Discurso durante a 75ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

O desmatamento da Amazônia. Referências à matéria de capa da revista IstoÉ Dinheiro, intitulada "Cerco à Amazônia". Leitura de editorial do jornal O Globo, publicado na edição de hoje, de autoria do jornalista Luiz Garcia, intitulado "A página e a Amazônia".

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE. SOBERANIA NACIONAL.:
  • O desmatamento da Amazônia. Referências à matéria de capa da revista IstoÉ Dinheiro, intitulada "Cerco à Amazônia". Leitura de editorial do jornal O Globo, publicado na edição de hoje, de autoria do jornalista Luiz Garcia, intitulado "A página e a Amazônia".
Aparteantes
Geraldo Mesquita Júnior, Sibá Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 04/06/2005 - Página 17789
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE. SOBERANIA NACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, NOTICIARIO, APREENSÃO, SITUAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, CRITICA, IMPRENSA, AMBITO INTERNACIONAL, DESCONHECIMENTO, CARACTERISTICA, ECOSSISTEMA, TENTATIVA, AMEAÇA, SOBERANIA NACIONAL, PROTESTO, ORADOR, COMPARAÇÃO, PAIS INDUSTRIALIZADO, HISTORIA, DESTRUIÇÃO, MEIO AMBIENTE.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, ESTADO DE RORAIMA (RR), EXISTENCIA, PARTE, CAMPO, DESNECESSIDADE, DESMATAMENTO, OBJETIVO, ATIVIDADE ECONOMICA.
  • COMENTARIO, HISTORIA, DESMATAMENTO, REGIÃO AMAZONICA, ORIGEM, ASSENTAMENTO RURAL, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), AUSENCIA, ASSISTENCIA, GOVERNO FEDERAL.
  • LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, ISTOE DINHEIRO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), CRITICA, IMPRENSA, AMBITO INTERNACIONAL, REFERENCIA, FLORESTA AMAZONICA, DENUNCIA, RESPONSABILIDADE, PAIS INDUSTRIALIZADO, POLUIÇÃO, PLANETA TERRA, DEFESA, ORADOR, AUTONOMIA, GOVERNO BRASILEIRO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desde a semana passada e durante toda esta também, a Amazônia tem sido o alvo das preocupações. Algumas são legítimas, mas de muitas delas, principalmente as que vêm do exterior, temos de desconfiar: primeiro, porque a Amazônia, que representa cerca de 60% do território nacional, não é uma coisa só, não é composta, como se pinta de maneira muito clara, apenas de florestas.

O meu Estado, por exemplo, tem um terço do seu território constituído de campos naturais, o que chamamos lá de lavrados, porque não tem árvores. No entanto, quando aparecem as fotos de satélite, aquela área do lavrado é dada como de desmatamento. Então, é preciso buscar as verdades corretas e não meias verdades; não se deve tratar a Amazônia como se já, de fato, ela representasse uma reserva mundial e não brasileira.

O meu Estado - e digo isso a cavaleiro - não precisa, para se desenvolver, derrubar sequer mais uma árvore. O que está hoje derrubado - diga-se de passagem - é fruto de assentamentos feitos por órgão oficial. Foi o Incra que levou pessoas de vários Estados do Brasil, para se assentarem lá, e as abandonou. Elas receberam, inclusive, a orientação de que tinham de desmatar, para legitimarem a posse da terra. Então, aquelas pessoas - estou falando do meu Estado, mas isso se dá na Amazônia como um todo - não podem ser hoje vistas como vilãs da história. Não podemos agora colocar a pecha em todos os amazônidas de destruidores da natureza. Aliás, por que um colono desmata? Para plantar, para sobreviver, para ter uma renda familiar, para manter sua família.

Dá para desconfiar do que está sendo falado no mundo todo. Quero saber qual é o país que, em cinco séculos e cinco anos, manteve o que o Brasil conseguiu preservar na Amazônia brasileira, apesar de a exploração desta, como disse o Senador Sibá Machado, ter sido, desde o início, equivocada. Mesmo com os equívocos, o Brasil conseguiu manter aquela área numa situação melhor, comparativamente ao que fizeram os países desenvolvidos com suas áreas.

Apresento esse contraponto para discussão. Sabemos o que pensam os donos do mundo. Conhecemos o pensamento de Margaret Thatcher; de Al Gore, Vice-Presidente dos Estados Unidos; de Mikhail Gorbachev, na Rússia; do Sr. Pascal Lamy, que prega abertamente que a Amazônia tem de ser gerida por um consórcio de países estrangeiros. Não estão mais escondidas suas intenções sobre a Amazônia: querem colocar a pecha de que nós, brasileiros, não sabemos cuidar da Amazônia. Os países ricos e donos do mundo não cuidaram de seu próprio meio ambiente e, agora, numa espécie de remorso ou, na verdade, com segundas intenções, vêm colocar em nós, brasileiros, em nós, amazônidas, uma culpa que não temos.

Antes de conceder um aparte ao Senador Sibá Machado, quero ler a manchete de capa - para não dizerem que essas palavras são só minhas - da revista Istoé Dinheiro:

Europeus e americanos se mobilizam para impedir a exploração econômica da Amazônia brasileira. Por trás discurso ecológico, defende, na verdade, seus interesses comerciais na agricultura, nos minérios e na venda de madeira. Eles querem internacionalizar a floresta. Afinal, de quem é essa riqueza?

Essa riqueza é nossa, dos brasileiros.

Peço, Sr. Presidente, que a matéria toda sobre a Amazônia seja transcrita na íntegra, como parte integrante do meu pronunciamento.

Passo a ler também, porque é curta, uma matéria publicada hoje, no jornal O Globo, de autoria do jornalista Luiz Garcia, intitulada “A página e a Amazônia”.

Editoriais são vítimas freqüentes do pecado do nariz empinado, herança daquele tempo em que o mais importante num jornal era sua opinião.

Os do “New York Times” não chegam a afirmar que valem mais do que o resto do jornal, mas certamente sugerem que, fora eles, o leitor só encontrará mesmo o resto. Não deve ser por acaso que, quando lhes dá na veneta, referem-se às suas opiniões como o julgamento “desta “página”, não “deste “jornal”.

Esta semana, a página se pronunciou sobre a Amazônia, condenando o desmatamento. É preciosa - e preciosa - sua definição sobre o comportamento das autoridades brasileiras: afirma que elas agem com senso de responsabilidade “intermitente”. Nada mais correto: tanto que a última medição do desmatamento - sobre os 12 meses terminados em agosto passado - registrou a maior perda de área desde 1995. [Tomara que não seja um equívoco igual ao que cometem, em relação ao meu Estado, ao dizerem que área que não tem floresta é tida como desmatada.] É certo, por outro lado, que a má notícia embrulha um registro quase alentador: nos nove anos anteriores as notícias foram melhores. Mas é a notícia mais recente que realmente interessa, não é essa a regra? Tudo pesado e medido, impõe-se a conclusão de que a última grande floresta tropical tem de ser bem preservada. As intenções federais a respeito (o editorial elogia o trabalho da Ministra Marina Silva) parecem louváveis. Embora, claro, insuficientes, além de sabotadas pela generalizada ineficiência da burocracia. Como se viu esta semana, com o registro de que madeireiros fazem o que querem em áreas indígenas e de proteção ambiental da Amazônia por pura incompetência do Ibama.

Para todas as mazelas, o editorial do Times tem um só remédio: exigência externa de uma política ambientalista mais firme. É aí, e a partir daí, que ele perde parte da razão. Sendo verdade que a Amazônia é uma defesa contra o aquecimento global, por que não condenar com a mesma ênfase os grandes responsáveis pelo aumento do aquecimento? Ou seja, o governo e a indústria do país onde “esta página” é publicada. Se é imperioso preservar essa extraordinária reserva da biodiversidade, por não defender combate enérgico a quem a saqueia - e que, em grande número, não são os nativos?

Está certo que a grande floresta é patrimônio da humanidade. A atitude de exigir das autoridades brasileiras maior repressão a quem derruba árvores para plantar soja ou exporta madeira ilegalmente ganhará considerável peso moral se cobrança igualmente enfática for dirigida àqueles que, em empresas e governos de outros países - principalmente os mais ricos, acima de tudo os muito mais ricos - contribuem para que a cada dia se torne maior e mais ameaçadora a poluição da atmosfera em todo o planeta.

Essas ponderações não visam a reduzir responsabilidade de qualquer grupo determinado de terráqueos na decadência do seu único planeta. Apenas lembram a conveniência de melhor distribuir as acusações.

Senador Sibá Machado, como V. Exª, trago justamente este enfoque para o debate. Não podemos aqui também ficar repetindo o que dizem esses donos do mundo, que têm interesses escusos sobre o Brasil e sobre a Amazônia especialmente, apenas a repetir essa questão e não mostrar a realidade do que se passa lá. O seu Estado mesmo, o Estado do Acre, já foi vítima de muito desmatamento. Mas, o que está desmatado hoje lá é suficiente para desenvolver o Estado. A mesma coisa em Roraima. E repito: meu Estado tem um terço do seu território de campos naturais.

Então, temos que trazer o debate, e o Governo brasileiro tem que ser altivo nisso e mostrar que, ao contrário desses países que nos recriminam, temos, sim, tido responsabilidade, embora aqui e acolá tenha havido equívocos e exageros, mas temos tido muito mais responsabilidade do que eles.

Ouço V. Exª, Senador Sibá Machado, com muito prazer.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senador Mozarildo, agradeço-lhe pela concessão do aparte. É realmente muito lúcida a preocupação trazida por V. Exª. Reitero que as pessoas mencionadas aqui por V. Exª não são referências para exigir nada de ninguém nessa área. Não são. Considero intromissão na soberania de um país. O Brasil é chamado a atenção para jamais aceitar esse tipo de intromissão. Sabemos todos nós que temos problemas na região, mas, cabe ao País responder por eles. Lembro também dois geógrafos que respeito muito, um deles é Carlos Walter Porto Gonçalves, do Rio de Janeiro, que escreve bastante sobre a região. Um dos livros dele é “Amazônia, Amazônias”, ou seja, na Amazônia com várias Amazônias. Olhando o aspecto geográfico, cobertura florestal, ele lembra muito isso. Temos, da composição da nossa região, a sua maior parte é de floresta tropical. Mas, compõe, lá dentro, parte com campos naturais - como é o caso de Roraima, o Estado de V. Exª - e uma parte de cerrado que está localizado principalmente em Rondônia, uma parte em Mato Grosso e uma ponta em Tocantins, uma parte de transição - que é o caso das matas de cocais que é uma ponta lá do Maranhão e também em Tocantins, e assim por diante. O problema é que, na imagem de satélite, aquilo que configura como figura mais clara, como uma imagem mais clara, imediatamente é traduzida já como conversão florestal, ou seja, pasto. E nessa situação há um engodo. É preciso haver um mecanismo técnico que resolva este primeiro problema. O segundo deles é que, dentro dessa lógica do desenvolvimento regional, temos essa situação que V. Exª nos traz. Quando se fala do chamado arco do desmatamento, ele vem da ponta leste do Estado do Acre, passa por Rondônia, por Mato Groso, pelo Pará e vai até o Maranhão, passando, também, por Tocantins. Não me lembro, de memória, a área já convertida, ou seja, a área já desmatada, mas se fizermos nesta área o replantio voltado, digamos, para o atendimento da Vale do Rio Doce, que precisa, cada vez mais, de carvão vegetal para o ferro gusa, se colocarmos ali uma área cultivada para a celulose e se nós colocarmos esta área para o cultivo de oleaginosas para o biodiesel, imediatamente estaremos dando emprego para, no mínimo, no meu entendimento, cerca de até 1 milhão de pessoas e mais um desenvolvimento com capital local, e assim por diante. Portanto, volto a dizer, V. Exª, brilhantemente, traz uma questão que esta Casa não pode deixar de observar, que é a da soberania nacional sobre essa região, e mais, discutir, de maneira mais tranqüila, sobre seu usufruto e sua forma de ser trabalhada. Parabéns, Senador, pelo seu pronunciamento.

O SR. MOZARILDO CAVANCALTI (Bloco/PTB - RR) - Obrigado, Senador Sibá Machado. Realmente, o Senado, como a Casa que representa a Federação, os Estados, tem que efetivamente discutir mais a Amazônia. Como disse o Presidente Lula, em sua campanha, estamos cansados de ouvir dizer o que não se pode fazer na Amazônia, estamos agora querendo saber o que se pode fazer na Amazônia.

Temos idéias, portanto temos que ter uma política que não seja, como disse aqui o Editorial, intermitente. Quer dizer, vem um governo e tem um tipo de conduta, vem outro governo e tem outro tipo de conduta. O que a Amazônia atingiu em termos antropológicos, não temos que condenar. Não adianta ficar jogando pedra no passado ou querer buscar culpados agora. Temos de encontrar rapidamente uma saída para essa região que representa a solução de muitos problemas brasileiros.

O Sr. Geraldo Mesquita Júnior (P-SOL - AC) - Senador, V. Exª me permite um aparte?

O SR. MOZARILDO CAVANCALTI (Bloco/PTB - RR) - Ouço o Senador Geraldo Mesquita.

O Sr. Geraldo Mesquita Júnior (P-SOL - AC) - Senador, V. Exª estava há pouco afirmando que todos precisamos saber o que fazer com a Amazônia, agora, sobretudo precisamos ouvir o povo da Amazônia, que é sempre esquecido. São milhões de pessoas que vivem naquela região, milhares no meu Estado, e as pessoas se ressentem muito disso. Quando ando por lá conversando com o pequeno produtor, eles se ressentem; a coisa parece Boeing, passa por cima, as pessoas decidem o que vai acontecer com aquilo ali, normalmente sob a ótica da preservação da Floresta. Fecho integralmente com essa proposição. Agora, pouco vejo se falar na sorte do povo amazônida, nas condições precaríssimas em que vivem as pessoas, no meu Estado, particularmente, que conheço mais, o pequeno produtor. V. Exª fala que já temos espaços abertos na Amazônia - no meu Estado também não é diferente - que poderiam permitir a produção da cultura branca, como chamamos, sem que tenhamos necessidade de mais derrubadas. Agora, as pessoas precisam ter opção, Senador. Se não podem mais derrubar, temos de mecanizar, temos de introduzir processos de correção de solo. O difícil é admitir que as pessoas sejam encostadas na parede, inclusive tidas como culpadas do que está acontecendo ali, quando elas, na maioria das vezes, não têm a condição real - e aí permita-me - oferecidas mesmo pelo Poder Público. Ali, na nossa região, o Poder Público tem um papel fundamental de indutor do processo de produção, de desenvolvimento. Ele tem de exercer esse papel, fundamentalmente, e não exerce. Veja V. Exª. O papel do Incra é medíocre naquela região. Não vou me estender ao restante do País, mas o Incra, de tanta mediocridade na sua atuação naquela região, já passo a chamar o Incra de, ao invés de Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Instituto Nacional contra a Reforma Agrária pelo seu papel de difícil aceitação naquela região. Coloca pessoas em assentamos ali feito bicho. Coloca o lote, larga as pessoas e as abandona completamente à própria sorte. Isso não é processo de colonização e muito menos de reforma agrária. Então, precisamos repensar isso tudo, mas precisamos, sobretudo, ouvir o povo do Acre, o povo de Rondônia, o povo de Mato Grosso. Por que não propomos que se faça uma listagem com as situações que precisamos discutir relativamente àquela região, fazendo um grande plebiscito para que as pessoas possam se manifestar abertamente, expressar os seus sentimentos, a sua opinião acerca do destino daquela região que pertence muito mais a elas? Senador, era o que queria dizer ao apartear V. Exª.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - Agradeço o aparte de V. Exª, que é um homem da Amazônia também, lá do Estado do Acre.

Concordamos plenamente com as suas palavras, porque as políticas públicas do Governo Federal não são decididas a partir da ausculta da população dos diversos Estados que compõem a Amazônia. Os Estados são muito diferentes. Mato Grosso, por exemplo, está na região Centro-Oeste, mas parte dele está na Amazônia Legal, o Maranhão também. Além disso, os Estados amazônicos propriamente ditos são muito diferentes.

Temos de partir para uma solução imediata e não apenas usar os instrumentos à disposição dos órgãos federais, como o Incra, Ibama e Funai, contra os 25 milhões de pessoas que moram na Amazônia.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matérias referidas:

“A Página e a Amazônia - O Globo”

“Cerco à Amazônia - IstoÉ Dinheiro”


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/06/2005 - Página 17789