Discurso durante a 77ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a lentidão da reforma agrária.

Autor
Geraldo Mesquita Júnior (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AC)
Nome completo: Geraldo Gurgel de Mesquita Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • Considerações sobre a lentidão da reforma agrária.
Publicação
Publicação no DSF de 08/06/2005 - Página 18201
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • CRITICA, AUSENCIA, IMPLEMENTAÇÃO, REFORMA AGRARIA, AGRAVAÇÃO, SITUAÇÃO, VIOLENCIA, CONFLITO, ZONA RURAL, REGISTRO, DADOS, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUMENTO, NUMERO, INVASÃO, PROXIMIDADE, RODOVIA, SUPERIORIDADE, TRABALHADOR, SEM-TERRA, FALTA, DOCUMENTAÇÃO, IMPOSSIBILIDADE, INGRESSO, PROGRAMA DE GOVERNO, PROJETO DE REFORMA AGRARIA.
  • DENUNCIA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ESPECIFICAÇÃO, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), INFERIORIDADE, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, ASSENTAMENTO POPULACIONAL, INEFICACIA, MODELO, REFORMA AGRARIA.
  • COMENTARIO, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, PAIS, DESIGUALDADE SOCIAL, AUSENCIA, REFORMA AGRARIA, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.

O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (P-SOL - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senadora Heloísa Helena, a quem manifesto meus respeitos, e Srs. Senadores, enquanto o Governo gasta tempo e recursos com os “mensalões”, milhões de pessoas aguardam a realização da prometida reforma agrária no nosso País.

Os sucessivos protestos, as seguidas invasões, o crescimento dos acampamentos às margens das rodovias, o número de conflitos e de vítimas da violência no campo refletem apenas em parte as precárias condições em que se arrasta a reforma agrária no Brasil.

A criação do Ministério da Reforma Agrária e do Incra terminou representando mero paliativo num país que não pretende realizar essa transformação agrária e num Estado que, tendo adotado o regime capitalista e consagrado a economia de mercado como os únicos alicerces da ideologia dominante, está impedido pelo contexto econômico de adotar as medidas necessárias, inadiáveis e cabíveis para solver esse grave e desafiador problema.

Desapropriar lotes em terras improdutivas e sem acesso aos mercados, segregar neles famílias sem condições de subsistência e abandoná-las à própria sorte, sem escolas, sem crédito, sem assistência técnica e sem condições mínimas de saúde equivale a uma inapelável sentença de morte lenta e a uma agonia sem fim.

Não acredito que o atual Governo, tal como os que o antecederam, seja capaz de cumprir as promessas e resgatar os compromissos, que não têm sido, até aqui, mais do que passos suasórios, com os quais se tenta embair a boa-fé de milhares de brasileiros condenados a errarem de uma rodovia para outra, na esperança de que um dia possam ter acesso a uma propriedade e a uma profissão que lhes permita sobreviver. A razão é simples: o Estado burguês que temos não tem, efetivamente, a missão de realizar as reformas reclamadas pelo País e menos ainda a mais crucial de todas, a reforma agrária.

Na década de 60, esse desígnio já estava claro, quando os próprios corifeus das reformas de base preconizavam realizá-las “na marra”, já que não conseguiam fazê-las “no grito”. Passadas quatro décadas, os problemas persistem, apesar de uma ou outra bem sucedida medida plantada aqui e ali, aleatoriamente, para servir de exemplo, edificação e contemplação dos que querem manter distância desse problema que clama, reclama e não encontra solução.

Alguns poucos dados da realidade brasileira contemporânea comprovam essa conclusão inevitavelmente pessimista. Nos trinta anos que vão de 1964 a 1994, foram assentadas 218.033 famílias. Nos seis anos seguintes, que medeiam entre 1995 e 2001, esse número subiu para 588.173, um aumento de mais de 100%, como se vê. O número de trabalhadores rurais assassinados, que, entre 1989 e 1990, foi de 1.080, baixou, sucessivamente, para 287, entre 1990 e 1994, e diminuiu para 225 entre 1995 e 2001. Podem parecer dados auspiciosos, ou pelo menos animadores. Entretanto, o número de acampamentos às margens das rodovias cresceu, entre 1990 a 2001, de 119 para 585, um aumento, portanto, de 490%. O pior, contudo, diz respeito ao número de famílias acampadas: passou de12.805 para 75.730, aumento, portanto, de 591%. Em dezembro do ano seguinte, essa quantidade tinha baixado para 60 mil famílias. Em menos de um ano, porém, o jornal Folha de S.Paulo, na edição de 22 de setembro de 2003, mostrou que, em apenas dois meses, o número de acampados tinha crescido 33% e naquela data atingiu 200 mil famílias, 800 mil pessoas.

Esses dados, divulgados pelo Incra, apresentam discriminação desses números por Estados, sendo que em alguns deles, como São Paulo, Minas e Pará, os números eram estimados. É um panorama que reflete a falência da instituição, que, com toda razão, pode ser considerada o “Instituto Nacional Contra a Reforma Agrária”. Após afirmar isso, na semana passada, desta tribuna, um dos jornais quase oficiais do meu Estado, mantido com verbas publicitárias do Governo, tentou-me jogar contra os servidores do Incra. Perda de tempo. Sou funcionário público federal, como os colegas do Incra, e sei do que somos capazes se nos fosse permitido agir em consonância com as finalidades dos nossos órgãos e instituições. Não são os servidores que atuam contra a reforma agrária. É o próprio Governo que não quer de fato promovê-la. No entanto, em face de quadro tão real quanto cruel, era de se esperar que o atual Governo, cumprindo seus compromissos históricos, conquistasse avanços decisivos nessa área. Mas, como escreveu o ex-Assessor de Imprensa do Presidente, “há pessoas que no poder não se assumem, se revelam”.

A mesma reportagem chamava a atenção para o fato de que mais de 13% dessas famílias, 25 mil, eram constituídas de indocumentados, portanto impedidos de ingressar no programa oficial de reforma agrária. A matéria foi complementada com uma dura avaliação de uma das referências do País nessa matéria, o sociólogo Zander Navarro, professor do programa de pós-graduçao em desenvolvimento rural na Universidade do Rio Grande do Sul - terra do meu querido amigo Senador Paulo Paim -, então em vias de assumir a função de professor e pesquisador do Instituto de Estudo de Desenvolvimento na Universidade de Sussex, na Inglaterra. Segundo ele, as ações do Governo eram “escandalosamente levianas” nessa área.

Se o ano de 2003 foi dramático para os sem-terra, o de 2004 não foi muito melhor. Nos três primeiros meses, tinham sido assentadas 6.900 famílias, das 115 mil prometidas. Dos R$492 milhões disponíveis para o programa de assentamentos para trabalhadores rurais, só R$4,2 milhões, exatos 0,86%, tinham sido liberados, Senador Osmar Dias. O Governo destinou, no orçamento do ano passado, para assentamento, R$1 bilhão, mas para assentar os cadastrados seriam necessários R$4,6 bilhões. Isso explica como e por que, à medida que os anos passam, o problema se agiganta, cresce, avassala o País e não encontra solução.

Em novembro do ano passado, mais alguns dados se juntaram à constatação da ineficiência dos programas mantidos pelos sucessivos governos, capazes apenas de mascarar, mas nunca de resolver os desafios que se acumulam há quatro séculos. O mesmo jornal editou, em 8 de novembro do ano passado, matéria assinada pelo diretor de sua sucursal em Brasília, o jornalista Josias de Souza, que resgatou, no Tribunal de Contas da União, um documento denominado “Relatório de Pesquisa”, elaborado por um grupo de estudos agrários, inaugurado no então Ministério do Desenvolvimento Agrário, em que o Tribunal baseou quatro auditorias que apontam para o esgotamento do atual modelo de reforma agrária.

“Os processos - diz o texto - mostram o quadro em que as auditorias flagraram uma atmosfera de penúria. Brindados com terras de má qualidade, os assentados são abandonados à própria sorte, sem fiscalização e assistência técnica. Há assentamentos - completa o texto - que não recebem uma visita do Incra há quatro anos”.

Esse quadro é agravado pela circunstância de que, segundo dados do Sistema Integrado de Administração Financeira, o famigerado SIAFI, o Governo Federal gastou, entre 1995 e 2002, cerca de R$1.440 bilhão por ano para adquirir terras e financiar o assentamento de trabalhadores rurais. Entre 2003 e 2004, essa média caiu para R$1,2 bilhão. Os valores históricos foram corrigidos pelo IPCA para permitir a comparação dos últimos 10 anos. A fase de maior investimento ocorreu em 1997 e 1998, quando os valores aplicados chegaram a R$2 bilhões.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, falar em desenvolvimento, em crescimento, em investimentos na área social e no abrandamento das terríveis disparidades econômicas e sociais de um dos países mais injustos do mundo deixou de ser uma promessa para se transformar numa balela. E a mais grotesca e dramática delas é o ambiente em que vive o País, embaido, enganado, iludido de que o esforço para dar dignidade à vida no campo e realizar a reforma agrária um dia ainda poderá ter êxito para as atuais e algumas das futuras gerações, estioladas umas pelo desencanto e outras pelo desespero.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/06/2005 - Página 18201