Discurso durante a 75ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão a respeito de propostas sobre segurança pública apresentadas durante simpósio promovido pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro.

Autor
Marcelo Crivella (PL - Partido Liberal/RJ)
Nome completo: Marcelo Bezerra Crivella
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA SOCIAL.:
  • Reflexão a respeito de propostas sobre segurança pública apresentadas durante simpósio promovido pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro.
Aparteantes
Sibá Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 04/06/2005 - Página 17820
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, SIMPOSIO, SEGURANÇA PUBLICA, INICIATIVA, FEDERAÇÃO, INDUSTRIA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), PARTICIPAÇÃO, AUTORIDADE, ANALISE, PROPOSTA, MELHORIA, FORMAÇÃO, POLICIAL, AMPLIAÇÃO, SISTEMA PENITENCIARIO, CONTRADIÇÃO, NECESSIDADE, REDUÇÃO, GASTOS PUBLICOS.
  • ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, MISERIA, VIOLENCIA, POPULAÇÃO CARENTE, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), MAIORIA, NEGRO, FALTA, ACESSO, EDUCAÇÃO, OPÇÃO, VINCULAÇÃO, TRAFICO, DROGA, CONTRABANDO, PROSTITUIÇÃO, DENUNCIA, AUMENTO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, PAIS, INEFICACIA, POLITICA, REPRESSÃO.
  • DENUNCIA, ATUAÇÃO, CLASSE SOCIAL, MINORIA, CONCENTRAÇÃO, RIQUEZAS, MANIPULAÇÃO, ESTADO, FALTA, ATENÇÃO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, EXPECTATIVA, DECISÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, BUSCA, ALTERAÇÃO, POLITICA MONETARIA.

O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PL - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, muito obrigado pela apresentação tão honrosa.

Srªs e Srs. Senadores, trago ao conhecimento desta Casa um simpósio sobre segurança pública realizado no Rio de Janeiro, promovido pela Firjan, a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, que tem prestado uma contribuição extraordinária ao meu Estado.

O simpósio, Sr. Presidente, senhores telespectadores da TV Senado, que nos honram com a audiência, senhores ouvintes da Rádio Senado, teve o nome de “O Grito do Rio” e reuniu pessoas importantes da área de segurança pública, como os Secretários de Segurança do Paraná, de Minas, do Rio, de São Paulo e da Bahia, representantes da polícia britânica e da polícia americana, o Secretário Nacional de Segurança Pública, o Deputado Josias Quintal, que já foi Secretário de Segurança do Rio de Janeiro, e o Presidente da Firjan, Dr. Eduardo.

Assistimos, com muito interesse, ao debate promovido pelo Dr. Eduardo e gostaríamos de tecer alguns comentários sobre a proposta final dos nossos federados, representantes da indústria do Rio de Janeiro. Cinco pontos básicos foram elencados por eles. Primeiro, formação policial; segundo, ampliação do sistema de carceragem.

Nesses dois pontos quero me ater. Como, senhores empresários do meu Estado do Rio do Janeiro e do Brasil, vamos conseguir dar melhor formação ao policial - algo que passa por melhorar o salário da tropa - ou aumentar as vagas do sistema de carceragem, se V. Sªs defendem a diminuição do gasto público e a diminuição da carga tributária - nós todos a queremos - via não o crescimento do País, mas via diminuição dos gastos públicos do País? Como é possível, diminuindo gastos públicos, melhorar a formação policial e ampliar o sistema de carceragem?

Em terceiro lugar, vem a proposta de modernização da legislação penal, passando pelo aumento da pena. Meu Deus do Céu! O Rio de Janeiro tem hoje uma população masculina jovem muito menor do que a feminina. No Rio de Janeiro, no ano passado, seis mil pessoas foram assassinadas, e de forma violenta. Tiveram suas casas invadidas, seus carros seqüestrados, foram vítimas de balas perdidas - balas de fuzis! Sabem quem representa a maioria das pessoas assassinadas? Negros, jovens, muitos deles vítimas do “narcovarejo”.

Hoje, nas comunidades carentes do Rio de Janeiro, narcotráfico, pirataria e prostituição já não são mais considerados crimes. Amigos, vizinhos e parentes têm uma certa solidariedade para com as pessoas que se envolvem com isso, que virou estratégia de sobrevivência. Quando esses meninos escapam dos esquadrões da morte, são pegos por uma mão cruel do Estado que os lança num sistema carcerário medieval, onde são barbarizados, vegetam, não têm educação, não têm trabalho e onde muitos permanecem presos mesmo depois de cumprir a pena.

Quando olhamos uma comunidade carente do Rio de Janeiro, identificamos: “Negros que não estudaram são pobres. São pobres porque não estudaram. Não estudaram porque não quiseram”. Mentira! Vivemos numa sociedade desigual, onde as pessoas não têm chance de sobreviver e são massacradas, muitas vezes, por quem tenta defendê-las.

Por um lado, a elite do meu Estado defende, de maneira exponencial - pela posição econômica e cultural que ocupa em nossa sociedade -, a diminuição dos gastos públicos. “Diminuem-se os impostos e a carga tributária”. Por outro lado, querem mais proteção para que possam viver em suas mansões, verdadeiros paraísos, em meio a um oceano de barbárie que abriga o outro lado da população, que não tem condições sanitárias, saúde, educação, residência e trabalho. Como? Será que não podemos diminuir o gasto público, reduzindo os juros? Não! Não podemos! Reduzindo juros, não, porque tiramos o dinheiro do banco, trocamos em dólar e mandamos para fora.

Era a fuga de capitais que existia quando o Presidente Lula assumiu o Governo: US$2 bilhões. Mais uma vez, nossa elite é a responsável pela maior desigualdade do planeta.

Em seu discurso, o Senador Paulo Paim disse que sete mil brasileiros possuem 80% da dívida pública. Imaginem! Sete mil brasileiros são donos de 800 bilhões nos bancos públicos e privados deste País? Meu Deus do céu!

Será que é por aí, Sr. Presidente da Firjan - que admiro tanto -, colocando policiais mais violentos, mais armados, aumentando vagas nos presídios, aumentando a pena para essas pessoas. E pedem também que seja feita uma prevenção em gestão de informação e um combate sistemático ao comércio ilegal, que, claro, prejudica a nossa indústria. E não sou contra a indústria, pelo contrário, sou a favor da Firjan, sou um defensor de todos os seminários e ações de cidadania que os nossos industriais tomem no meu Estado, mas não é possível mais tentarmos reprimir, já estamos fazendo isso há quase 20 anos, aumentando a violência. De vez em quando o prefeito, para dar uma satisfação - dizem que a ideologia das massas é a ideologia da elite -, sai dando borrachada em tudo que é quanto camelô; um ficou cego. Como tática de sobrevivência, já que não tem emprego formal, o sujeito sai às ruas para vender coisas; e esse camelô apanhou tanto, Senador Sibá Machado, que ficou cego. Era jovem, 19 anos. Mas é uma maneira de ser dar satisfação de que estamos mantendo a ordem e de que o capital será protegido pela lei e pela violência do Estado.

Será que ainda cabe mais violência contra uma população marginalizada?

Vou conceder aparte a V. Exª, Senador Sibá Machado, mas quero narrar um fato que vivi - não me contaram: a primeira favela do Brasil nasceu no Morro da Previdência, ali pertinho da Praça Mauá. Sabe como, Senador  
Sibá? Em 1865, o Brasil entrou na maior guerra que já houve na América Latina: a Guerra do Paraguai, a maior guerra que já houve na América Latina. Foram cinco anos, em que o Brasil fez um genocídio no Paraguai. Muito bem. Quem eram os soldados? Os voluntários da pátria. Normalmente, nas grandes capitais, Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, tem uma rua chamada Voluntários da Pátria. Quem eram eles? Escravos que foram para a guerra lutar sob a promessa de serem alforriados. No meu Estado do Rio de Janeiro, depois de passarem cinco anos num combate sangrento, voltaram e receberam, para morar, aquele Morro da Providência.

Senador Sibá, isso foi em 1870. De lá para cá, tivemos dinheiro para construir Copacabana, Ipanema, Barra da Tijuca, Jacarepaguá, Zona Oeste, Niterói, Teresópolis, fizemos tantas coisas, mas não tivemos dinheiro para consertar aquela favela que continua sendo um local sem a menor habitabilidade, permeado pelo narcovarejo - e ninguém fala nos organizadores do tráfico ou os consumidores, e muitos deles estão na classe média alta e na elite -, sem condições sanitárias, sem emprego, sem condições de sobreviver. E, quando as pessoas olham para o morro, não vêem ali o egoísmo da nossa sociedade nem desigualdade. Dizem: ali estão os negros que não estudaram porque não quiseram, por isso são pobres, a culpa é deles.

Às vezes, até a religião é usada como instrumento de poder. Botam a Bíblia debaixo do braço de um sujeito e dizem para ele: olha, desigualdade sempre houve, meu filho, você deve resistir...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PL - RJ) - ...à tentação, lutar contra os pecados e aguardar a salvação na eternidade. E são milhões que não discutem e têm a atenção desviada dos reais problemas da nossa sociedade, uma armadilha, que é essa desigualdade.

Senador Sibá Machado.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senador Marcelo Crivella, V. Exª geralmente nos traz profundas reflexões sobre temas de grande importância nacional. Enquanto V. Exª falava, eu estava aqui relembrando uma imagem que vi em um dos jornais de circulação nacional, mostrando um cena que muito me chocou. A cena mostrava o momento em que um pelotão da polícia do Rio de Janeiro subia um dos morros da cidade, trocava tiros, com armas de grosso calibre, com jovens do tráfico. Essa mesma cena mostrava também um garoto, provavelmente de 10, 12 anos de idade, descendo a ladeira, com uniforme escolar, carregando uma mochila...

(Interrupção do som.)

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - ...comendo um sanduíche - provavelmente tinha acabado de sair de casa -, expressando a maior tranqüilidade. Era como se não tivesse acontecendo absolutamente nada. Só que ele estava no meio de um tiroteio. Eu me pergunto: será que a banalização, a insensibilidade com relação a essas coisas chegou a esse ponto? Outra questão, infelizmente, essa vontade exacerbada de ser dono de tudo sozinho me levou a escrever, certa vez, em um artigo para um jornal do Acre, que quanto maior for a riqueza individual de uma pessoa, na situação atual, inevitavelmente maior será o seu muro e mais valente será o seu cachorro. Ou seja, vai chegar ...

(Interrupção do som.)

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - ...o momento em que essa pessoa não vai mais ter nem lugar para morar. Ou essa pessoa vai morar numa bolha dentro do mar, ou vai fabricar uma ilha artificial, ou vai ter que morar numa nave espacial fora do planeta. É difícil encontrar uma solução para esse problema. E mais, dentro dessa sua reflexão, há também o problema da população carcerária. Fico imaginando que o rigor da lei que temos votado várias vezes aqui no Senado e na Câmara dos Deputados não tem surtido efeito. E não vejo uma cadeia ou uma penitenciária se colocar naquilo que está escrito na sua função: o resgate à cidadania de uma pessoa que cometeu um delito. E tanto é isso que o Brasil jamais admitiu a pena de morte porque ainda acredita que as pessoas têm jeito, têm retorno. Quero aproveitar para fazer um tributo às igrejas...

(Interrupção do som.)

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - ...a todas elas, porque o que eu tenho assistido de resgate da cidadania da população carcerária tem sido única e exclusivamente o esforço incansável das diversas igrejas que prestam as suas pastorais dentro daqueles ambientes. Neste caso, resta-me aqui um respeito, uma gratidão a todas. Como não sou da área, coloco-me aqui apenas como um cidadão comum, preocupado, como V. Exª, com essa situação, que não podemos assistir - e não é um problema só do Brasil, parece-me que agora é um problema continental -, ou seja, que tenhamos os ungidos dos direitos divinos na Terra e aqueles que amargarão inevitavelmente as barras do inferno ainda em vida dentro da terra. E quero que V. Exª, que também é uma liderança religiosa, possa dizer se estou raciocinando logicamente ou não. Muito obrigado.

O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PL - RJ) - Senador Sibá...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PL - RJ) - Senador Sibá Machado, agradeço a V. Exª pelo aparte. Não há nada contra riquezas; as pessoas podem ser ricas. Aliás, a prosperidade é um princípio bíblico. Não creio que no céu exista pobreza, miséria, não creio que Jesus tenha sido pobre, mas um dos nomes mais bonitos de Jesus é que Ele era o Rei dos reis. Quem o serve é rei também. Aqui no Brasil as pessoas não querem ser reis de reis, elas querem ser reis de escravos. Reis de pessoas que servem sem qualquer direito, sem direito a educação, a trabalho, a igualdade. E quando vemos que o combate à violência passa por melhor formação policial, ampliação do sistema carcerário, aumento da pena, um sistema de informação e também pelo combate sistemático ao comércio ilegal, sem tocarmos nos reais problemas do qual se deriva toda desigualdade deste País, precisamos vir à tribuna e falar.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PL - RJ) - Sr. Presidente, quero agradecer a V. Exª pela paciência.

Termino dizendo que não perco a esperança. Creio num Brasil mais justo. Creio que o Presidente Lula, homem do povo, eleito pelo povo, vai começar a governar pelo povo. Sua Excelência vai sair dessa armadilha e vai-nos conduzir a um país mais fraterno. E isso passa por uma mudança radical na nossa política monetária.

Eram essas as minhas palavras.

Agradeço a V. Exª pelo tempo extra que me concedeu.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/06/2005 - Página 17820