a evolução do comércio internacional indicava que países como o Brasil e a Argentina deveriam reorientar suas economias no sentido da industrialização. Enfim, ficava evidente, já àquela época, que o crescimento demográfico e a urbanização indicavam a necessidade de aumentar a capacidade de geração de empregos, e a agricultura e as atividades extrativas revelavam-se, por si sós, incapazes de promover o atendimento desses objetivos.

Ademais, na década de 50, começou a se observar uma redução da participação da agricultura no comércio internacional. Não vou descer a muitos dados, mas, em 1970, representava apenas 20% do comércio mundial. Assim, economias como a argentina e a brasileira, basicamente produtoras de bens primários, não poderiam por em prática outra estratégia que não fosse a da industrialização.

Outro fato que contribuiu para tornar pouco atraente a cooperação entre os países em desenvolvimento e, em especial, entre o Brasil e a Argentina, era a percepção de que os fluxos de comércio em relação ao destes países referiam-se essencialmente aos Estados Unidos e à Europa. Esse fato decorria tanto da guerra fria quanto da postura das Américas lusitana e espanhola: de costas uma para a outra. O fato é que não apenas o comércio, mas também a cultura e as relações políticas tinham muito pouco estímulo para a cooperação subcontinental, isto é, a cooperação no campo da América do Sul e, de modo particular, no Prata. Com efeito, até meados da década de 1970, apesar de iniciativas como ALALC (hoje Aladi), o fluxo de comércio entre os países da região era reconhecidamente irrisório.

A década de 1980, no entanto, marcou uma substancial inflexão neste rumo. Nações como o Brasil e Argentina haviam avançado bastante na industrialização, e a demanda pela abertura de mercados tornava-se crescente. Além disso, outros fatores contribuíam para que mudanças fossem feitas nas atitudes dos governos em relação à política externa. A crise do petróleo da década anterior, o fim da guerra fria, o esgotamento do modelo do desenvolvimento baseado na política de substituição de importações, que marcou também largo período da política econômica brasileira, e a crise da dívida externa que afetou o Terceiro Mundo foram fenômenos associados às profundas transformações ocorridas no plano internacional, cujos efeitos se fizeram sentir tanto no plano interno dos países quanto especificamente na América do Sul.

É nesse ambiente que Brasil e Argentina passaram a rever as suas prioridades e, ao definir novas estratégias de ação no campo externo, a cooperação Brasil-Argentina foi emergindo como um fator chave para as respectivas nações.

A partir de então, a história é conhecida, porque temos sido - todos nós de alguma forma e alguma medida - protagonistas e testemunhas das transformações em curso. A imprescindibilidade de modernizar a economia, especialmente a indústria, implicava o investimento em áreas sensíveis como energia nuclear, inclusive. A exemplo do que ocorrera na Europa, a cooperação nuclear entre Argentina e Brasil, iniciada nos fins da década de 1980, foi a saída para que antigas rivalidades não constituíssem em fatores prejudiciais a ambos os países. O entendimento no campo da energia elétrica seguiu na mesma direção. As crescentes necessidades energéticas geradas, ao fim e ao cabo, demandavam investimentos que pressupunham o aproveitamento dos melhores potenciais disponíveis em termos de recursos hídricos.

Aí se insere, obviamente, a construção de Itaipu, do lado brasileiro, e de Corpus, do lado da Argentina.

Repetia-se com relação à hidroeletricidade o mesmo que es passara no uso da fonte nuclear. Em síntese, Argentina e Brasil não poderiam mais ignorar um ao outro e fazer escolhas fundamentais sem que, de algum modo, afetassem o seu vizinho. Assim brotaram os acordos de cooperação econômica entre o Brasil e a Argentina, sementes germinadoras do Mercosul.

A história - sabe-se - não é linear e, como acontece nas melhores famílias das nações, as relações entre os dois países são marcadas por oscilações, por desencontros em seus enlaces.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Permite-me um aparte, Senador Marco Maciel.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Ouço o nobre Senador Sibá Machado.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senador Marco Maciel, ouço com muita atenção o pronunciamento de V. Exª, que é de uma profundidade muito importante neste momento, enfim, quando se faz essa reflexão sobre o relacionamento de dois importantes países da América do Sul. E enquanto vimos patinando ao longo desse tempo para constituir este bloco chamado Mercosul, fortalecer esse intercâmbio comercial, fico imaginando esse paralelo com a União Européia que, há tanto tempo, avança naquilo que penso ser muito mais do que uma simples relação econômica. Chegaram a ponto de constituir um tribunal comum, uma moeda comum e, agora, até mesmo uma constituição comum. Claro que, ao propor uma constituição comum, vão se deparar com muitas realidades culturais milenares que, no meu entendimento, requerem um pouco mais de calma. E é notório, eu compreendo, que a União Européia está fazendo uma nova concepção de organização geopolítica. Acho que a América do Sul está pecando muito em ficar se perdendo em questões muito pequenas. O Brasil tem insistido em querer dizer que é o líder da América do Sul. E ouvi isso da reportagem de uma comentarista da CBN, que dizia que o Brasil não precisa provar nada para ninguém. O Brasil só precisa estender a sua mão, fazer o que tem que ser feito: um bom e civilizado relacionamento com todos os países componentes do Cone. E muito mais que isso, estender este promissor trabalho que o País está realizando, principalmente nesta última década e que promete para as duas décadas futuras, para que, no aniversário do bicentenário da Independência do Brasil, estejamos, em 2022, comemorando um novo momento do relacionamento entre América do Sul e todos os blocos e países do resto do mundo. Portanto, parabenizo V. Exª por esta profunda reflexão. Acho que é muito sábio - e o momento é oportuno - que todos possamos pensar a partir do raciocínio de V. Exª.

           O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Agradeço a V. Exª, nobre Senador Sibá Machado, pelo aparte e devo fazer três rápidas considerações.

           Em primeiro lugar, concordo integralmente que precisamos aprofundar o nosso relacionamento. E aprofundar o nosso relacionamento no Prata significa responder inclusive ao imperativo geográfico. Enfim, a geografia determina a história dos povos. E precisamos ter consciência, como aliás já teve com muita propriedade Rio Branco, de que no Prata radica certamente o nosso primeiro pólo de integração.

           Em segundo lugar, V. Exª lembra com propriedade o que se passa na União Européia, em que pesem dificuldades eventuais, como essa relativa agora ao referendo da nova Constituição, que é, sem dúvida, o mais bem tecido modelo de integração. E vejam que, na Europa, as rivalidades eram muito maiores do aqui no Cone Sul, porque, como lembra V. Exª, eram culturas milenares e países que, muitas vezes, estiveram divididos por guerras. Por exemplo, os dois principais países promotores da integração européia, a França e a Alemanha, guerrilharam entre si pelo menos em três oportunidades no curso de dois séculos. Então, veja que eles foram capazes de esquecer o passado e construir o futuro.

           E, finalmente, quando V. Exª reclama uma maior aproximação, de alguma forma, isso atende à visão de muitos que pensaram o futuro da integração do Brasil com a Argentina. É oportuno lembrar uma frase de Perón - na década de 40 ou 50, do século passado, se não estou equivocado - quando disse que o século XXI nos encontra unidos ou dominados, isto é, nos integramos ou certamente vamos ter muitas dificuldades para nos integrar na sociedade internacional. O Cone Sul dá ao Brasil, à Argentina e aos países que o integram uma certa vertebração, que vai permitir enfrentar esses tempos de globalização. E esse, ao meu ver, é o caminho do Brasil.

           Mas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os fatos, de forma veemente, têm mostrado que a industrialização favorece a integração. Há muito foram deixadas de lado as tradicionais teorias do comércio que partiam do pressuposto de que os fluxos de comércio estariam baseados numa divisão internacional de trabalho. Nas últimas décadas o comércio intensificou-se entre os países desenvolvidos industrialmente enquanto, ao contrário, o comércio entre países produtores de bens primários, de um lado, e países industrializados de outro, perdeu a importância de forma continuada e consistente. A ação integradora da União Européia e de países como os Estados Unidos e o Japão, conquanto distantes geograficamente e, apesar de não possuírem arranjos de integração formais entre si, passaram a ser, cada vez mais, economias altamente articuladas entre si. Na verdade, ao final do século XX o comércio entre as nações industrializadas respondia por mais de 70% de todo o comércio mundial. Nesse quadro, o avanço na industrialização ocorrido na Argentina e no Brasil nas últimas décadas são um forte indicador de que o processo de integração entre as duas economias é a única via e não pode ser percebida senão como uma realidade imposta pela geografia e pela lógica da convivência na esfera internacional.

           Alguns dados econômicos servem para mostrar o que se afirma. Em 1985, período em que os primeiros acordos estavam sendo gestados, a Argentina não chegava a representar 3% do comércio exterior brasileiro. Em 1998, já constituído o Mercosul, esse comércio atingiu cerca de 14%, tendo a Argentina se tornado o segundo país de maior participação no comércio exterior brasileiro. É verdade que, com as crises que se abateram primeiro sobre o Brasil e depois sobre a Argentina, o comércio se reduziu a 7%, em 2002. Entretanto, tendo em vista a recuperação da Argentina e do Brasil, o comércio voltou a crescer e se estima que esteja em torno de 8%.

           Outro dado relevante a ser considerado diz respeito à qualidade do intercâmbio. Apesar das preocupações recentemente manifestadas especialmente pela diplomacia argentina, na pauta de comércio nas duas direções a participação dos manufaturados e semi-manufaturados predomina sobre os bens primários. Além disso, o fluxo de investimento e de pessoas entre os dois países tem aumentado de forma crescente. No campo das aplicações financeiras, os fundos de investimentos têm se dirigido tanto para os mercados de capitais quanto para as muitas oportunidades que têm se direcionado no sistema produtivo. Por outro lado, o turismo, apenas para dar um exemplo, tanto do Brasil quanto da Argentina tem promovido fluxos cada vez mais intensos de pessoas nas duas direções.

           Em suma, há motivos para entender que as relações entre o Brasil e a Argentina atingiram um nível tal que requer a consolidação de arranjos mais institucionalizados e estáveis.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

           O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Tanto o Brasil quanto a Argentina são nações que desfrutam hoje das mesmas aspirações quanto à melhoria das condições de vida de suas populações e quanto ao desempenho no papel mais decisivo nas relações internacionais, especialmente na ordem regional. Um papel que pode ter forte sentido construtivo e unificador será aquele que se basear na cooperação que permita superar limites e restrições mútuas. Essa é a leitura que hoje se pode fazer. Na essência, apontam para a necessidade de um estreitamento de relações entre Argentina e Brasil e também para o fato de que esse esforço não pode nem deve se restringir à esfera governamental. 

           É preciso, portanto, estimular ainda mais a participação da comunidade dos dois países nas discussões sobre projetos comuns.

           Em face do exposto, Sr. Presidente, desejo propor a constituição de instrumento de permanente interlocução entre os dois países, através do Congresso Nacional, nomeadamente pelas Comissões de Relações Exteriores do Senado Federal e da Câmara dos Deputados.

           Norberto Bobbio no seu livro “Três Ensaios sobre a Democracia”, já observara, com propriedade, que geralmente a política externa transcorria sem engajamento da sociedade e dos órgãos representativos. Mais: era algo privativo do Poder Executivo. Hoje, contudo, os parlamentos se afirmam, cada vez mais, como palavra da Nação, também na formulação da política internacional. A iniciativa, não tenho dúvida, ensejará fluído e constante diálogo, antecipando-se à exacerbação de tensões e conflitos e, igualmente, estabelecendo condições de melhor explorar ações conjuntas também de médio e longo prazos no plano bilateral e no regional, leia-se Mercosul.

           Esta proposta, a levarei ao exame da Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal, presidida de forma competente pelo Senador Cristovam Buarque, e propiciará ambiente de crescimento da cooperação em todos os níveis - econômico, social, cultural e, sobretudo, político -, em cujo território se aloja não só o arsenal de instrumentos de dissuasão de crises, mas igualmente de formulação de medidas que instaurem exitosos projetos de intercâmbio.

Era o que eu tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/06/2005 - Página 17778