Discurso durante a 86ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Solicita políticas públicas e decisão política para a eliminação da hanseníase do cenário nacional.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Solicita políticas públicas e decisão política para a eliminação da hanseníase do cenário nacional.
Aparteantes
Marco Maciel, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 21/06/2005 - Página 20359
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • DEFESA, INVESTIGAÇÃO, DENUNCIA, CORRUPÇÃO, REFORÇO, PLENITUDE DEMOCRATICA, ESTADO DE DIREITO, RESPONSABILIDADE, CONGRESSO NACIONAL.
  • GRAVIDADE, DADOS, HANSENIASE, BRASIL, ATRASO, ERRADICAÇÃO, DOENÇA TRANSMISSIVEL, IMPORTANCIA, DECISÃO, GOVERNO, UNIÃO FEDERAL, ESTADOS, SOCIEDADE CIVIL, RESPONSABILIDADE, POLITICA SANITARIA, CONTROLE, SAUDE PUBLICA, SOLICITAÇÃO, ATENÇÃO, MINISTERIO DA SAUDE (MS).

            O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Demóstenes Torres, inicialmente agradeço ao Senador Cristovam Buarque a gentileza de ter cedido o espaço de uso da tribuna para que eu pudesse trazer uma contribuição ao debate.

            Não me reportarei ao tema da crise política que estamos vivendo porque já o fiz há três dias. E entendo que os campos de batalha estão delimitados entre Governo e Oposição e teremos todo o tempo para um exercício de cidadania, de responsabilidade política do Parlamento para investigar, por meio da CPMI, esse episódio, esclarecendo a verdade da maneira clara que a Nação nos impõe agora. Que a justiça seja feita nesse episódio e quem tiver culpa que seja punido, que pague o preço perante a opinião pública, seja com a perda de mandato, com prisões, ou o que quer que seja.

            Acredito que temos o dever de afirmar o Estado democrático de direito por meio das nossas ações e o Parlamento tem uma enorme responsabilidade neste momento. É hora de repensar o papel dos Partidos políticos no Brasil diante da crise que estamos vivendo, de repensar a responsabilidade do Congresso Nacional, sua credibilidade perante a opinião pública e, sem dúvida alguma, o próprio desenho do Estado.

O assunto a que quero me reportar diz respeito às chamadas doenças órfãs, como é o caso da hanseníase. O Brasil ainda é o primeiro País em número de casos no mundo. Há uma dívida histórica com a sociedade brasileira, por seus gestores, no que diz respeito à eliminação dessa doença.

A Organização Mundial de Saúde, em 1991, estabeleceu como meta para o povo brasileiro que, em 2000, nós teríamos a eliminação da hanseníase. Essa meta foi redesenhada em 2000 e 2001 e sua eliminação ficou prevista para 2005. Mas já temos a informação oficial de que não será possível o cumprimento dessa meta. Essa é uma situação que aflige os sanitaristas do Brasil, a Sociedade Brasileira de Dermatologia, os gestores de saúde pública.

Penso que temos o dever de fazer uma reflexão no meio de tanta confusão sobre um tema como esse. É uma doença órfã, é uma doença de pobres, em regra, uma doença de excluídos.

É verdade, Senador Mão Santa, que, na Antigüidade, ela atingia reis, como o rei Ozias, no século VIII a.C, e o Rei Balduíno. Está em cartaz um belíssimo filme, “Cruzada”, em que mostra que o Rei Balduíno, nos idos de 1180, era vítima da hanseníase e que isso gera uma crise de domínio cruzado em toda a Palestina.

Essa história lembra São Francisco de Assis, que foi quem rompeu com aquilo que está descrito no Levítico, da Bíblia, que conta que a segregação era absoluta, a condenação de vida para pessoa vítima da doença ainda chamada lepra era a segregação nas cavernas.

Hoje em dia, temos todos os instrumentos para eliminação dessa doença e não custa dinheiro, custa apenas decisão política, responsabilidade sanitária e ação de governo envolvendo a sociedade. E refiro-me a todas as esferas de Governo, Federal, Estadual e Municipal, e a sociedade como um todo. Com a eliminação dessa doença, levaremos adiante aquilo que poderia ser um extraordinário motivo de orgulho e satisfação da sociedade brasileira.

Nesses 500 anos, o Brasil poderia comemorar a qualquer momento a eliminação dessa doença do cenário nacional. Mas, infelizmente, ainda não será este ano. Teremos que repactuar com a sociedade, com os governos, com os meios de comunicação.

Fico imaginando o que isso significaria. Se custasse tanto... Mas é uma doença cujo tratamento é de baixo custo, de fácil governabilidade e com alto impacto como referencial de dignidade das políticas públicas. Porém, mais uma vez, vamos adiar.

No Brasil, 12 milhões de pessoas com essa doença já foram tratadas e consideradas curadas. Temos 500 mil novos casos por ano. O Brasil tem 155 mil pessoas infectadas neste momento que apresentarão a doença nos próximos 10 anos. O tratamento é simples demais. Em alguns casos a cura se dá em seis meses; em outros casos já se faz experiência com dose única e em outros levam-se até dois anos de acompanhamento. Mas nós não damos ainda a resposta que a sociedade quer. Há basicamente 165 Municípios que são foco da doença hoje. A falta de controle leva a uma incidência maior de casos e uma ação de comunicação de massa bem definida, uma ação de diagnóstico e acompanhamento da população levaria a um controle e a meta de menos de um caso para cada 10 mil habitantes.

Enquanto na Região Sul há menos de um caso por 10 mil habitantes, na nossa Região Norte, são 10,7 casos por 10 mil habitantes. O meu Estado é um belo exemplo por ter conseguido dar passos decisivos. Na década de 70, no Acre, havia 105 casos de hanseníase em cada dez mil habitantes. Era a maior incidência no Brasil e perdurou por sessenta anos. Nos últimos vinte anos, uma ação de governo permitiu uma redução para menos de quatro e há chances de se eliminar a doença até o próximo ano.

Então, eu não entendo porque estamos hesitantes na luta contra essa doença. E não falo como uma crítica corrosiva ao Ministério da Saúde, que tem tantas virtudes, como a luta contra a hipertensão, a luta contra o diabetes, a luta contra as nefropatias, o programa de saúde bucal, “Brasil Sorridente”, de que tanto podemos nos orgulhar, o programa de saúde da família em expansão, a melhoria do financiamento público do SUS. Mas essa doença órfã fica esquecida e não há outra maneira de despertar a não ser falando, para tentar chamar a atenção, como faz hoje um agente da cultura brasileira, Ney Matogrosso, que tem dedicado parte de sua vida nesse debate, no sentido de chamar a atenção e invocar um pouco de sensibilidade.

Concedo um aparte, com muita alegria, ao eminente Senador Marco Maciel.

O Sr. Marco Maciel (PFL - PE) - Nobre Senador Tião Viana, quero felicitar V. Exª por trazer esse tema à consideração do Senado Federal. Como salientou V. Exª, essa é uma doença ainda marcada por muitos preconceitos. E se vêem de tempos remotos, posso dizer que esses preconceitos ainda são muito fortes no mundo e, de modo especial, nas cidades brasileiras. Observo que as pessoas têm receio de se aproximar quando sabem que se trata de uma pessoa sofrendo do mal de hanseníase. Governador de Pernambuco, tive uma preocupação grande em relação a essa questão, não somente criando políticas ativas, tentando dar uma melhor assistência, sobretudo na Mirueira, na região metropolitana do Recife, onde temos um hospital voltado para doentes desse mal e fazer voltar à vida útil pessoas que ali estavam recolhidas. Portanto, considero que, no País de hoje, que já alcançou inclusive certa expressão no campo econômico e no campo financeiro, não deveria haver mais espaço para doenças como a hanseníase, para a qual nos chama a atenção V. Exª. Espero que o apelo de V. Exª seja atendido e, mais do que isso, possamos nos empenhar em eliminá-la no Brasil. Esse é um projeto possível e não muito oneroso, como alerta V. Exª, grande especialista no assunto, médico e professor da Escola de Medicina.

O SR TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço a V .Exª, Senador Marco Maciel, sei da sua responsabilidade social como homem público e cristão que é.

De fato, essa doença faz parte da história da humanidade. A propagação dela viria desde Alexandre, o Grande, no século IV a.C, por meio de seus exércitos e soldados. E, hoje, discute-se muito a sua origem no leste da África, a partir do Congo, de onde teria migrado, pelo processo de mobilização das sociedades.

Mas temos ainda muitas indagações a responder sobre a origem dessa doença. O medo da contaminação, de fato, como V. Exª diz, está basicamente extinto hoje, salvo por estrita ignorância. Não há mais razão para receio de contato, de um abraço, de um beijo ou de um gesto de afeto de um hanseniano, porque não é assim que se pega a doença. É preciso muita exposição a muita carga bacteriana para que haja a ocorrência da doença, como está provado pelas peculiaridades genéticas da própria transmissão.

Uma doença que tem entre 5 mil a 50 mil anos não pode mais receber o tratamento que lhe é dado pelas sociedades atuais. Ocorrem, no mundo, 500 mil casos novos todos os anos. Cerca de 1,4 milhão de pessoas serão vítimas das deformidades nos próximos 10 anos. Isso é algo descabido de se imaginar.

Entendo que o Ministério da Saúde, na pessoa do Ministro Humberto Costa, que tanto tem zelado pela saúde pública, poderia refletir e fazer disso a grande prioridade do seu Governo, um canto onde toda semana ele refletisse e acompanhasse as metas de execução da política de controle e de eliminação da hanseníase no Brasil. Não custaria dinheiro algum, mas apenas a decisão política de colher o fruto e de mostrar para o País, com a maior alegria, que nos livramos de uma enfermidade que aumenta os preconceitos e os incômodos no dia-a-dia das famílias pobres, sobretudo.

Concedo um aparte ao eminente Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Tião Viana, V. Exª, realmente, é mestre. Recentemente, passou em um concurso - brilhantemente, em primeiro lugar - que tratava de doenças infecciosas e parasitárias. Podemos afirmar que a ciência médica é a mais humana das ciências e que o médico é o grande benfeitor da Humanidade. Formei-me em 1966 e vi, em grande escala, os deformados da lepra, que praticamente deixaram de existir depois do aparecimento da sulfona, em 1945. O mesmo aconteceu com a sua doença irmã, causada pelo agente Mycobacterium tuberculose, primo do Mycobacterium leprae, e com a hemoptise, que vi muito. Então, houve um avanço extraordinário. Feliz da ciência médica quando encontra pessoas como V. Exª, que se preocupam com o assunto. Avançamos muito, mas poderemos ser vencedores dessas duas enfermidades, que são uma vergonha para a evolução da Medicina, tão desenvolvida no nosso País. Recentemente, houve uma conquista enorme, uma vitória em relação a uma doença moderna, a AIDS, mas essas, milenares, ainda não conseguimos vencer. V. Exª é um nome. Uma oradora do PT, hoje, foi infeliz ao dizer que todos estamos sob suspeita. V. Exª é do PT e não está sob suspeita, nem seu irmão. Merecem, sim, os aplausos de todo o Brasil.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Muito obrigado, Senador Mão Santa. V. Exª, como médico, tem sensibilidade para com essa matéria, pois fez sua travessia de vida testemunhando as doenças do Nordeste, do Piauí e do Ceará, berço de sua escola médica.

Concluo, pedindo que o Ministério da Saúde reflita mais uma vez, pois precisamos de uma força-tarefa sustentada sobre esse tema. O custo é baixíssimo para o Governo, e a colaboração e a sensibilidade dos meios de comunicação, a exemplo do que tem feito a Rede Globo, são algo factível, que se pode, de fato, assegurar em uma parceria com a sociedade.

A MORHAN, organização não-governamental que apóia a luta contra essa doença, faz um belíssimo trabalho.

No meu Estado, um homem apenas, Dr. Willian Woods, que já recebeu, inclusive, o prêmio de Cavaleiro da Coroa Inglesa, concedido pela Rainha Elizabeth por sua luta contra essa doença, conseguiu fazer, em poucos meses, o estudo de mais de 15% da população do Estado, caso a caso, subindo os rios, entrando nas estradas e nas áreas isoladas. Por que o País não pode enfrentar essa enfermidade, quando, entre mais de 5,5 mil Municípios, basicamente 165 constituem-se nos focos relevantes de transmissão da doença?

Espero, sinceramente, que possamos homenagear, na luta contra essa doença, os grandes pesquisadores da Medicina tropical, como Gaspar Vianna, Carlos Chagas, Oswaldo Cruz e Souza Araújo, que percorreu, durante todo o século XIX, os rios amazônicos, descrevendo o drama que afligia as populações que ali viviam. Dessa forma, poderemos sentir orgulho do País em que vivemos e das riquezas e dos valores humanos que devem fundamentar, de fato, a República.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR TIÃO VIANA EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e §2º do Regimento Interno.)

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Matérias referidas:

“Hanseníase surgiu na África, sugere DNA” e “Programa de Eliminação da Hanseníase”.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/06/2005 - Página 20359