Discurso durante a 84ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Questionamentos sobre a eficiência da reforma política como instrumento destinado a alterar a estrutura política brasileira.

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA POLITICA.:
  • Questionamentos sobre a eficiência da reforma política como instrumento destinado a alterar a estrutura política brasileira.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 17/06/2005 - Página 20100
Assunto
Outros > REFORMA POLITICA.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, EFICACIA, REFORMA POLITICA, DEBATE, CLAUSULA, OBSTACULO, AUMENTO, NUMERO, PARTIDO POLITICO, FINANCIAMENTO, CAMPANHA ELEITORAL, FIDELIDADE PARTIDARIA, REFORÇO, REPRESENTAÇÃO PARTIDARIA.
  • CRITICA, UTILIZAÇÃO, REFORMA POLITICA, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, DEFESA, ESCLARECIMENTOS, POPULAÇÃO.
  • APOIO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, JURISTA, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), AMPLIAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, POPULAÇÃO, DECISÃO, NATUREZA POLITICA.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, além de todos os assuntos relacionados à delinqüência de luxo e às ratazanas de terno e gravata que circulam nas instituições do País, há um assunto que foi sacado com rapidez para tentar, por meio de uma tática diversionista, ludibriar a opinião pública, e que, ao mesmo tempo em que impede o aprofundamento das investigações, também atenua as tensões sociais, apresentando a reforma política como a panacéia a resolver todos os males da estrutura política nacional.

Sabemos todos nós que a reforma política é extremamente necessária, inclusive para aumentar a permeabilidade dos espaços políticos ao controle da sociedade. Não é isso que está sendo discutido, verdadeiramente, até porque todos os crimes que estão sendo apresentados, entre o estarrecimento e a indignação da sociedade de uma forma geral, toda a bandalheira que está sendo mostrada já é proibida pela ordem jurídica vigente. O Senador Jefferson Péres e outros Parlamentares falaram sobre isso por várias vezes. A ordem jurídica vigente, a legislação em vigor e o Código Eleitoral proíbem a delinqüência que está sendo apresentada de forma ostensiva e nauseante para a opinião pública.

Qual debate está sendo feito, volto a repetir, como uma medíocre tática diversionista para impedir o aprofundamento das investigações e ludibriar a opinião pública? Muita gente pergunta: tem o Congresso Nacional autoridade para fazer alguma coisa antes do esclarecimento de todas as denúncias que são apresentadas? Como ficam as votações que foram feitas no Congresso Nacional? Várias votações foram feitas no Congresso Nacional, inclusive a da reforma da Previdência, em que Parlamentares eram comprados para votar. Um dos componentes de balcão de negócios sujos era o “mensalão”, além dos cargos, prestígio, liberação de emendas e, certamente, outros mais sofisticados, menos denunciados, mas que também são parte da velhaca, carcomida promiscuidade nas relações entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional.

Primeiramente, já estão sob suspeita todas as votações que se deram no Congresso Nacional. Votações com Parlamentares vendidos e Governo comprando já estão sob suspeita. Em segundo lugar, as pessoas perguntam: “Mas tem esse Congresso legitimidade para discutir alguma coisa?”

Quando se apresenta o debate da reforma política, isso chega a ser absolutamente cômico. Como ocorre com qualquer dona de casa, se a fossa estoura, conserta-se o banheiro. Como a “fossa estourou”, o mecanismo para consertar o “banheiro” é apresentar à sociedade a reforma política como a panacéia para resolver todos os males.

Por que não tratam de um tema essencial como o financiamento de campanha? Primeiro, mentem, de forma desvairada, usando três aspectos: ora é a permanência da cláusula de barreira, dizendo que ela impede a proliferação de muitos Partidos pequenos, como se não estivesse, inclusive, no seio dos grandes Partidos, em que os seus Parlamentares, muitas vezes, posam de alto clero mas têm a estatura moral da ralé. Mas ficam dizendo que é isso que vai resolver a proliferação de Partidos.

Uma outra coisa é a tal fidelidade partidária. Esta é ainda mais nojentinha. O que é fidelidade partidária? É fidelidade ao programa do Partido, ou é fidelidade ao chicote do Líder e às conveniências das cúpulas partidárias que, por estarem vendidas, querem apresentar a conta aos Governos com o número de Parlamentares que tem, para traficar influência, intermediar interesse privado e explorar prestígio?

Precisamos discutir isso. Somos favoráveis à fidelidade ao programa do Partido. Isso é que é fidelidade partidária.

O que não podemos aceitar é que seja vendida à opinião pública a idéia de que a fidelidade partidária não deve ser ao programa do Partido, mas às conveniências de Líderes vendidos, cúpulas partidárias igualmente vendidas, que querem, simplesmente negociar, no balcão de negócios sujos, com os executivos a lista exata dos Parlamentares que eles têm para vender também, a lista das “mercadorias parlamentares” que eles têm para trambicar e, assim, traficar influência com os respectivos executivos. Isso é o que temos que discutir.

Quanto à questão do financiamento de campanha, quero dizer que ele é exclusivamente público, o que já não é um instrumento democrático, é verdade, porque, como a concessão do recurso para cada estrutura partidária dar-se-á conforme representação política na Casa, é evidente que muitos dos grandes Partidos conquistaram um número maior de assentos na Casa às custas da promiscuidade nas relações com o setor econômico. Se isso já não é um procedimento justo, pior ainda é o financiamento privado.

Eu sei que os escândalos que estão acontecendo - das malas pretas, que o Deputado Roberto Jefferson disse que o Tesoureiro do PT chegou lá para promover o trambique, a inovação do trambique da pseudo-esquerda - são terríveis e contra a legislação do País. Não é preciso mudar a lei em vigor para impedir que eles aconteçam. Eles são absolutamente contra a legislação do País. Mas, sabemos que muitos Parlamentares, patrocinadores da delinqüência de luxo, usam o processo eleitoral para encherem seus respectivos bolsos, suas respectivas contas bancárias, para enriquecerem e, depois, ainda fazerem o jogo sórdido desses grupos econômicos que os financiaram quando de suas vindas para o Congresso Nacional. Esse é que é o problema.

O financiamento público é essencial. Alguns discordam do financiamento público porque entendem que é preciso ter lista fechada de Partido. Quem disse? Já existe uma lista fechada de Partido. Quem não sabe disso? Quem é que passa nas convenções partidárias? Será que já não existe o autoritarismo das estruturas partidárias? Claro, nós, do P-SOL, não temos preocupação com lista partidária, porque não estamos entre jararacas, umas querendo assassinar e envenenar as outras. Sei que a lista fechada é um perigo muito grande, porque o Parlamentar independente, o representante do movimento social independente, vai ser lá.... A “cúpula palaciana” é quem escolhe. Será a “Lista de Schindler”. Aí tem a “Lista de Schindler” do Ministro tal, do amigo de não sei quem... Como poderemos resolver isso?

Para garantir o financiamento exclusivamente público, é preciso garantir as listas avulsas da sociedade, para que a pessoa possa ser candidato sem estar filiado a um Partido político. Essa conversa de fortalecer Partido político...! O que tem de Partido político fortalecido às custas do jogo sujo, sórdido, de conveniência promíscua com a estrutura do poder! Então, se existe o problema das listas fechadas, que, concordo, em muitas relações partidárias existirá, porque o cacique, o chefe, a suposta Liderança da estrutura partidária vai olhar para o Parlamentar que não se vende, vai olhar para o Parlamentar que não deixa que o Líder lhe ponha um cabresto e vai dizer que ele ficará fora da lista; ou então, vai colocá-lo no fim da lista. Ele pode ter dez vezes mais votos do que o primeiro da lista, mas quem entra é o primeiro da tal “listinha” das cúpulas partidárias. Então, é evidente que isso é grave!

Mas os mecanismos a serem feitos para minimizar esse risco são justamente as listas da sociedade. O Deputado Fernando Gabeira já defendeu essa idéia várias vezes e eu também já apresentei proposições nesse sentido. Por que, obrigatoriamente, tantas pessoas maravilhosas, que são militantes de movimentos sociais e que não querem estar inseridas nas estruturas partidárias, não podem ser candidatas? Claro que podem, sim, em um percentual menor, mas que tenham o direito de serem candidatas também.

Uma outra coisa essencial que também precisamos debater, inclusive o jurista Fábio Konder Comparato e a OAB apresentaram, por meio de Parlamentares, projetos de lei que dão conta de um aspecto essencial, é a democratização das decisões políticas. É preciso acabar com essa visão ridícula, elitista de que somente o Parlamentar pode decidir pelo povo. Essa é uma discussão ridícula, arcaica, preconceituosa. É essencial que o povo, que elege, possa estabelecer mecanismos, inclusive, para garantir o fim da irrevogabilidade dos mandatos, do sigilo bancário, fiscal e telefônico para todos os agentes públicos, obrigatoriamente, na legislação eleitoral, e que o Estado brasileiro possa ser permeabilizado pelas estruturas sociais. Isso é essencial.

Todas as discussões que dizem respeito à soberania nacional, às políticas públicas, às políticas sociais, à construção do orçamento têm que ser partilhadas e decididas não pela meia dúzia dos que se acham aqui iluminados, e que vivem nas trevas da corrupção, mas com a participação da população de uma forma em geral.

Concedo o aparte a V. Exª, Senador Cristovam Buarque.

Já estou terminando, Senador Tião Viana; sei que estou me excedendo em meu tempo.

O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PT - DF) - Senadora Heloísa Helena, V. Exª trouxe uma quantidade de pontos que merecia a reflexão de todos nós aqui sobre a ética na política. Queria apenas pegar um ponto e apoiar essa idéia. Não vejo por que, com o caos ideológico que há hoje no mundo, termos camisas de forças partidárias, quando estamos em um momento de muita nitidez esquerda/direita, aí até se diz respeito a isso, e nesse caso nem precisa. Nos Estados Unidos, não há sequer chance de um outro partido, porque há nitidez. Os dois partidos representam, no fundo, quase a mesma coisa. Mas, no nosso País, se criarmos essa camisa de força da cláusula que elimina Partidos ou que impede as pessoas de serem eleitas individualmente, podemos estar freando grandes idéias, grandes propostas, e quem sabe uma nova idéia que surja. O meu Partido, se tivesse cláusula de barreira no tempo em que começou, hoje não estaria aqui. Então, alegro-me de V. Exª ter trazido esse problema. Há pessoas que dizem que isso vai contra o Partido. É possível. Mas não vai contra a democracia.

            A SRª HELÓISA HELENA (P-SOL - AL) - Com toda a certeza. Essa é exatamente a intenção. Tem que acabar com essa visão elitista de que a democracia representativa está restrita a estruturas partidárias. Muitas dessas estruturas partidárias burocratizadas, degeneradas, promíscuas, infiéis aos programas dos seus respectivos Partidos simplesmente pousam, aqui, como digo sempre, de alto clero e com a estatura moral da ralé do clero. Espero que esse debate seja feito de forma democrática, não como uma tática diversionista para impedir o aprofundamento das denúncias graves de corrupção que estão acontecendo no País, mas sim com o objetivo de aprimorarmos a estrutura combalida, falida da democracia representativa no Brasil.

            É só, Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/06/2005 - Página 20100