Discurso durante a 86ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre o papel do parlamentar para a construção da cidadania positiva.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Reflexão sobre o papel do parlamentar para a construção da cidadania positiva.
Publicação
Publicação no DSF de 21/06/2005 - Página 20344
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • DENUNCIA, GRAVIDADE, EXCLUSÃO, POPULAÇÃO CARENTE, MISERIA, ANALFABETISMO, MORTALIDADE INFANTIL, FALTA, REGISTRO CIVIL, BRASIL, REGISTRO, DADOS, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), SUPERIORIDADE, CONCENTRAÇÃO DE RENDA.
  • ANALISE, VINCULAÇÃO, POBREZA, VIOLENCIA, SEPARAÇÃO, CLASSE SOCIAL, BRASIL, DIFICULDADE, TRABALHO, CLASSE POLITICA, AMPLIAÇÃO, ACESSO, CIDADANIA.
  • CONFIANÇA, EXPERIENCIA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ORIGEM, POPULAÇÃO CARENTE, POSSIBILIDADE, DIREÇÃO, PROJETO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, UNIFICAÇÃO, BRASIL, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, BUSCA, INTEGRAÇÃO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, ESPECIFICAÇÃO, RELEVANCIA, PREVIDENCIA SOCIAL.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fora do violento debate ético e moral, mas entrando no debate social, que também é ético e moral, saio das manchetes e mudo de assunto.

Um dia desses, um amigo me contou uma história que me fez refletir sobre a situação do País dos nossos dias e que me proporcionou também uma profunda reflexão sobre o nosso papel de Parlamentares, eleitos pelo povo para representá-los num projeto coletivo de construção da democracia, da cidadania e da soberania.

Disse-me aquele meu amigo, que se encontrava no interior de uma loja especializada na venda de instrumentos musicais. Havia ali possibilidades de sons e acordes para todos os gostos e para todos os bolsos. Das flautas e das marimbas mais singelas aos mais sofisticados violinos, oboés, contrabaixos, harpas, pianos e vibrafones.

Ficou ele imaginando todos aqueles instrumentos tocados em conjunto, numa praça ao ar livre ou no palco mais requintado de uma sala de espetáculos. Sentia-se transportar a uma outra dimensão da vida, ao som de uma orquestra, com suas partituras criadas sob a inspiração divina. Mas, ali, só havia a imaginação fértil de um amante da música e de seu poder de elevar os homens a patamares quase transcendentais, de levá-los às proximidades de Deus.

Aqueles instrumentos, entretanto, estavam ali, mudos, sem as mãos e o dom dos homens criados à Sua semelhança.

De repente, surge à porta da loja um menino maltrapilho: um pé descalço, outro arrastando uma sandália arrebentada, olhos fixos nos instrumentos de corda - violas, violões e bandolins.

Logo, os vendedores da loja transmutaram-se em verdadeiros seguranças, com os olhos fitos naquele menino que se vestia pobremente. O garoto permanecia, quase que hipnotizado, diante de um cavaquinho. Olhando-o, parecia transportar-se para outro mundo. Imaginava-se, talvez, num recital no mesmo ar livre que lhe servia de abrigo nessas noites frias de final de outono. Imaginava-se dedilhando aquele instrumento no meio de uma orquestra, uma orquestra que certamente incluiria seus amigos de relento. Talvez ele estivesse imaginando um solo ou um duo, ele e Deus, para mostrar o quanto um é semelhante ao Outro: criatura e Criador.

De repente, o menino maltrapilho reuniu toda a sua coragem e apanhou, com as suas mãos sujas do asfalto, aquele pequeno instrumento, reluzente e afinado. Agora, não só todos os olhos, mas todos os passos dos vendedores-seguranças se dirigiram para aquele fiapo de gente. Sairia ele correndo pela porta? Não. Certamente, tropeçaria numa rasteira que o jogaria de volta à calçada, já em posição de mãos à cabeça. Perguntaria ele o preço do seu sonho e devolveria à prateleira fria, até que outras mãos “mais limpas” detalhassem as cordas de aço?

Não mais que de repente, aquele menino maltrapilho deslizou os dedos sujos pelas cordas esticadas do cavaquinho e, olhos fechados como que em transe, encheu o ambiente com os acordes de “Brasileirinho”.

As pernas apressadas dos vendedores travestidos de segurança quedaram trôpegas. Os olhos de lince ficaram marejados. Aquele menino maltrapilho, quem diria, era um verdadeiro brasileirinho. E “um brasileiro quando é do choro é entusiasmado, quando cai no samba não fica abafado, e é um desacato quando chega no salão”.

Fico eu, agora, imaginando o som daquele verdadeiro “hino nacional”, o “Brasileirinho”, dedilhado por um desses meninos para os quais fechamos, no nosso dia-a-dia excludente, os vidros dos nossos carros e as portas das nossas bem vigiadas casas. Quantos serão os brasileirinhos maltrapilhos, dedos sujos de terra, que saberiam - como diz o poeta - fazer “todo mundo dançar a noite inteira no terreiro até o sol raiar?”

            São milhões os brasileirinhos excluídos do nosso carro, da nossa casa, do nosso coração, da nossa vida, do nosso País! E quem são os maestros dessa orquestra excludente, cuja batuta teima em não aceitar artistas de dedos sujos? Somos nós, que teimamos em tocar, apenas, para um público refinado, nas mais requintadas salas de espetáculo. Esquecemos o ar livre, democrático e cidadão.

O povo pode até servir como inspiração para as nossas partituras, as nossas orações e os nossos discursos, mas ele está longe da nossa prática. Ele é chamado, apenas, para montar os nossos palcos, mas não participa nem da nossa orquestra, nem de nosso público!

É essa cruel realidade que mostra o trabalho realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea, chamado Radar Social 2005, recentemente divulgado. São quase 54 milhões de brasileiros em situação de pobreza, sobrevivendo de uma renda per capita que não passa de meio salário mínimo mensal. Imaginem: meio salário mínimo que, como se sabe, já nem honra o termo, porque, mesmo quando é inteiro, é insuficiente para uma vida digna!

São quase 22 milhões de indigentes, sobrevivendo com menos de um quarto de um salário mínimo mensal. Quatro, em cada dez brasileiros, já podem ser considerados em situação de miséria absoluta.

O Brasil tem algo como 15 milhões de analfabetos acima de 15 anos! São cegos do saber. De cada mil crianças nascidas vivas, 25 não completam o primeiro aniversário, morrem principalmente por causas decorrentes da desnutrição. São 6,6 milhões de favelados, 17 milhões moram em casebres abarrotados com mais de três pessoas por dormitório.

Já falei, nesta tribuna, deste país de verdadeiros clandestinos. São milhões os que não existem oficialmente. Nascem em manjedouras, fogem do Herodes dos nossos tempos, que é a fome, e morrem crucificados pelo desdém. Sobrevivem num país anexo. Não têm nome de registro nem sobrenome de fato. Têm idade apenas de memória. Aparentam ter “tantos anos”, embora o desgaste físico distancie o aparente do real. Na Região Norte, a metade das crianças nascidas, quando sobrevivem, não são registradas nos Cartórios de Registro Civil. Essa situação se repete em alguns Estados do Nordeste, a despeito de termos discutido aqui, anos a fio, um novo Código Civil, a despeito também da gratuidade dos registros de nascimento.

O grande sonho desses brasileiros é o de serem migrantes. Para onde? Para o Sudeste, para as grandes cidades, para as fronteiras da Amazônia? Não importa, desde que seja para o país oficial!

Todas as questões detectadas no documento do IPEA e nos últimos trabalhos sobre a pobreza no Brasil poderiam dizer respeito a um país pobre em recursos materiais, mas não ao Brasil, essa verdadeira obra-prima da natureza.

É inacreditável que se possa conviver ainda com situações e números tão lamentáveis, num país que ostenta todos os microclimas do planeta, onde se podem produzir, no verão, produtos de inverno e, no inverno, produtos de verão; onde as terras são consideradas mais produtivas; onde se estende o rio mais caudaloso e a maior floresta; onde estão as mais belas praias, a mais rica variedade de pássaros e de animais silvestres, plantas que a ciência já demonstra ser o futuro da medicina; onde estão recursos minerais dos mais nobres, indispensáveis na informática e na corrida espacial. Enfim, o Brasil é um paraíso terrestre aos moldes de uma loja de instrumentos de trabalho, prontos para a orquestração da produção, do emprego e da geração de renda.

Ocorre, meus irmãos, que todos esses instrumentos são tocados por poucos. Apenas 1,7 milhão de brasileiros abocanham 13,3% da renda nacional, percentual semelhante ao total correspondente aos 50% mais pobres, que somam 87 milhões de pessoas. Um milhão e setecentos mil brasileiros recebem o equivalente à renda de outros 87 milhões de brasileiros! Ou seja, os 10% mais ricos ficam com mais da metade de tudo o que é gerado no País.

Essa loja de instrumentos de trabalho e de produção chamada Brasil é excludente. Como o menino maltrapilho dos pés descalços, a população pobre do País não consegue ter acesso à terra, ao trabalho, à habitação, à saúde, à educação, à renda, à vida, enfim.

Como aquele mesmo menino, os brasileiros pobres são vistos como um perigo à propriedade concentrada de tais instrumentos. Atribui-se à pobreza as causas da violência, e cria-se um verdadeiro muro da vergonha, a separar ricos e pobres, como que num apartheid social que a história mundial tão bem conhece de outras terras, plena de sofrimento e morte.

Quando essa mesma população pobre se organiza e tenta obter instrumentos de trabalho, de renda e de vida, igualmente recebe olhares e atitudes de repressão, como se praticasse, na verdade, arrastões que surrupiam o direito exclusivo dos ricos à propriedade privada dos meios de produção.

Os sem-terra são vistos como vândalos, a despeito do latifúndio. Os sem-casa são considerados como se fossem animais de rua, apesar da grilagem rural e urbana. Os sem-saúde morrem nas filas dos hospitais públicos, embora a Constituição lhes atribua o direito à vida, na sua plenitude. São, no entanto, todos, meninos maltrapilhos capazes de abalar a ordem constituída, com seus dedos sujos. Se tocarem em algum instrumento de trabalho, mesmo que para perguntar o preço, receberão a rasteira e a ordem da “mão na cabeça”.

O que não se quer admitir é que essa mesma população pobre, tal e qual o menino maltrapilho, é capaz de tocar, com maestria, todos esses instrumentos. Sabem lavrar a terra, sabem deitar semente ao chão, sabem colher os frutos desta terra benfazeja, sabem produzir o tijolo e erguer as paredes da casa, mesmo que singela, sabem o que é o saber que liberta da escuridão do analfabetismo, sabem, enfim, que o conjunto de tais instrumentos formam a grande orquestra da cidadania. São pobres e analfabetos, não lêem partituras, mas a vida lhes ensinou a tocar de ouvido.

Quem são, afinal, os maestros dessa orquestra brasileira, hoje tão desafinada pela corrupção, pela fraude, pela dilapidação do patrimônio público, pela má distribuição de renda, pelo desemprego, pela miséria e pela pobreza, em um País abundante de instrumentos capazes dos melhores acordes de desenvolvimento social e humano?

Somos nós, que decidimos pela vida política, exatamente para melhor distribuir tais instrumentos, em nome da sonoridade que rima cidadania com democracia e soberania.

Fico imaginando o engenheiro no acompanhamento de sua obra: andar por andar, ele se satisfaz profissionalmente com a sua construção. Imagino o cirurgião que extirpa um tumor, devolvendo ao paciente a esperança de vida.

(A Presidência faz soar a campainha.)

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - O agricultor vê a planta nascer, crescer, frutificar e alimentar seus semelhantes. O político, com seu trabalho honesto, provê, ao seu semelhante, a possibilidade de obter os meios necessários para a construção da cidadania coletiva.

Fico também imaginando o sentimento do engenheiro que observa sua obra sua ruir; o sentimento do cirurgião que assiste à morte do seu paciente; o sentimento do agricultor que não vê a sua semente prosperar e germinar; e, igualmente, o sentimento do político que vive num país mergulhado em índices de distribuição de renda no rodapé do planeta, pior que outras nações devastadas por sangrentas guerras civis e lutas genocidas.

É este o sentimento que deve povoar corações e mentes de políticos de trabalho honesto, frente aos números do documento do Ipea: uma sensação de inutilidade do discurso e da prática.

O Brasil buscou, para reger a sua grande orquestra, um maestro que, quando menino, era também maltrapilho, de pés descalços, que, certamente, quando entrava nas lojas de instrumentos de trabalho, no Recife, era visto como alguém que poderia causar danos à propriedade concentrada do Nordeste, terra de capitanias e de coronéis, da indústria da seca e do latifúndio.

Pendurado num pau-de-arara, numa viagem torturante, foi para São Paulo à procura de outros instrumentos de trabalho e de vida. Mãos sujas de graxa, dedo decepado nas lâminas da lida, era tido como um exímio encantador de turbas. Sabia que, sozinho, jamais seria uma orquestra. Organizou sindicatos, comandou caminhadas da cidadania, fundou um Partido Político e foi eleito Presidente da República.

Portanto, como maestro, ele sabe do potencial de cada um dos instrumentistas dessa grande orquestra chamada Brasil, que já foi chamada celeiro do mundo.

Pois bem, o Brasil é essa orquestra formada por tocadores exímios, de afinados instrumentos, e um maestro que conhece perfeitamente todos os acordes. Entretanto, os tais números do Radar Social 2005 não são assim tão musicais para os ouvidos da platéia, dos músicos e do maestro. Da população, da sua representação parlamentar e do Presidente da República. Há certamente um problema da escolha da partitura. A música que executamos nesse momento parece não ser a mais adequada para a apresentação da orquestra política brasileira.

Há que se tocar, de novo, o “Brasileirinho”. Um projeto de desenvolvimento verdadeiramente nacional, fundado em notas de autores brasileiros, que conhecem, como o Presidente da República, a nossa realidade, as nossas diferenças e os nossos potenciais de desenvolvimento econômico e social. Que todos os brasileiros tenham acesso a instrumentos de produção e de renda, para que possam desenvolver, plenamente, as suas habilidades. Acesso à terra, ao trabalho, à moradia, à educação, à saúde, à cidadania e à vida.

É preciso derrubar esse muro vergonhoso que divide o Brasil em dois. De um lado, o da platéia refinada, do requinte das salas de espetáculos. Do outro, como nas palavras do poeta, os ‘iguais em tudo na vida’, os que morrem ‘de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte e de fome um pouco por dia’.

A partitura política dos últimos anos construiu um País a latere, na Sociologia, na Antropologia e na Economia. Pior: no Direito, à medida em que o conjunto de leis vale, em tese, para os dois lados de tal muro, mas a sua prática dependente das interpretações moldadas pela conveniência. Com esses dois países, um oficial, outro paralelo, criou-se, também, um Estado igualmente paralelo, marginal: o da corrupção, o da fraude, o do narcotráfico e o da violência.

Não é à toa, por exemplo, que, nas grandes favelas brasileiras, no país clandestino, a população, muitas vezes, dá mais valor ao traficante do que à polícia. É porque, ali, a educação, a saúde, a proteção e outros requerimentos de cidadania são fornecidos pelo tráfico, e não pelo Estado. O aparato policial é visto, deste lado do muro, como defensor do país da ribalta.

O Estado foi posto em segundo plano, também na economia. Houve um verdadeiro endeusamento mercado. E esse Deus-mercado, como se sabe, é, também, discriminador em nome do lucro e da ganância. Do outro lado do muro, o que os economistas dizem ser ‘o lado escuro do mundo’, o que não consome, o que retira do mercado os recursos ‘necessários ao investimento’, em nome de gastos que o mercado considera algo assim como ‘jogados fora’, como o pagamento de aposentadorias e pensões para a população mais idosa, mas que, agora, ‘não contribuem para o lucro’, ou, para utilizar uma expressão marxista, deles não podem mais extrair a “mais-valia”.

Exemplo típico desse poder do mercado são os comentários que se ouvem nesses momentos de turbulência política, quando a corrupção desfila pelo noticiário. Recentemente, comentarista de renome da maior rede de comunicação do País afirmou que tal turbulência não afetará o País enquanto não atingir o Ministro da Fazenda. Não importa até mesmo se o maestro, o Presidente, errou, ou não, na regência da sua orquestra, ou que ele tenha desafinado. O que importa é que tal erro não interfira na performance do spalla. Como se sabe, na ausência do maestro, é ele, o Ministro da Fazenda, quem rege. Isso comprova um País comandado pelo mercado, cada vez mais forte, reverenciado e endeusado. Outro, dirigido pelo Estado, cada vez mais frágil, desdenhado e demonizado.

Portanto, meus irmãos, para que se inicie a demolição de tal muro da vergonha, que separa os dois Brasis, tal como detectado pelo Radar Social, do IPEA, é necessário que se resgate o Estado brasileiro como formulador de políticas públicas. E isso passa também pela revisão de nossa atuação no Congresso Nacional.

Nesta Casa, as questões nacionais são tratadas de forma estanque, isolada, com um viés puramente vertical, sem uma contextualização mais abrangente, compreensiva e horizontal. Nós, raramente, discutimos a lógica que alinhava a seqüência das matérias que nos são enviadas pelo Poder Executivo.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Agradeço a gentileza de V. Exª, Sr. Presidente.

Na nossa analogia musical, tratamos cada músico em sua apresentação isolada, cada um com uma partitura diferente, sem uma visão de conjunto, de orquestra.

E, convenhamos, nos últimos tempos, o Congresso tem atuado muito mais como agente do mercado do que como formulador de políticas públicas no seu verdadeiro sentido. Por exemplo, votamos a quebra do monopólio do petróleo, a propriedade do sub-solo, o conceito de empresa nacional e a lei de patentes, todos esses assuntos de forte interesse do mercado, sem levar em consideração a forte correlação que existe entre eles.

Um bom exemplo do que ainda virá é o caso da chamada reforma da Previdência Social. Fala-se em uma terceira edição, atingindo, agora, o Regime Geral Público. Ora, não fora a Previdência Social nos moldes atuais, outros 18 milhões de brasileiros se somariam ao contingente revelado pelo IPEA, como sendo pobres absolutos.

Imagine-se, então, se a grande massa de aposentados e pensionistas rurais tiverem cortados os seus benefícios, o que acontecerá com a migração rural-urbana e o inchaço das grandes cidades. Hoje, em quase dois terços dos Municípios brasileiros, o total de recursos pagos a aposentados e pensionistas é maior do que o valor que esses mesmos Municípios recebem a título de repasse constitucional do fundo de participação. Esses custos e benefícios sociais têm, necessariamente, que ser discutidos por todos nós, quando votamos matérias de relevância para o País.

Como se vê, os instrumentos de produção, de emprego e renda no Brasil, tal qual a história da loja de instrumentos musicais, estão disponíveis, à espera de mãos hábeis que possam tocá-los. Há muitos meninos maltrapilhos e homens de mãos calejadas e sujas de terra que poderiam desenvolver o seu engenho e a sua arte nessa grande orquestra chamada Brasil.

O tal menino tocou “Brasileirinho” que, como se sabe, trata-se de um choro. Não sei se foi mera coincidência. Eu só sei que, lá pelas tantas, a obra musical de Waldyr Azevedo diz algo assim: “E quando o baile terminou/ a turma não se conformou/ Brasileirinho abafou”.

Se não há falta de instrumento e se os músicos são hábeis, é preciso assumir a batuta!

Isso é que deveríamos pedir ao Presidente.

            Encerro, Sr. Presidente, fazendo referência à música que ontem ouvi na Igreja:

Quando o dia da paz renascer, quando o sol da esperança brilhar, eu vou cantar. Quando o povo nas ruas sorrir, e a roseira de novo florir, eu vou cantar./Quando as cercas caírem no chão, quando as mesas se encherem de pão, eu vou cantar. Quando os muros que cercam os jardins, destruídos, então, os jasmins vão perfumar. Refr.: Vai ser tão bonito se ouvir a canção cantada de novo. No olhar do homem a certeza do irmão. Reinado do Povo.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/06/2005 - Página 20344