Discurso durante a 87ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Transcurso dos 75 anos da Revolta de Princesa, ocorrida no município de Princesa/PB.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Transcurso dos 75 anos da Revolta de Princesa, ocorrida no município de Princesa/PB.
Publicação
Publicação no DSF de 22/06/2005 - Página 20462
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, OCORRENCIA, HISTORIA, ESTADO DA PARAIBA (PB), REVOLTA, MUNICIPIO, PRINCESA ISABEL (PB), OPOSIÇÃO, GOVERNO ESTADUAL, DECLARAÇÃO, AUTONOMIA, GOVERNO MUNICIPAL, SUBORDINAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, REGISTRO, IMPORTANCIA, VALORIZAÇÃO, MEMORIA NACIONAL.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Há 75 anos ocorria, na Paraíba, a célebre Revolta de Princesa, acontecimento político importante e merecedor da justa evocação.

Resgatar a história e mantê-la viva na memória coletiva é dever de cada brasileiro, para que as lições do passado repercutam no presente, de modo a construirmos, a partir de erros e acertos que desvelam, um futuro melhor para o povo brasileiro.

O Município de Princesa, no início do século XX, participava discretamente da política paraibana. Além disso, a exemplo do que acontecia em todo o País nas primeiras décadas do período republicano, o poder local caracterizava-se por uma alternância, enfadonha e previsível, dos personagens das elites, situação freqüente no interior da Paraíba.

O atraso que marcou toda a Primeira República iria desembocar na Revolução de 30, capitaneada pelo Presidente Getúlio Vargas, movimento que galvanizou as insatisfações das forças políticas excluídas do processo decisório nacional.

Enquanto os insatisfeitos, em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, uniam-se para refutar os resultados das eleições presidenciais, outros acontecimentos de grande importância contribuíram para levar a minha querida Paraíba ao “olho do furacão”, ao centro nevrálgico do processo revolucionário.

Em 22 de outubro de 1928, João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque assumira a Presidência da Paraíba. Uma vez no poder, passou a desprestigiar os líderes do interior, auto-intitulados “coronéis”, elementos que João Pessoa considerava perniciosos à política paraibana.

Na opinião do Presidente do Estado, os coronéis, em regra, adotavam postura autoritária, mandamental e refratária a qualquer controle por parte do Governo ou da sociedade, a ponto de resistir ao pagamento de tributos.

Em 19 de fevereiro de 1930, João Pessoa viajou para a cidade de Princesa, com o objetivo de contornar uma crise resultante da divergência entre o seu governo e as elites locais, na composição de uma chapa para Deputado Federal. Lá chegando, desentendeu-se com o famoso coronel José Pereira Lima, com quem acabaria rompendo politicamente.

Dias após, o Presidente do Estado decidiu, em represália a José Pereira, retirar do Município os funcionários estaduais, além de demitir dos empregos públicos os seus parentes e exonerar o Prefeito e o Vice-Prefeito de Princesa, também indicados pelo coronel - era um tempo em que havia uma espécie de ditadura forte.

No pequeno Município, o adjunto do Promotor também acabou defenestrado, bem como os subdelegados dos distritos de Tavares, Belém, Alagoa Nova e São José. O juiz Clímaco Xavier, de sua parte, decidiu abandonar a cidade, em razão da ausência de garantias para o exercício da judicatura.

A situação política na Paraíba esgarçou-se a ponto de caminhar para a luta armada. O coronel José Pereira podia fazer uso de grande quantidade de armas, que lhe foram repassadas anteriormente, pelo próprio Governo estadual, para que, desde Princesa, combatesse os cangaceiros de Lampião e a Coluna Prestes, de inspiração socialista.

Em 24 de março de 1930, 150 homens fiéis a José Pereira conseguiram expulsar as tropas do Governo estadual que invadiram o Município, após dez horas de luta sangrenta e encarniçada.

Uma segunda investida seria logo tentada pelas tropas da Polícia Estadual, com um contingente aproximado de 200 homens fortemente armados, e que ainda contavam com os préstimos de um feiticeiro para lhes proteger espiritualmente.

A emboscada sofrida por esse grupo no povoado de Água Branca resultou, no dia 5 de julho de 1930, em baixas superiores a 100 mortos e 40 feridos, sendo o feiticeiro - ele não era bom de feitiço - a primeira vítima fatal.

Em Princesa, o vitorioso José Pereira fez publicar, juntamente com o Prefeito José Frazão de Medeiros Lima, o Presidente da Câmara de Vereadores, Manoel Rodrigues Sinhô, e o Vereador Antônio Cordeiro Florentino, na primeira página do Jornal de Princeza, o Decreto nº 1, declarando a autonomia político-administrativa, em caráter provisório, da cidade rebelada. Era a República de Princesa.

Pelo documento, a rebelde Princesa, contornando o Executivo paraibano, estaria subordinada apenas - e diretamente - ao Governo Federal.

O pitoresco texto legal chegou a ser lido no Senado da República, e sobre o seu conteúdo manifestaram-se jurisconsultos de notório saber, como Paulo Lacerda e Clóvis Bevilácqua, que reputaram inconstitucional o desmembramento almejado.

Àquela altura, o Município, que chegou a convidar Lampião para cerrar fileira ao lado de suas tropas, já contava com seu próprio hino, bandeira, leis, jornal, ministros, Exército e dinheiro próprio. O Município começou a imprimir seu próprio dinheiro.

O Governo da Paraíba lançou panfletos à população, por via aérea, em 6 de junho de 1930, ameaçando a cidade de bombardeio iminente. Alugaram um avião chamado Garoto, que bombardearia Princesa, se, em exíguas 24 horas, os revoltosos não aquiescessem em depor as armas.

O bombardeio anunciado não se concretizou, e o coronel José Pereira seguiu fustigando as tropas da polícia estadual, em várias cidades paraibanas.

Entrementes, no Recife, às 17 horas do dia 26 de julho de 1930, o advogado João Duarte Dantas, motivado por razões políticas e, sobretudo, particulares, matou João Pessoa a tiros, no interior da Confeitaria Glória.

Esse grave fato político, que acabou sendo o detonador da própria Revolução de 30, causou comoção na Paraíba, esvaziando a revolta em Princesa. José Pereira, que a essa altura dizia ter perdido o gosto pela luta, entrou em acordo com o Presidente Washington Luís para sacramentar o desejado armistício.

Em 11 de agosto de 1930, o Governo Federal retomou a cidade de Princesa, que não ofereceu qualquer resistência às tropas federais.

Posteriormente, os insurretos foram perseguidos e torturados pelos soldados da Polícia Estadual, sendo que o conflito deixou um saldo total de seiscentas baixas. Em 1934, o aguerrido coronel José Pereira, já anistiado, passou a residir na fazenda Abóbodas, na região de Serra Talhada, em Pernambuco.

Srªs e Srs. Senadores, faço votos para que o episódio interessante que apresentei a esse Plenário desperte o interesse da inteligência nacional para a riqueza da história do nosso País, principalmente aquela que jaz esquecida nos Estados e nas regiões menos privilegiadas, que vêm sendo postas à margem da atenção nacional.

Acontecimentos como esse, capitaneado pelo coronel José Pereira, auxiliarão a historiografia brasileira a melhor entender esse imenso e admirável País, de perfil complexo, rico, seminal e multifacetado.

Rogo a Deus para que eventos como o da Revolta de Princesa, pelo imenso valor que encerram, despertem o interesse da própria indústria cultural, para que a sua produção seja capaz de motivar o público, nas telas dos nossos cinemas, à reflexão aprofundada do que fomos, do que somos, e, acima de tudo, do que almejamos ser: uma Nação próspera e feliz, em que a cultura e a memória das áreas hoje situadas na periferia dos eixos de poder tenham seu imenso valor reconhecido.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/06/2005 - Página 20462