Discurso durante a 77ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise da reforma política e da proposta de uma agenda positiva para o Brasil. Necessidade de se apurar a corrupção no país. (como Líder)

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. REFORMA POLITICA.:
  • Análise da reforma política e da proposta de uma agenda positiva para o Brasil. Necessidade de se apurar a corrupção no país. (como Líder)
Aparteantes
Arthur Virgílio, Flávio Arns.
Publicação
Publicação no DSF de 08/06/2005 - Página 18247
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. REFORMA POLITICA.
Indexação
  • REITERAÇÃO, CRITICA, IGUALDADE, DIRETRIZ, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), EXERCICIO, OPOSIÇÃO, GOVERNO.
  • CRITICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, RESPONSABILIDADE, OMISSÃO, IMPUNIDADE, CORRUPÇÃO, ENTREGA, CARGO PUBLICO, CRIMINOSO, CRIME DO COLARINHO BRANCO.
  • REGISTRO, EXISTENCIA, EFICACIA, LEGISLAÇÃO, COMBATE, CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, RESPONSABILIDADE, GOVERNO, FALTA, APLICAÇÃO, PROTESTO, ALEGAÇÕES, NECESSIDADE, REFORMA POLITICA.
  • CONTESTAÇÃO, DEBATE, FIDELIDADE PARTIDARIA, DESRESPEITO, PROGRAMA PARTIDARIO, OBRIGATORIEDADE, COLIGAÇÃO, AMBITO NACIONAL.
  • DEFESA, REFORMA POLITICA, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, SOCIEDADE, CONTROLE, MANDATO ELETIVO.
  • APOIO, PAUTA, PROJETO, INTERESSE NACIONAL, REITERAÇÃO, AUSENCIA, SIMULTANEIDADE, TRABALHO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), COMBATE, CORRUPÇÃO.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, IMPEDIMENTO, INSTALAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI).

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Sei que não foi V. Exª, Senador Tião Viana, que tem sido, em muitos momentos, de forma importante, rigoroso na aplicação do Regimento.

            Já disse aqui em outra oportunidade que - sei que já estamos exaustos; os servidores, de uma forma muito especial, porque os Senadores não têm o direito de fazê-lo - todas as vezes em que houver polêmica entre o PSDB e o PT farei uso da palavra.

A relação do PT e do PSDB é um misto de paixão desenfreada e amor platônico. É impressionante como o PSDB do presente tenta ser o PT do passado e como o PT do presente tenta ser, a todo custo, o PSDB do passado. É absolutamente impressionante como se confundem! Talvez só estudiosos da complexa subjetividade humana sejam capazes de estudar essas relações sem entrar no campo da demagogia eleitoralista das duas partes.

Sinto-me na obrigação de falar por alguns motivos.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - V. Exª me permite um aparte, Senadora?

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Agora não.

Além de trotskista, sou cristã, e como Judas entrou no debate, disseram que foi Cristo quem escolheu Judas, é extremamente importante que deixemos claros alguns pontos.

Cristo poderia até imaginar que Judas se transformaria em um ladrão - pela sabedoria que, como filho de Deus, possuía.

Entretanto, quando Cristo escolheu Judas, este não era um ladrão; ao contrário, era um homem de bem. E foi por isso que Cristo a Judas delegou a tarefa de pegar as esmolas e de distribuí-las para os pobres. Portanto, Cristo, quando chamou Judas para desempenhar uma tarefa, sabia que ele, naquele momento, não era ladrão, ma sim era um homem de bem. Isso é o contrário do que se faz hoje, porque, infelizmente, o Presidente Lula, ao entregar o Estado brasileiro e o aparelho do Estado a conhecidos e ilustres delinqüentes de luxo do País, sabe exatamente o que está acontecendo.

O mais grave na posição do Presidente é que ele age como Pilatos. Para mim, como cristã, Pilatos conseguiu ser pior que Judas. Judas traiu e recebeu pela traição um saco de dinheiro, mas, depois, ficou tão revoltado quando viu o que faziam a Jesus que foi ao templo e jogou o dinheiro fora, aos pés daqueles que lá estavam. Mais que jogar o dinheiro fora, ainda pagou com a loucura e com a escravidão. Já Pilatos lavou as mãos para se preservar no poder, para ser poder, para não perder o cargo, para não ser destituído do cargo. Por isso, ele preferiu a condenação do inocente e se vendeu para permanecer no poder. Ele vendeu a consciência pelo poder. É um fato, sem dúvida, muito mais grave.

Uma outra coisa que o Líder do Governo disse foi que, para acabar com esse balcão de negócios sujos e com essas denúncias, seria preciso fazer a reforma política. Em primeiro lugar, é importante deixar claro para a opinião pública que já há punição para tudo o que está acontecendo, seja nos Correios, seja no Congresso, seja na Infraero ou em qualquer outro setor do Governo em que, quando se aperta, a secreção purulenta sai.

Não é preciso inventar lei para punir esse tipo de saque aos cofres públicos! Não é preciso isso! Já existe lei para coibir crimes contra a Administração Pública, tráfico de influência, intermediação de interesse privado, exploração de prestígio ou qualquer nome que seja dado pela legislação em vigor no País para condenar o “propinódromo” da política brasileira. O problema não é falta de lei. O problema é que, infelizmente, em vez de copiar os velhos humanistas espanhóis que diziam que a mesma lei, ao ser aplicada, tem de ser flexível para o fraco, firme para o forte e implacável para o contumaz, aqui se pratica o contrário: a lei se torna flexível para o grande, para o poderoso e para o contumaz. Então, não se trata de problema de lei.

Convenhamos que o debate da reforma política no Brasil é uma farsa, é uma fraude! A única coisa que se está debatendo nesse sentido é a viabilização, por um lado, da mentira da fidelidade partidária, que de fidelidade partidária nada tem. Não tem nada a ver com fidelidade partidária. Fidelidade partidária por honestidade intelectual deveria ser fidelidade ao programa do partido e não às conveniências do chicote do Líder ou das cúpulas partidárias que mudam de posição conforme suas conveniências. Fidelidade partidária para quê? Para o líder conseguir negociar, traficar influência, ser parte do balcão de negócios, apresentando aos governos de plantão quantos votos ele tem para instalar CPI, para instalar a Mesa ou para eleger isso ou aquilo? Nada a ver. É um debate mentiroso, falso! Fidelidade partidária é fidelidade programática e não fidelidade às conveniências da conjuntura de plantão.

A outra coisa é a verticalização. O único esforço feito em relação à reforma política é para viabilizar o acordo entre PT e PMDB, porque o PT, até então, era favorável à verticalização por imaginar que o coeficiente de “trairagem” no PMDB poderia ser muito alto e que, sem a verticalização, não haveria a obrigatoriedade de, nos Estados, apoiar o Presidente Lula. Agora, já voltou atrás, porque há problemas inconciliáveis entre o PT e o PMDB em alguns Estados.

Portanto, acabemos com essa mentira, esse moralismo farisaico! A reforma política até seria necessária, porque é importante, já que trata do fim da irrevogabilidade dos mandatos, da participação da sociedade, do controle social, da diminuição do número de assinaturas para apresentação de projetos, da permeabilidade do Congresso Nacional diante da sociedade. Isso é o que deveria ser feito. Mas o debate, da forma como está sendo feito, é de puro moralismo farisaico, é uma farsa.

Aqui também foi mencionada a agenda positiva para o Brasil. Em nome do P-SOL, devo dizer que somos favoráveis a qualquer projeto que seja apresentado. O Senador Geraldo Mesquita, a Deputada Luciana, o Deputado Babá e eu temos vários projetos apresentados. Apoiamos muitos outros projetos de alteração da legislação em vigor no País que sejam importantes para a dinamização econômica, para a geração de emprego e renda, para políticas públicas, para políticas sociais. Tudo isso nós apoiamos. E isso nenhuma CPI impede que seja feito. Mas, se alguém faz parte de algum pacto, de alguma manobra, por mais inteligente que seja, de alguma tática diversionista de falar para a opinião pública sobre uma agenda positiva para o Brasil mentirosa, usada para obscurecer as denúncias de corrupção e para impedir o aprofundamento das investigações, devo dizer que não somos parte de nenhuma manobra diversionista e de nenhuma tática fraudulenta que seja estabelecida em nome de agenda positiva para o Brasil, de uma mentira! Aliás, agenda positiva para o Brasil diz respeito ao combate aos saques aos cofres públicos, diz respeito à investigação de indícios de crimes contra a Administração Pública. Isso também é agenda positiva para o Brasil.

Portanto, não queiram obscurecer! O P-SOL não faz parte de nenhuma manobra fraudulenta, de nenhuma tática diversionista para ludibriar a opinião pública dizendo que existe uma agenda positiva para o Brasil. Agenda positiva para o Brasil é colocar delinqüentes de luxo na cadeia e continuar o trabalho do Senado, que nada tem a ver com Comissão Parlamentar de Inquérito e com nenhuma outra Comissão.

Como sei que eles repetem, tal qual aprendizes de Goebbels, e que mentira repetida muitas vezes vira verdade, temos de dizer exatamente o que acontece aqui. Quando o Plenário está funcionando para votar projeto de lei, para fazer qualquer outra coisa, nenhuma Comissão pode se reunir ao mesmo tempo. Mas isso é uma mentira! Várias pessoas mandam e-mails nos perguntando se não vai atrapalhar o funcionamento do Congresso, se não vai atrapalhar o funcionamento do País. São manobras fraudulentas e táticas diversionistas para fazer o jogo sórdido e sujo daqueles que não querem que as investigações sejam feitas.

Ouço o aparte de V. Exª, Senador Arthur Virgílio.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Senadora Heloísa Helena, estou completamente de acordo com a visão que V. Exª tem de, em primeiro lugar, apurar a corrupção para, em seguida, dar qualquer outro passo. E também estou de acordo com o fato de podermos, tranqüilamente, fazer as duas coisas: tocar a vida normal do Senado e, ao mesmo tempo, fazer o trabalho de apuração das denúncias de corrupção, que é obrigação dos Srs. Senadores e dos Srs. Deputados. Só quero estabelecer diferenças que julgo serem substanciais. O PSDB é um Partido tolerante; o PT, não. O PSDB governou por oito anos e legou uma democracia muito mais consolidada do que jamais se viu na História brasileira. O Presidente Fernando Henrique conviveu com 32 Comissões Parlamentares de Inquérito. Ao final de oito anos, no último ano, enfrentou 19 CPIs, diferentemente do PT que negou o princípio da CPI e que obrigou a Minoria a ir ao Supremo Tribunal Federal. Foi um Governo perfeito? Não. Em primeiro lugar, é preciso termos a experiência de governar para saber que é difícil um governo perfeito, convivendo com erros e com equívocos. Mas, de qualquer maneira, houve acertos e merecimento de muita lealdade por parte dos companheiros do Presidente Fernando Henrique, que foi autoridade sem ser autoritário. Por exemplo, Fernando Henrique era tão impessoal que demitiu o Ministro Clóvis Carvalho, porque o Ministro discrepou - e isso foi considerado negativo para o Governo -, de maneira julgada inadequada pelo Presidente, fundamentalmente da política econômica do Ministro Malan, da qual V. Exª sempre divergiu, com coerência. E ele era Chefe da Casa Civil. Tão impessoal o Presidente, que, se ele tivesse rabo preso, não poderia fazer isso. Era tão impessoal, que disse: “Clóvis, está demais. Continuamos amigos, mas não aqui”! Clóvis Carvalho hoje trabalha com José Serra e é amigo do Presidente Fernando Henrique até hoje. Essa impessoalidade, o Presidente Lula não está sabendo observar. Houve o caso do Mendonça de Barros e tantos outros que mostraram a impessoalidade do ex-Presidente. E outra coisa: a coerência. Diferentemente do PT - e V. Exª sofreu tanto com a perseguição do Partido -, votamos aqui parecido com o que votávamos antes. Temos um comportamento parecido com o que tínhamos antes. Eles mudaram muito, mudaram de maneira artificial, mudaram de maneira insincera. E, depois, a discordância fundamental em relação à paixão: o PSDB não é apaixonado pelo PT; é apaixonado pelo P-SOL e, especialmente, por V. Exª.

O Sr. Flávio Arns (Bloco/PT - PR) - V. Exª me permite um aparte?

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Antes de responder ao Senador Arthur Virgílio, concedo um aparte ao Senador Flávio Arns.

O Sr. Flávio Arns (Bloco/PT - PR) - Eu diria para V. Exª que até poderíamos fazer comparações do PSDB com o PT, Governo passado e Governo atual. Por exemplo, o Brasil hoje tem R$1 trilhão na dívida pública e tem um Orçamento de R$1,6 trilhão. Tivemos a oportunidade ímpar de liquidar as dívidas públicas externa e interna com a privatização do nosso patrimônio público, R$300 bilhões, que seriam suficientes para acabar com a dívida e, ao mesmo tempo, fazer toda a infra-estrutura de que o Brasil precisa. Não fizemos, e o Brasil hoje está mais pobre, os direitos humanos não são respeitados, não há cidadania. Mas isso aconteceu. Acho que devemos tocar para frente. Não devemos fazer essa comparação com o Governo passado, porque o Brasil precisa de mais do que isso. Só quero dizer a V. Exª que gostei muito do seu pronunciamento, particularmente de uma comparação bastante interessante e atual, em termos de Pilatos e Judas, uma análise muito clara da reforma política, no sentido da ideologia dos partidos políticos, e da necessidade de uma agenda positiva para o País, mas que não deve ser confundida absolutamente com o acobertamento de quaisquer fatos que devam ser esclarecidos para a sociedade. Quero parabenizá-la e dizer que foi um grande pronunciamento feito por uma grande cidadã.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Agradeço a V. Exª, Senador Flávio Arns.

Digo sempre que talvez a coisa que mais tranqüilidade na alma me daria seria se eu tivesse sido Líder do PT no Senado e Líder da Oposição ao Governo Fernando Henrique por demagogia eleitoralista, por vigarice política. A minha dor maior é porque eu aqui estive pela mais absoluta certeza de que é possível fazer um programa alternativo de esquerda para o Brasil, que é possível fazer uma inserção na globalização capitalista não de forma subserviente ao capital financeiro e aos interesses comerciais das grandes nações, fora os referenciais éticos com os quais nos comprometemos ao longo da história.

Em relação à privatização, nada mais doloroso do que tantas vezes aqui termos apresentado à opinião pública indícios de crimes contra a Administração Pública patrocinados pelo Governo Fernando Henrique no processo de privatização, e o Governo Lula não ter feito absolutamente nada. Nada! Pelo contrário, ter tentado junto à Câmara impedir que houvesse quórum nas reuniões para a criação da CPI das Privatizações, achando assim que negociaria com o PSDB aqui na Casa o caso Waldomiro.

O que é extremamente grave é que, muitas vezes, a nossa angústia é ver as críticas feitas pelo PSDB e pelo PFL em relação ao Governo por uma coisa: eles ficam disputando o direito autoral da obra, porque o que o Governo está a fazer é tudo o que condenou ao longo da história.

A dor é maior quando é feita pelo PT e pelo Governo Lula, porque quando é a direita que está sendo corrupta, quando é a direita que não tem compromisso com o interesse público, é muito mais fácil nós criticarmos. Contudo, é sempre muito doloroso, quebra muito mais a esperança, quando envolve o Governo Lula, porque foram oito anos enfrentando o Governo Fernando Henrique, oito anos disputando no imaginário popular alternativas ao pensamento único e referenciais éticos diferenciados. E, quando tocaram os tapetes supostamente sagrados do Palácio do Planalto, não apenas traíram as concepções programáticas da esquerda socialista, não apenas traíram as conquistas históricas da classe trabalhadora, mas simplesmente mudaram de lado, com tanto cinismo e tanta dissimulação que é absolutamente impressionante como isso acabou sendo feito; além da prevaricação em relação a tantas denúncias que fazíamos contra o Governo passado.

Com relação à paixão do Senador Arthur Virgílio, darei resposta ao lado da Go. Em respeito a sua linda e maravilhosa esposa, eu não vou dar a resposta da tribuna, mas é evidente que talvez abale um pouco a estrutura física do Senador se eu o pegar antes da minha saída do plenário.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/06/2005 - Página 18247