Discurso durante a 87ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem a Leonel Brizola, relembrando sua atuação na vida política brasileira.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem a Leonel Brizola, relembrando sua atuação na vida política brasileira.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Marco Maciel, Paulo Paim, Sibá Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 22/06/2005 - Página 20448
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, LEONEL BRIZOLA, EX GOVERNADOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), EX-DEPUTADO, LIDER, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DEMOCRATICO TRABALHISTA (PDT), ELOGIO, VIDA PUBLICA, COLABORAÇÃO, DEMOCRACIA, HISTORIA, BRASIL, AMBITO, REFORMA AGRARIA, EDUCAÇÃO, NACIONALISMO.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, aqui estou hoje para homenagear um grande brasileiro, um excepcional líder político gaúcho. Refiro-me ao engenheiro Leonel de Moura Brizola, cuja morte aos 82 anos ocorreu exatamente há um ano.

Leonel Brizola, por sua vasta obra política, por sua visão aguda da conjuntura nacional e internacional, foi um grande estadista, um verdadeiro estadista, embora não tenha assumido, como se esperava, a Presidência da República. Reivindicou para si o título de herdeiro de Getúlio Vargas e de João Goulart.

Leonel Brizola foi um extraordinário comandante político numa geração que contou com outros homens de grande envergadura. Eu citaria, para exemplificar, apenas três dos seus contemporâneos: Tancredo Neves, Ulysses Guimarães e Miguel Arraes.

Brizola é um homem político cuja biografia, com o passar do tempo, cada vez mais se engrandecerá. Julgado pela História, ele terá, enfim, reconhecida a sua grande colaboração a este País.

Inicio este pronunciamento relatando um episódio que ilustra bem a grandeza desse homem. Na eleição de 1989, passaram para o segundo turno os candidatos Fernando Collor, que teve 22 milhões de votos, que correspondiam a 28,5% dos votantes, e Luiz Inácio Lula da Silva, com 11,6 milhões de votos, correspondendo a 16% dos votos.

Em terceiro lugar, ficou Leonel Brizola, que recebeu 11,1 milhões de votos - ali, colado em Lula. Depois, em quarto lugar, vinha Mário Covas, que teve 7,8 milhões de votos.

É importante salientar que, exatamente em uma hora como essa, Brizola procurou Lula dizendo: “Você tirou o 2º lugar; eu tirei o 3º e o Covas, 4º. Ficaram você e o Collor, mas eu tenho a convicção de que, para ganhar do Collor, o homem é o Covas. O Covas tem todas as condições, porque contra você se levantarão muitas campanhas, muitas forças empresariais, de tudo o que se possa imaginar. Contra o Covas, não há nada”. O Lula reuniu o seu Partido, e o PT não concordou. Eu até respeito que o PT não tenha concordado, mas acho importante destacar o mérito de o Brizola, àquela altura, procurar o Lula para encontrar o nome. E, a esta altura, nós sabemos, não há dúvida nenhuma de que o Covas teria ganho do Collor. O Covas estava mais preparado. O Covas não receberia - até digo, quase que ingenuamente - os ataques grosseiros por parte do Collor. E o Covas não teria um programa de televisão cruel, como a Globo fez sobre o debate entre Lula e Collor, que, na minha opinião pessoal, definiu a eleição. E um programa que não correspondia à realidade. Eu, governador, assisti até o fim, e acho que o Collor foi melhor, porque o Lula não respondeu como devia ter respondido. Quando se falou na filha dele, ele deveria ter dito: “Eu reconheci minha filha. Minha filha hoje tem o meu nome. Enquanto que você...” E aí, meu Deus do céu, o que podia ser do Collor!? Brizola teve essa grandeza.

Ainda há um outro episódio peculiar naquela mesma eleição e que mostra como o acaso pode ter influência na vida de um país. O então Senador Maurício Corrêa - que viria a ser, depois, Presidente do Supremo Tribunal Federal - quis reunir em Brasília, na casa dele, Brizola e Itamar Franco. Maurício Corrêa achava que, tendo Itamar Franco como vice na sua chapa, Brizola seria imbatível.

Houve um contratempo qualquer e o encontro entre Brizola e Itamar acabou não se realizando. Em função do desencontro e de outros acontecimentos, Itamar acabou sendo vice de Fernando Collor de Melo, e assumiu o Governo. Se Itamar fosse o vice de Brizola, provavelmente a chapa vitoriosa seria a deles.

O candidato a vice de Brizola, naquela ocasião, não representava nada, com todo o respeito a ele. E se Itamar tivesse sido o vice-Presidente, mudaria a situação de Minas Gerais.

Preciso mencionar aqui um outro fato extraordinário da vida desse grande líder político. Refiro-me ao episódio histórico da chamada “Legalidade”.

Naquele evento dramático, ocorrido num momento muito grave da vida nacional, Leonel Brizola mostrou-se disposto a um sacrifício ainda maior do que abrir mão de uma simples candidatura. Dispôs-se a lutar, e, se necessário, morrer debaixo das bombas que ameaçaram o Palácio Piratini. Mas ele disse que resistiria até o fim, lutando pela posse do Presidente João Goulart.

Em 1961, quando da renúncia de Jânio Quadros, forças conservadoras tentaram impedir a posse do vice-Presidente eleito, João Goulart, que se encontrava em viagem à China.

Os golpistas pretendiam que uma junta militar assumisse o Governo do País. Para comandar a reação, Brizola requisitou uma importante emissora do Rio Grande do Sul, a Rádio Guaíba, cujos estúdios foram instalados dentro do Palácio Piratini. Aos poucos, outras emissoras do Brasil inteiro se juntaram à Guaíba e foi criada a chamada “Cadeia da Legalidade”. Logo as transmissões estavam chegando a todo o Brasil.

Diante da ação corajosa de Leonel Brizola, os golpistas recuaram. Em meio à crise, o Congresso Nacional achou uma fórmula intermediária para garantir a posse de João Goulart. Instalou-se o Parlamentarismo. Em resumo, com um microfone, Leonel Brizola derrotou os militares com toda a sua força. Sua resistência foi essencial para que João Goulart assumisse a Presidência da República.

Leonel Brizola foi um homem de reconhecida probidade, dignidade e seriedade, assim como o foram também os grandes políticos trabalhistas do Rio Grande do Sul, como Getúlio Vargas, João Goulart, Alberto Pasqualini e Salgado Filho.

Brizola casou-se com uma mulher extraordinária, Dona Neuza, que era proveniente de família abastada. Dona Neuza era irmã de João Goulart. Conta-se que, certa vez, Leonel Brizola herdou uma fazenda da família da esposa e nela fez o seu pioneiro programa de reforma agrária.

É a única notícia que se tem de alguém que, tendo uma fazenda, fez questão de distribuí-la, realizando um autêntico projeto de reforma agrária, lá no Banhado do Colégio, em terras de sua propriedade. Uma herança que ele, nascido pobre, que praticamente nada tinha, poderia valorizar. Era a sua chance de transformar-se em fazendeiro. Não fez isso, e colaborou para a reforma agrária.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - V. Exª me permite um aparte, Senador Pedro Simon?

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Mais tarde, como Governador, tomou medidas concretas para que se iniciasse, por fim, o processo da reforma agrária no Rio Grande do Sul.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Leonel Brizola teve um início de vida muito duro. Seu pai foi assassinado brutalmente nas lutas entre Chimangos e Maragatos. Foi criado por sua mãe, mulher de grande valor. Garoto ainda, foi para Porto Alegre. Na capital, trabalhou como ascensorista e como engraxate, até conseguir uma vaga no Instituto Agrícola de Viamão. Formou-se ali e, a seguir, estudou engenharia.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - V. Exª me permite um aparte, Senador Pedro Simon?

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Ouço V. Exª, com prazer, Senador Paulo Paim.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Também peço um aparte, Senador Pedro Simon.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Pois não.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Pedro Simon, o tempo urge, mas gostaria de dizer uma frase. Pedro Simon, nosso Senador, V. Exª foi companheiro de Leonel Brizola nessa longa caminhada em defesa da democracia. Brizola lembra educação e lembra a questão da reforma agrária, como V. Exª cita. Mas V. Exª, que é um grande homem, de forma generosa, lembra nomes do Rio Grande: João Goulart, Leonel Brizola, Alberto Pasqualini, Getúlio Vargas. Vou terminar dizendo que, entre os grandes políticos do Rio Grande, quero que fique também registrada a figura de V. Exª, Senador Pedro Simon. Só isso. Obrigado, Senador.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - A amizade leva a gente a cometer equívocos. Mas agradeço a amizade de V. Exª.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - V. Exª me concede um aparte?

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Pois não.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senador Pedro Simon, neste momento da solenidade, quero de público, em nome do PT, fazer também um agradecimento. Refiro-me àquele momento, em 1989, do segundo turno das eleições presidenciais em que Leonel Brizola e Mário Covas sobem ao palanque de Lula, em São Paulo. Naquele momento, a arrancada para o segundo turno fez com que essas forças chegassem a mais de trinta milhões de votos - o que não é um número pequeno. Além de tudo o que já foi dito por V. Exª e demais Senadores em homenagem a Leonel Brizola, aquele momento precisa também ser registrado. Apesar de todas as críticas que já foram feitas de ambos os lados, na construção da virada de página do Brasil pela redemocratização, aquele momento é impagável. Por isso, agradeço a V. Exª, em nome do PT, e felicito V. Exª pelo discurso.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Muito obrigado, Senador.

Em 1945, juntamente com outros líderes sindicais, fundou o primeiro núcleo gaúcho do PTB, o Partido Trabalhista Brasileiro. Um ano depois, elegeu-se Deputado à Assembléia Constituinte Estadual. Em 1954, tornou-se Deputado Federal, com a maior votação até então alcançada no Rio Grande do Sul. Um ano depois, deixou o mandato para assumir a Prefeitura de Porto Alegre.

Como Prefeito de Porto Alegre, teve desempenho excepcional. Já naquela época, criou várias obras viárias que só bem depois tiveram seu valor reconhecido. Brizola tinha uma visão de futuro.

Depois, em 1958, assumiu o Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Ali desenvolveu uma gestão de altíssima qualidade, que acabou por destacar nacionalmente o seu nome. Mostrou que era, acima de tudo, um entusiasta da Educação. Fez algo que até hoje impressiona: construiu 5.500 escolas no Rio Grande do Sul.

À frente do governo gaúcho, enfrentou e venceu empresas multinacionais. Acabou encampando companhias que exploravam a telefonia e a energia elétrica. Com essas encampações, passou a ser conhecido internacionalmente. Temos aqui uma outra marca de sua atuação política: era um verdadeiro nacionalista. Levou adiante grandes obras: criou a Aços Finos Piratini; instalou a Refinaria Alberto Pasqualini.

Em 1962, ainda Governador gaúcho, Brizola candidatou-se e foi eleito Deputado Federal pelo então Estado da Guanabara. Em 1964, novamente, tentou mobilizar a sociedade contra o golpe militar. Não conseguindo, exilou-se no Uruguai, de onde foi expulso com o golpe militar naquele país, em 1977, mudando-se, daí, para Portugal.

Depois da ditadura de 1964, sofreu um duro exílio que durou mais de 15 anos. Na verdade, Brizola quis reagir ao golpe. Insistiu com João Goulart para que não entregasse o cargo. Eu lá estava e me lembro muito bem quando Brizola dizia a Jango: “Me nomeie Ministro da Fazenda e nomeie o General Ladário Ministro da Guerra.” Lamentavelmente, o General Ladário dizia que já havia grandes deserções e que a resistência seria realmente difícil.

E João Goulart, evitando uma guerra civil, viajou para o Uruguai. E Brizola, no seu exílio, tentou, de todas as formas, criar um movimento de resistência aqui no Brasil.

Com a anistia de 1979, Leonel Brizola voltou ao Brasil e fundou o seu próprio partido. Nós, do PMDB, achávamos que a oposição deveria permanecer unida num só partido. Os militares queriam nos dividir. Pensávamos que só depois da Assembléia Nacional Constituinte deveria ser aberto o leque partidário.

Inicialmente, Brizola tentou recriar o antigo e querido PTB, mas a sigla foi apropriada por Ivete Vargas. Então, ele fundou o Partido Democrático Trabalhista, o PDT, que comandou por toda a sua vida.

O SR. PRESIDENTE (Alvaro Dias. PSDB - PR. Fazendo soar a campainha.) - Senador Pedro Simon, peço a V. Exª que conclua.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Sr. Presidente, não sei quando vai acontecer o outro.

O SR. PRESIDENTE (Alvaro Dias. PSDB - PR) - V. Exª já teve mais de vinte minutos.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Ah, não. Eu não tenho mais do que nove minutos, Sr. Presidente. Perdoe-me a sinceridade. Eram 15h48min quando assumi o poder.

O SR. PRESIDENTE (Alvaro Dias. PSDB - PR) - V. Exª começou a falar às 15h32min.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Os militares queriam nos dividir. Pensávamos que só depois da Assembléia Nacional Constituinte deveria ser aberto o leque partidário.

Brizola tentou criar o PTB, mas conseguiu criar o PDT.

Depois do retorno ao Brasil, Brizola elegeu-se duas vezes Governador do Rio. Em 1982, elegeu-se após uma contagem paralela dos votos sob seu comando, porquanto foi constatada, logo em seguida, uma fraude enorme decorrente de programa adulterado usado pela Justiça Eleitoral. Em 1991, voltou ao Governo do Rio, onde permaneceu até 1994.

É extraordinário lembrar a administração de Brizola no Rio de Janeiro. Os Cieps são talvez a fórmula mais espetacular de educação que se conhece em toda a América Latina. Os Cieps que ele construiu ofereciam educação com tempo integral, pois não adiantava, segundo ele, manter a criança na escola por quatro horas, e, o resto do tempo, ela ficar na rua. Também não adiantava ir à escola com fome, não tendo o que comer. O Ciep foi uma organização extraordinária, talvez uma das mais bonitas criações do sistema educacional brasileiro.

Encerro este meu pronunciamento, Sr. Presidente, dizendo que Brizola foi realmente um verdadeiro estadista, um dos maiores políticos do século XX. Digno, de honestidade comprovada, sério, totalmente voltado para a vida pública, administrador de visão, gestor competente, corajoso, humanista e legalista. Esse era Leonel Brizola, um homem que merece o respeito de todos os brasileiros.

Leonel Brizola alinha-se entre os maiores políticos brasileiros deste último século, ombreando-se com Getúlio Vargas, Juscelino, Tancredo, Ulysses e Alberto Pasqualini.

Leonel Brizola deixou o exemplo de trabalho incessante e incansável a todos nós que nos dedicamos à vida pública, independentemente da linha política adotada por nós individualmente.

Aos integrantes do seu Partido Democrata Trabalhista, aos seus familiares envio as mais calorosas homenagens.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Permita-me, apenas...

O SR. PRESIDENTE (Alvaro Dias. PSDB - PR) - Peço a compreensão do Senador Suplicy, pois não há mais possibilidade de apartes.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - A minha solidariedade ao pronunciamento do Senador Pedro Simon, cumprimentando-o pela bonita homenagem que faz ao ex-Governador, Deputado Brizola. Meus cumprimentos a V. Exª.

O Sr. Marco Maciel (PFL - PE) - Senador Pedro Simon, rapidamente, gostaria de solidarizar-me com as palavras de V. Exª a respeito do notável homem público que foi o Governador Leonel Brizola. Acho que a história fará justo reconhecimento de sua obra e sobretudo de sua conduta. Muito obrigado a V. Exª.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Agradeço a compreensão de V. Exª, Sr. Presidente.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/06/2005 - Página 20448