Discurso durante a 82ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da aprovação do Projeto de Lei do Senado 8, de 2005, de autoria de S.Exa., que modifica o Código de Defesa do Consumidor no que se refere à inclusão de dívidas sub judice em cadastros de consumo.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.:
  • Defesa da aprovação do Projeto de Lei do Senado 8, de 2005, de autoria de S.Exa., que modifica o Código de Defesa do Consumidor no que se refere à inclusão de dívidas sub judice em cadastros de consumo.
Publicação
Publicação no DSF de 15/06/2005 - Página 19723
Assunto
Outros > CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, APERFEIÇOAMENTO, CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, REGULAMENTAÇÃO, INCLUSÃO, REGISTRO, DEVEDOR, BANCO DE DADOS, SERVIÇO DE PROTEÇÃO AO CREDITO, ANTERIORIDADE, GARANTIA, DIREITO DE DEFESA, CONSUMIDOR, EXCLUSÃO, NOME, SITUAÇÃO, CONTESTAÇÃO, DEBITOS, AÇÃO JUDICIAL.
  • ANALISE, EFEITO, AUMENTO, TRABALHO, JUDICIARIO, VANTAGENS, CONTROLE, ABUSO, CONSUMIDOR.

           O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a promulgação do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, no ano de 1990, representou, para o Brasil, um gigantesco passo para a consolidação do Estado Democrático de Direito. Em harmonia com o que determina a Constituição Federal de 1988, as relações de consumo passaram a ser regidas segundo regras especiais que tutelassem seu pólo mais vulnerável. Assim, o consumidor passou a dispor de um estatuto que lhe permite defender-se eficazmente dos abusos cometidos por fornecedores de mercadorias e serviços.

           Neste ano de 2005, o Estatuto do Consumidor completa 15 anos. Seus dispositivos, como todos sabem, contam com alta eficácia e elevado respaldo social. Acreditamos, contudo, que o prestígio alcançado por essa legislação é devido não só a sua qualidade técnica e precisão jurídica, mas principalmente aos constantes ajustes e revisões que vem sofrendo desde que entrou em vigor.

           Portanto, com o firme intuito de aprimorar e aperfeiçoar constantemente os dispositivos do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, ampliando os direitos ali previstos e garantindo seu pleno exercício, apresentamos o Projeto de Lei do Senado nº 8, de 2005, lido no dia 16 de fevereiro último, o qual visa modificar o art. 43 da Lei nº 8.078, de 1990.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o presente pronunciamento tem por finalidade apresentar as razões e justificativas da referida proposição.

           O mencionado art. 43 do Código de Defesa do Consumidor regulamenta o registro, a consulta e a gestão de informações de cadastros e bancos de dados relativos a consumo.

           Esses bancos de dados, dentre os quais se destacam os conhecidos SPC e Serasa, armazenam informações de mais de 140 milhões de pessoas físicas e mais de 16 milhões de empresas em todo o País. Registram seus hábitos de consumo, despesas e dívidas assumidas, liquidadas ou não. De posse de tais informações, fornecem subsídios para mais de 500 mil empresas autorizarem, ou negarem, a concessão de empréstimos e financiamentos ao consumidor.

           Somente em janeiro deste ano, foram mais de 22 milhões de consultas ao Serviço de Proteção ao Crédito. Se a retomada do consumo se mostrar sustentável, o número de consultas, por certo, continuará a crescer.

           Em tempos de demanda aquecida, também cresce o número de inclusões e retiradas de nomes desses cadastros. Novamente em janeiro, se mais de 2 milhões e 700 mil registros foram cancelados, outros 2 milhões e 600 mil foram incluídos.

           O que nos preocupa fundamentalmente, e que nos estimulou a apresentar o PLS nº 8, de 2005, é o fato de que muitas dessas inclusões são equivocadas, ilegais ou, ao menos, precipitadas.

           O próprio procedimento de inclusão, unilateral e sem qualquer controle, é responsável pela fragilidade do cadastro e a freqüente ocorrência de inconsistências.

           Como se sabe, qualquer entidade filiada a essas empresas pode determinar a inclusão de um nome no cadastro geral, sem necessidade de demonstração da existência, validade e eficácia do débito, nem de seu inadimplemento. Formalmente, apenas se exige dos órgãos de cadastro que comuniquem, por escrito, ao consumidor, que seu nome será incluído, sem que lhe seja dada oportunidade de defender-se.

           A chamada CPI da Serasa, ocorrida na Câmara dos Deputados em 2003, da qual todos devem se lembrar, foi responsável por denunciar falhas graves cometidas por instituições de cadastro de consumo, derivadas, exatamente, de um procedimento de “negativação” inadequado.

           Sr. Presidente, como conseqüência de um alegado inadimplemento contratual que, repita-se, não é nem minimamente comprovado, o consumidor recebe, como verdadeira sanção, restrições creditórias de toda ordem. Ora, nós vivemos atualmente em um período de renda em baixa e pouca liquidez financeira. Negar crédito, portanto, equivale a excluir alguém do universo dos consumidores, a efetivamente negar-lhe o direito de participar de maneira plena da nossa sociedade, impedindo-o de comprar bens e pagá-los em parcelas, ou até mesmo de manter uma conta-corrente ativa.

           Sanções tão graves deveriam ser acompanhadas de um mais rigoroso controle por parte dessas entidades cadastrais, pois, da forma como operam, causam danos e prejuízos a significativa parcela da sociedade.

           De instrumentos de proteção e resguardo de empresas comerciais, essas instituições transformaram-se em verdadeiros tribunais privados, nos quais milhões de brasileiros são investigados, julgados e, sem direito de defesa, condenados.

           Nossa proposição, contudo, não pretende burocratizar ou intervir no trabalho dessas entidades. Ao contrário, busca-se apenas garantir uma forma de controle mais eficaz a ser realizada pelos próprios consumidores por meio do Poder Judiciário.

           Assim, se aprovado o PLS nº 8, de 2004, sempre que o débito não pago estiver sendo judicialmente contestado, não poderá o nome do devedor ser incluído em nenhum desses cadastros. Da mesma forma, o ingresso em juízo para discutir débitos já inscritos implicará imediata exclusão do nome do devedor, vedando-se qualquer restrição enquanto durar a ação judicial.

           A aprovação desta proposta concretizaria diversos princípios constitucionais. Primeiramente, fortalece-se o princípio da defesa do consumidor, previsto no art. 5º, inciso XXXII e no art. 170, inciso V da Carta Magna. Ademais, a referida proposição possibilita que o consumidor ingresse em juízo para discutir a liquidez, a certeza e a exigibilidade de uma dívida sem o constrangimento de medidas restritivas a sua liberdade, aplicadas sem o aval do Estado. Garante-se, portanto, o princípio do pleno acesso ao Judiciário, com todas as garantias do devido processo legal e da ampla defesa a ele inerentes.

           Quem argumenta contrariamente a essa proposta alega que ela estimulará uma busca desenfreada ao Judiciário, no intuito de postergar o pagamento de dívidas. Primeiramente, não vemos como defeito uma proposição que estimula a busca pelo Judiciário, órgão maior de defesa da legalidade e da cidadania. Estimular o recurso à Justiça Estatal, ao contrário, seria um grande mérito dessa proposta.

           A nosso ver, portanto, não há mal algum em transferir, para o Poder Judiciário, as lides que atualmente ocorrem nos balcões dos estabelecimentos comerciais, em clara desvantagem para o consumidor. Em casos assim, o cliente, muitas vezes desconhecedor de seus próprios direitos, acaba por anuir com condições e cláusulas excessivamente desvantajosas a seus interesses e estranhas à legalidade.

           Além disso, eventuais abusos serão contidos por medidas que já constam no próprio Código de Processo Civil, no qual há diversos dispositivos que punem severamente a litigância de má-fé e o abuso de direito das partes. Sanções processuais e cíveis poderão e deverão ser aplicadas aos devedores contumazes e recalcitrantes.

           É oportuno ressaltar, também, que a proposição que submetemos à análise de nossos Pares não faz muito mais do que consagrar, na legislação, um entendimento já predominante nos Tribunais Superiores acerca da matéria. Para o Superior Tribunal de Justiça, a inclusão de dívidas sub judice em tais cadastros já é, faz anos, medida contrária ao direito dos consumidores. Mesmo assim, não houve aumento significativo no número de ações judiciais de impugnação de dívidas.

           Acreditamos ser bastante oportuna a apresentação do PLS nº 8, de 2004. Ao positivar um entendimento jurisprudencial que é majoritário na corte responsável pela uniformização da legislação federal, contribui-se para dar mais segurança jurídica aos cidadãos. Estimula-se, ademais, que outros órgãos judiciais mais resistentes a esse entendimento o adotem, determinando a imediata exclusão de dívidas que estejam sendo judicialmente contestadas. Além disso, os próprios serviços de consulta de crédito dever-se-ão aparelhar para não incluir e para retirar os nomes do cadastro de forma automática, quando for o caso, sem a necessidade de ordem judicial, o que simplificará a marcha processual.

           Uma medida dessa natureza, acreditamos, induziria os órgãos cadastrais, em parceria com as empresas associadas, a buscar meios de limitar o uso indiscriminado de um instrumento de constrangimento creditório tão severo.

           Poderiam, quem sabe, finalmente abandonar o anacrônico modelo de cadastro negativo e passar a adotar um banco de dados positivo, que passaria a conter somente as dívidas assumidas e adimplidas em tempo, lugar e forma combinados.

           Temos convicção, também, de que, em termos formais, o PLS nº 8, de 2005, não merece reparos. As mudanças pretendidas pela referida proposição alcançam diretamente as empresas gestoras de bancos de dados de informações de consumo. O art. 43 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor contém, exatamente, as normas que regulamentam essa atividade. É, portanto, o local apropriado para incluir os novos dispositivos, formalizados em dois parágrafos redigidos, a nosso ver, de maneira clara e objetiva.

           Estamos cientes, ainda, de que tramitam nesta Casa diversos projetos que também buscam aprimorar o funcionamento desses cadastros de consumo. Solidarizamo-nos com todas as propostas que visem ampliar direitos e fortalecer os meios de defesa dos consumidores. Estaremos, portanto, prontos para colaborar com o aperfeiçoamento dessas propostas e com sua aprovação.

           Consideramos, contudo, sem qualquer demérito das demais, que nossa proposição é autônoma e inédita, pois pretende, com pequenos ajustes no Código do Consumidor, aprimorar toda a forma de funcionamento desses cadastros, estimulando os consumidores a submeter os registros de dívidas ao rigoroso e imparcial controle do Poder Judiciário.

           Sr. Presidente, por todas essas razões, acreditamos ser oportuno e conveniente o oferecimento do PLS nº 8, de 2005, à apreciação e deliberação desta Casa. Pedimos, portanto, a colaboração de todo o Poder Legislativo para que, após os aperfeiçoamentos por que certamente passará a proposta, possamos outorgar à sociedade brasileira um instrumento legal de vital importância.

           O PLS nº 8, de 2005, tenho certeza, possibilitará aos consumidores o pleno acesso ao Judiciário e os protegerá com eficácia das graves sanções unilateralmente aplicadas por esses órgãos gestores de cadastro de consumo, que, como já afirmei, tornaram-se verdadeiros tribunais privados de exceção.

           A Constituição Federal de 1988 e o Estado Democrático de Direito assim o exigem.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/06/2005 - Página 19723