Discurso durante a 79ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da reforma política. (como Líder)

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA POLITICA.:
  • Defesa da reforma política. (como Líder)
Aparteantes
Sibá Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 10/06/2005 - Página 19298
Assunto
Outros > REFORMA POLITICA.
Indexação
  • IMPORTANCIA, DEBATE, REFORMA POLITICA, ANALISE, PERIODO, REDEMOCRATIZAÇÃO, PERDA, REPUTAÇÃO, CLASSE POLITICA, ESPECIFICAÇÃO, LEGISLATIVO, FALTA, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, NEGOCIAÇÃO, EXECUTIVO.
  • DEFESA, REFORMA POLITICA, MELHORIA, RELACIONAMENTO, PODERES CONSTITUCIONAIS, OBRIGATORIEDADE, FIDELIDADE PARTIDARIA.
  • SUGESTÃO, ALTERAÇÃO, REGIMENTO INTERNO, SENADO, CAMARA DOS DEPUTADOS, FIXAÇÃO, NUMERO, BANCADA, POSTERIORIDADE, ELEIÇÕES, AUSENCIA, PERIODO, LEGISLATURA.
  • DEBATE, COLIGAÇÃO, REFORÇO, PARTIDO POLITICO, ALTERAÇÃO, SISTEMA, VOTAÇÃO, FINANCIAMENTO, SETOR PUBLICO, CAMPANHA ELEITORAL, COMBATE, ABUSO, PODER ECONOMICO.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, aqui já tivemos a oportunidade de ouvir alguns pronunciamentos abordando o tema da reforma política. Somando-me àqueles que se preocupam com esse assunto tão relevante para as mudanças de que precisamos no Brasil, faço um discurso da mesma natureza e com este mesmo objetivo: reforma política.

As propostas de alteração das regras que regem o nosso sistema político, a chamada reforma política, advém de um paradoxo. De um lado, Sr. Presidente, temos todo um processo de redemocratização do Brasil, com a feitura da Constituição, a liberdade de ação política e a maior participação popular na gestão do Estado, além das eleições livres e abertura partidária. Por outro lado, desde a redemocratização do País, temos a deterioração progressiva da imagem da classe política brasileira, particularmente a dos membros do Poder Legislativo junto ao eleitorado.

O Legislativo sempre é acusado de ser moroso, o que retarda as decisões relevantes para a vida do Brasil; de ser subserviente às vontades do Executivo; de espaço onde os interesses particulares dos próprios Parlamentares, pessoais ou locais, sobrepõem-se aos interesses maiores da coletividade. A atual crise política do “mensalão”, da mesada concedida aos Deputados, conforme foi denunciado, apenas confirma esse fato. Implícita nas avaliações, encontra-se a comparação com o Executivo, supostamente um gerador ágil de decisões informadas por racionalidades exclusivamente técnicas.

Essa visão é impregnada no senso comum do eleitor, disseminada também pela mídia, partilhada em alguma medida pelo Poder Executivo, que responsabiliza correntemente o Congresso pela ausência de decisões necessárias ao País, quando não por decisões equivocadas. O próprio Executivo é o mentor do atraso do Congresso Nacional por intermédio de medidas provisórias. Portanto, na sua forma mais comum, supõe-se que o Legislativo utiliza os poderes de que dispõe para operar uma espécie de chantagem junto ao Executivo: o apoio indispensável é concedido mediante um processo de barganha no qual o acesso a recursos da União e a cargos da máquina administrativa entra como moeda de troca, em favor de regiões, entidades da Federação ou mesmo de parlamentares individuais.

A crítica, nesse caso, subestima o fato de a barganha ser, em algum grau, inerente a todo o processo decisório que depende de apoio de atores diferentes para se concretizar, inexistindo apenas no caso de poder absoluto, monopolizado por uma única instancia. É, portanto, inerente à democracia e nos regimes reconhecidamente democráticos o uso de tal instrumento. O problema, Sr. Presidente, reside, então, nas condições que separam um processo de barganha legítimo daqueles carentes de legitimidade. A transparência do processo, inclusive com abertura ao exame público da questão, e a exclusão de qualquer favorecimento pessoal são os limites da negociação, pois de maneira geral, em tais situações, a negociação seria um processo de formação do consenso, o que geraria uma coalizão partidária.

É aqui, Sr. Presidente, que entra a reforma política: um dos objetivos centrais da reforma que defendemos é a criação de condições para um relacionamento produtivo e eficaz entre os Poderes da República, especialmente entre o Legislativo e o Executivo. De modo que o Governo possa, de fato, governar. É para isso que se elege um Presidente: para governar. E que o Parlamento possa, de fato, legislar. É para isso que somos eleitos: para legislar e fiscalizar. A reforma tem de se preocupar com o resgate da imagem dos representantes do povo e com a fidelidade à vontade do eleitor.

É bom lembrar que o Senado Federal concluiu as votações da reforma político-partidária há mais ou menos três anos. As circunstâncias desde então criaram uma série de dificuldades para o seu trâmite na Câmara dos Deputados.

O ponto central da proposta, Sr. Presidente, no meu entender, diz respeito à fidelidade partidária. Hoje temos um quadro absolutamente insustentável, para que não se diga vergonhoso. Há uma névoa de suspeita na sociedade de que mandatos e partidos são instrumentos de negócios escusos. A sociedade elege a sua representação parlamentar com uma determinada configuração e, antes mesmo de os representantes serem empossados, logo depois da eleição, logo depois de diplomados, essa representação já é desfigurada pelas trocas de partido. Isso significa que, mesmo que queiram, os partidos e os seus ideais não servem de parâmetro eleitoral no Brasil. Há aí um empobrecimento gritante da representação parlamentar.

Uma das causas para as trocas partidárias é a regra com que é feita a divisão do poder nas duas Casas legislativas. Como se sabe, no Parlamento, desde a indicação de relatores para projetos, os cargos da Mesa Diretora e Presidências nas Comissões Temáticas, tudo é distribuído proporcionalmente ao tamanho das bancadas. Os atuais regimentos das duas Casas são defasados, prolixos e imprecisos. Pecam por não fixar critérios definidos para dividir o poder dentro do Congresso. Esse parâmetro básico precisa ser estabelecido pelos Presidentes das Casas a cada dois anos. Por isso, infelizmente, os períodos imediatamente anteriores às legislaturas tornam-se palco de um lastimável troca-troca de partidos, causando na sociedade a justa indignação de que existem partidos e até parlamentares de aluguel.

A solução não precisa esperar pela reforma política, que contém outras medidas reforçando a fidelidade partidária. Desde já, podemos realizar mudanças nos Regimentos Internos da Câmara e do Senado, estabelecendo as Bancadas eleitas como base para a divisão do poder por todo o período de quatro anos entre as eleições nacionais. Com a alteração do Regimento, mesmo que os Parlamentares troquem de Partido posteriormente, isso não influenciará a partilha dos direitos dos Partidos dentro do Congresso. O que eu quero dizer é que um Partido que nasce na legislatura com vinte Parlamentares, se dez deles mudarem de legenda, as regras têm que ser garantidas a esse Partido, independentemente de ter perdido os dez parlamentares.

Tomo conhecimento de que o Presidente Renan Calheiros trabalha com essa hipótese e já constituiu uma Comissão para tratar do assunto, cujo Presidente é o Senador Tião Viana.

Creio que uma medida que precisa ser bem analisada é a verticalização das eleições. Não tenho, ainda, posicionamento definitivo sobre o mérito da questão, mesmo porque a verticalização foi instituída na eleição de 2002, a partir de uma interpretação do Tribunal Superior Eleitoral, durante o jogo eleitoral, ou seja, não foi fruto de um consenso parlamentar, em que se poderia até ouvir a sociedade civil. Todavia, é inegável que ela contém princípios louváveis. Sua principal ambição é a de conduzir os Partidos políticos a um nível máximo de coerência. Pois os obriga a firmarem alianças iguais em todas as instâncias federativas. O Partido faz aliança em nível nacional, estadual e municipal. É aí onde está a coerência das alianças e o fortalecimento dos Partidos.

Ocorre que há aí algo que alguns cientistas políticos chamam de “custo transacional”. A norma jurídica formal é descasada da realidade, isto é das regras informais, do caldo de cultura que geram as normas de comportamento aceitas pela sociedade. Também a doutrina, por mais legítima e consciente, deve guardar uma estreita relação com a realidade. Aliás, no Brasil, arranjo político começa no plano local e, a partir daí, se nacionaliza. É um dos poucos traços da federação que ainda podemos verificar, a nacionalização dos problemas locais. A verticalização, portanto, caminha na contramão da cultura nacional e da própria federação e impõe sacrifícios às peculiaridades regionais da nossa sociedade.

Ademais, acho que devemos planejar algumas outras reformas para serem postas em prática nas eleições de 2008. Falarei rapidamente sobre elas.

Em primeiro lugar, penso que devemos lançar mão de um sistema misto de votação.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Daqui a pouco, com muito prazer, Senador Sibá Machado.

Atualmente, a eleição proporcional é feita de forma nominal. Considero essa regra absolutamente democrática. Mas temos que considerar, Sr. Presidente, que o voto proporcional no Brasil é causa também da infidelidade partidária e da dissensão, da divisão, das brigas internas, porque o adversário do Partido não está no outro Partido, mas dentro dele. O Deputado Federal quer se eleger e quer passar a perna no seu companheiro de Partido.

É o defeito do voto proporcional que, se não me engano, só existe hoje na Nova Zelândia e no Brasil.

Mas acho que a votação proporcional não estimula o fortalecimento dos Partidos políticos, na medida em que reforça o voto no candidato, sem levar em conta a sua militância partidária. A outra modalidade é das listas partidárias que, dependendo do modelo adotado, pode variar.

Particularmente, Sr. Presidente, não sou favorável à lista fechada de candidatos, como aliás ocorrem em alguns países em que as listas são fechadas e bloqueadas, como é o caso de Portugal, Espanha, Noruega e Israel. Sou favorável a um sistema misto de votação em que prevaleçam duas listas: a lista aprovada pelo Partido, entre os melhores do Partido, daqueles homens que são imprescindíveis ao funcionamento do Partido. Aí, sim, será uma lista fechada pela qual 50% dos Parlamentares serão eleitos; os outros 50% seriam eleitos pelo voto nominal, da preferência do eleitor, que tenha simpatia pelo trabalho e serviço prestados para atrair a vontade do eleitor e acompanhá-lo na eleição.

Sr. Presidente, acho que o financiamento público de campanha é outro assunto que não podemos deixar de lado. O que existe hoje é um financiamento privado, mas que, na prática, se torna público, por causa da corrupção, das negociatas, da fraude, do uso do poder, da arrecadação de recursos privados que, na realidade, são públicos para financiamento de campanhas políticas.

O financiamento público de campanha acabaria, sem dúvida alguma, com essa hipocrisia de um Partido prestar contas perante o Tribunal Eleitoral e, quando se vai verificar, na realidade, não gastou um milhão, mas dez milhões, trinta milhões.

No Brasil, as campanhas eleitorais são as mais caras, mais caras até do que nos Estados Unidos. Pesquisa realizada pelo cientista político norte-americano David Samuels analisou, em 2002, as informações que os tribunais eleitorais acumularam sobre os gastos declarados pelos candidatos às eleições de 1994 e 1998.

A Srª Ana Júlia Carepa (Bloco/PT - PA) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Daqui a pouco, com muito prazer.

Ele chegou a conclusão de que as nossas eleições gerais em 1994, cujo gasto total declarado foi de US$3,5 bilhões, teria custado, na verdade, entre US$7 bilhões e US$35 bilhões.

Por isso, Sr. Presidente, devemos acabar com essa desfaçatez e com essa hipocrisia e adotar o financiamento público de campanha, porque também estaremos colocando em pé de igualdade todos os Partidos, todos os candidatos, estabelecendo, assim, a concorrência leal em uma eleição.

Essa disparidade não pode continuar, porque é isso que vem prejudicando a democracia e também incentivando o financiamento privado por debaixo dos panos, tirando o dinheiro do povo brasileiro, do trabalhador que precisa de emprego e que não o encontra justamente porque muito dinheiro se esvai pelo ralo da corrupção.

Concedo um aparte, em primeiro lugar, ao nobre Senador Sibá Machado e, em seguida, ao Senador Paulo Paim e à Senadora Ana Júlia Carepa.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senador, parabenizo V. Exª pela lucidez que demonstra sobre o assunto, que é empolgante. Também não posso, de jeito nenhum, deixar de emitir a minha opinião sobre alguns pontos abordados por V. Exª, como o caso da fidelidade partidária, que foi motivo de um aparte meu ao Senador Magno Malta. Acho que essa matéria é prioridade zero. Temos que aproveitar o ensejo do combate à corrupção, para dizer que não apenas esta Casa, mas o Congresso Nacional fará algumas mudanças. A fidelidade tem dois sentidos: um individual, do parlamentar perante o seu Partido; a outra, do Partido perante a sua aliança política. Teríamos duas alianças imprescindíveis. Tenho dúvida se o financiamento público de campanha está ou não, obrigatoriamente, vinculado à votação em lista. Acho, até o presente momento, que é obrigatório. Se nós não priorizarmos também o tipo das campanhas, a história vai-se repetir. Teremos um caixa oficial, com um valor determinado para cada Partido, e obrigatoriamente os candidatos correrão atrás de outras fontes. É preciso nivelar, também, o perfil da campanha. Qual é o prejuízo da votação em lista? Na hora em que formos transportar para dentro do Partido político, o medo da sociedade será o de perder a representatividade. O Partido pode fazer o chamado “caciquismo” e somente algumas pessoas....

(Interrupção do som)

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Quero chamar a atenção porque teremos, agora, fidelidade ao Regimento. Vou conceder mais um minuto ao orador para encerrar e concederei a palavra aos oradores subseqüentes.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Só me resta, então, agradecer o aparte e deixar a oportunidade para os demais. Obrigado, Senador. Depois, voltamos ao assunto.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Sr. Presidente, somente para não decepcionar os colegas, a quem eu já havia concedido um aparte, que se dê um minuto a cada um, e eu ficaria muito agradecido a V. Exª. Com isso, eu encerraria o meu discurso.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Com todo o respeito ao seu saber jurídico, fico com Montesquieu e o espírito da lei: todos estão inscritos e usarão da palavra.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Sr. Presidente, encerro as minhas palavras. Não vou usar o minuto que V. Exª me concede, porque esse tempo será insuficiente para eu terminar o meu discurso.

Peço, pois, a V. Exª que considere como lido o restante do meu discurso, que trata ainda de outros assuntos, como a cláusula de barreira, as chamadas cláusulas de desempenho, a federação de partidos políticos, o recall, que é o impeachment de governantes por meio de voto popular, como aconteceu recentemente nos Estados Unidos, e outros assuntos interessantes...

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - V. Exª será atendido de acordo com o Regimento. V. Exª tem os meus aplausos e a minha solicitação para que encerre o pronunciamento.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Para aqueles ouvintes que estiverem interessados em acompanhar toda essa discussão, basta abrir o site do Senado que encontrará lá este discurso na íntegra, graças ao pedido que fiz a V. Exª.

Obrigado.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR ANTONIO CARLOS VALADARES.

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/06/2005 - Página 19298