Discurso durante a 83ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da limitação da edição de medidas provisórias.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MEDIDA PROVISORIA (MPV).:
  • Defesa da limitação da edição de medidas provisórias.
Publicação
Publicação no DSF de 16/06/2005 - Página 19927
Assunto
Outros > MEDIDA PROVISORIA (MPV).
Indexação
  • ANALISE, DIREITO CONSTITUCIONAL, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, HISTORIA, BRASIL, EXERCICIO, EXECUTIVO, FUNÇÃO LEGISLATIVA, LEITURA, ARTIGO, ADOÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV).
  • CRITICA, ILEGALIDADE, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), DIVERSIDADE, OBJETO, APRESENTAÇÃO, RELAÇÃO.
  • SUGESTÃO, URGENCIA, LIMITAÇÃO, UTILIZAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), PROMOÇÃO, DEBATE, SENADO.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desejo tratar, hoje, de assunto relativo às medidas provisórias. Muito oportuno porque, ontem, caiu, por decurso de prazo, o Projeto de Lei de Conversão de nº 10, de 2005, proveniente da Medida Provisória nº 233, de 2004.

Sr. Presidente, a prerrogativa do Poder Executivo de legislar no Direito Constitucional Brasileiro, vem, a meu ver, da Constituição (a chamada “Polaca”), outorgada em novembro de 1937 pelo então Presidente Getúlio Vargas.

Com a Constituição de 1937, o Parlamento foi fechado, e nessa condição permaneceu até 1945 - o mais longo período de efetivo fechamento do Congresso, porque, no período da Revolução de 1964, não houve fechamento, mas, sim, recessos.

A Constituição de 1937 estabelecia, em seu artigo 180, que o Poder Executivo, em determinadas matérias, poderia legislar por decreto-lei. Os sucessores de Getúlio Vargas - José Linhares, Presidente do Supremo, que assumiu após a queda de Getúlio Vargas; e o Presidente Dutra, eleito -, ambos também dispuseram desse dispositivo - o decreto-lei.

O Presidente Dutra, inclusive, baixou decretos-leis até a promulgação da Constituição de 1946, que aboliu o referido instituto e a partir daí, não tivemos dispositivo semelhante.

O decreto-lei volta a vigorar com a Constituição de 1967 (fevereiro de 1967), sob a presidência de Castello Branco. Mas, observe-se, com muitas restrições, pois só poderia versar sobre dois temas:

            - segurança nacional;

- finanças públicas, desde que não resultasse aumento de despesa.

Cabia ao Congresso Nacional aprovar ou rejeitar, não podendo emendar; e se, em 60 dias não fosse apreciado, seria tido como aprovado.

Com a Emenda Constitucional nº 1, de 1969 - baixada após o AI-5 - os decretos-leis poderiam dispor também, além de segurança nacional e finanças públicas, inclusive normas tributárias, sobre criação de cargos públicos e fixação de vencimentos.

A rejeição do decreto-lei não implicava a nulidade dos atos praticados durante sua vigência.

O instituto do decreto-lei reaparece, com nova indumentária, na Constituição de 1988, com a denominação de “Medida Provisória”:

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional que, estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias.

Parágrafo único - As medidas provisórias perderão eficácia desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas dela decorrentes.

O referido dispositivo é oriundo da Constituição Italiana que estabelece, em seu art. 108, com a mudança decorrente de revisão constitucional ocorrida em 1999, o seguinte:

Art. 108. Em caso extraordinário de necessidade e urgência, o Governo pode adotar medidas provisórias com força de lei, restritas a providências de caráter específico, conteúdo homogêneo de imediata aplicação, concernentes à segurança nacional, calamidade pública, normas financeiras, e cumprimento de obrigações comunitárias das quais derivem responsabilidades para a Itália.

O Governo não pode, mediante decreto, renovar disposições de decretos não convertidos em lei, revigorar a eficácia de disposições declaradas e legítimas pela Corte Constitucional, conferir delegação legislativa atribuindo poder regulamentar em matéria já regulada por lei, regular os efeitos produzidos e as relações jurídicas na base de decretos não convertidos, nem disciplinar matéria reservada à lei que deva ser aprovada pelas duas Câmaras.

No dia seguinte ao de sua adoção o decreto será apresentado para conversão em lei à Câmara dos Deputados que, mesmo em recesso, será imediatamente convocada para se reunir dentro de cinco dias.

O decreto perde eficácia desde o início se, dentro de sessenta dias de sua publicação não for convertida em lei. O Regimento da Câmara dos Deputados assegura que a votação final se atenha ao cumprimento do prazo. Os decretos não podem ser modificados a não ser para cobertura dos respectivos ônus financeiros.

As Câmaras podem regular, através de lei, as relações jurídicas estabelecidas em decorrência dos decretos não convertidos.

Passo, agora, a apresentar algumas conclusões que retiro do que acabei de expor.

O decreto-lei foi re-introduzido no Direito Constitucional Legislado (e Direito Parlamentar) pela Constituição de 1967, na melhor doutrina do Direito Público, segundo o qual tudo que não é permitido é proibido, seguindo o modelo, estabelecido nas constituições brasileiras de 1967 e 1969, e na Constituição Italiana de 1946 que admite somente em casos de: a) calamidade pública; b) segurança nacional, e c) normas financeiras. A revisão da Constituição Italiana de 1999 acrescentou - como já disse - uma quarta hipótese: (d) cumprimento das obrigações comunitárias, das quais derivam responsabilidades para a Itália.

Essa expressão “obrigações comunitárias”, é bom esclarecer, se refere ao fato de a Itália ser um dos países fundadores da União Européia. Em função dos pactos que surgiram nos últimos anos, e a União Européia foi-se sedimentando e se fortalecendo, foram estabelecidas regras que são aplicáveis aos Estados-membros, daí por que essa observação .

Sr. Presidente, como sabemos, na Itália vigora o sistema parlamentarista. Há uma diferença muito grande entre os sistemas de governo existentes na Itália e no Brasil, posto que desde a República, com a Constituição de 24 de fevereiro de 1891, nossa primeira Constituição republicana, praticamos o presidencialismo, com um breve hiato no período de 1961 a 1963, quando houve uma malograda experiência parlamentarista.

Quando se analisa o texto da Constituição de 1988, constata-se termos abandonado o paradigma tradicional do Direito Público Brasileiro, em que tudo que não é proibido é permitido. Ao contrário dos decretos-leis previstos nos textos constitucionais de 1967 e 1969, e das medidas provisórias italianas, onde fomos buscar inspiração, não delimitamos o campo permitido à regulação das medidas provisórias. Ademais, as medidas provisórias, importadas da Itália, talvez tenham sido o maior erro cometido, pois transplantamos para uma constituição presidencialista um mecanismo vigente em regime parlamentarista. Os transplantes de órgãos, sabemos, muitas vezes, provocam rejeição nos organismos para os quais foram transplantados.

Além disso, o princípio incluído na Constituição Brasileira de 1988 se limitava a um artigo e um parágrafo, sem qualquer alusão à possibilidade de reedição das medidas não aprovadas no prazo constitucional.

A necessidade de limitar o uso do instituto, que se tornou um elemento perturbador nas relações entre Executivo e Legislativo, levou à aprovação consensual da Emenda Constitucional nº 32, de 2001. A nova redação ampliou de dois dispositivos (um artigo e um parágrafo) para vinte um (um artigo, doze parágrafos, quatro incisos e quatro alíneas), a matéria constitucional relativa às medidas provisórias. Veja: a nossa Constituição já é longa, analítica e enxundiosa; e o que é mais grave, continuamos a inscrever novos dispositivos.

O modelo que praticamos é semelhante ao adotado, com relação aos decretos-leis pela Constituição de 1937, especificando a matéria vedada ao uso das medidas provisórias, em vez de discriminar aquelas áreas em que à aplicação desse instituto parlamentar fosse permitida como fizeram as duas versões da Constituição Italiana em relação à matéria e os textos constitucionais brasileiros de 1967 e 1969.

Portanto, mais eficaz, mais funcional e mais adequado politicamente seria especificar os campos em que as medidas provisórias pudessem ser utilizadas, voltando-se à boa prática e a boa doutrina constitucional brasileira, segundo a qual o universo do Direito Público é aquele do que é expressamente permitido.

Finalmente, é preciso ter em conta outra conduta que se vem generalizando, com expressa violação do disposto na Lei Complementar nº 96, de 16 de fevereiro de 1998.6

Eis o que reza a Lei Complementar nº 96, de 1998:

Art. 1º A elaboração, a alteração e consolidação das leis obedecerão ao disposto nesta Lei Complementar. 

Parágrafo Único - As disposições desta Lei Complementar aplicam-se, ainda, às Medidas Provisórias e demais atos normativos referidos no art. 59 da Constituição Federal, bem como no que couber, aos decretos e aos demais atos de regulamentação expedidos por órgãos do Poder Executivo (os grifos são nossos). 

Art. 7º - O primeiro artigo do texto indicará o objetivo da lei e o respectivo âmbito de aplicação, observados os seguintes princípios:

I - Executadas as codificações, cada lei tratará de um único objeto.

Dou, a seguir, alguns exemplos de infração ao estabelecido na citada Lei Complementar nº 96:

MP 220 - (a) criação de cargos federais; (b) incentivo ao programa de fontes alternativas de energia e, (c) criação do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual;

MP 221 - (a) estabelece critérios para concessão de crédito rural e (b) dispõe sobre sistema de financiamento imobiliário;

MP 222 - (a) cria Secretaria da Receita da Previdência; (b) transfere bens da Universidade Federal de Minas Gerais para a União;

MP 229 - (a) fixa critérios para direcionamento de recursos arrecadados com loterias; (b) altera critérios para a concessão da Bolsa Atleta e (c) prorroga a campanha de desarmamento;

MP 233 - (a) cria a Superintendência Nacional de Previdência Complementar; (b) altera a denominação do Instituto Nacional do Semi-Árido; (c) cria e extingue cargos nos ministérios do Esporte, da Defesa e da Ciência e Tecnologia;

MP 237 - (a) estabelece medidas para fomentar exportações; (b) altera prazo de validade da MP 232 que trata de impostos; (c) permite que municípios endividados participem do Reluz (violação da Lei de Responsabilidade Fiscal);

MP 238 - (a) cria o Projovem; (b) cria o curso de pós-graduação em Residência para o Profissional de Saúde;

MP 246 - (a) extingue a Rede Ferroviária Federal; (b) cria gratificação de desempenho dos servidores do Departamento Nacional de Pesquisa Mineral.

            O Senador Antonio Carlos Magalhães, com louvável espírito público apresentou, ano passado, sugestão que busca alterar o atual art. 62, restringindo o uso pelo Poder Executivo das medidas provisórias. A matéria se acha sob análise da Comissão Mista destinada a efetuar estudos visando ao aperfeiçoamento do rito de tramitação das medidas provisórias.

Em decorrência do que expus, Sr. Presidente, faço ao encerrar, com respeito ao tema, duas sugestões:

a) urgente necessidade de limitar o uso de medidas provisórias que prescrevia a Constituição de 1967;

b) promover, em face da importância do tema e dos constrangimentos que as medidas provisórias têm provocado no Congresso Nacional, limitando a capacidade de legislar e criando tensões nas relações entre o Legislativo e o Executivo, uma “Sessão Geral de Debate” como forma de acelerar o exame da questão. Aliás, na Comissão Especial incumbida de apresentar projeto de resolução de reforma do Regimento Interno do Senado Federal, que presido, tendo como Relator o Senador Tião Viana, se cogita, atendendo a sugestão do Presidente Renan Calheiros, propor ao Plenário que esta Casa periodicamente realize sessões desse gênero para discutir temas de grande interesse público.

Estaríamos assim criando condições para o Congresso Nacional melhorar seu desempenho, uma vez que, freqüentemente, medidas provisórias estão obstruindo a pauta e, conseqüentemente, reduzindo a capacidade de o Legislativo cumprir sua tarefa principal, que é legislar.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/06/2005 - Página 19927