Discurso durante a 88ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Alerta para o perigo da automedicação estimuladas pelos meios de comunicação.

Autor
Papaléo Paes (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Alerta para o perigo da automedicação estimuladas pelos meios de comunicação.
Publicação
Publicação no DSF de 23/06/2005 - Página 20614
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • RECONHECIMENTO, IMPORTANCIA, NOTICIARIO, IMPRENSA, PROGRAMA, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, DIVULGAÇÃO, INFORMAÇÕES, SAUDE, NECESSIDADE, ADVERTENCIA, RISCOS, POPULAÇÃO, UTILIZAÇÃO, MEDICAMENTOS, ALTERNATIVA, MEDICINA, FALTA, RECEITUARIO, PESQUISA CIENTIFICA, COMPROVAÇÃO, EFICACIA, SUBSTANCIA MEDICINAL.

           O SR. PAPALÉO PAES (PMDB -- AP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Senadores, revistas de grande circulação e programas de elevada audiência, do rádio e da televisão, costumam difundir muita matéria jornalística sobre questões de saúde. novos tratamentos, novos remédios, novas modalidades de ginástica, benefícios recém-descobertos de antigas drogas -- a toda hora somos bombardeados com esse tipo de notícia. o que buscam jornais, revistas e estações de rádio e televisão, com tal procedimento, é atender a uma demanda específica, qual seja, o interesse da população por informação sobre terapias curativas ou procedimentos preventivos das moléstias mais comuns, ou mais temidas.

           Esse interesse, em si, é bom e deve até ser estimulado. a preocupação com a própria saúde leva as pessoas, quando bem informadas, à adoção de condutas saudáveis -- como a alimentação equilibrada e a prática regular de exercícios físicos -- e à fuga de hábitos nocivos -- como o sedentarismo, o tabagismo ou a ingestão exagerada de gordura, de sal e de proteína animal, ou o abuso do álcool. o dr. dráusio varela, nesse quadro, é exemplo de propagador, por meio dos meios de comunicação, de boa informação e conselhos válidos de saúde.

           Se todas as reportagens apresentadas nos meios de comunicação contivessem, como as intervenções do dr. varela, apenas informação correta e adequada ao entendimento das pessoas leigas em medicina, nenhum reparo teríamos a fazer a sua difusão. discutível, porém, é a qualidade da informação contida na maioria das reportagens. infelizmente, é muito fácil, para jornalistas e responsáveis pela pauta dos órgãos de comunicação, fazer sensacionalismo com novidades, sejam terapias esotéricas da moda - as chamadas “medicinas alternativas”, sem qualquer fundamentação científica - ou medicamentos anunciados como revolucionários pelos laboratórios farmacêuticos.

           É curioso, Sr. Presidente, Srªs e Senadores, como duas inclinações tão contrárias exercem igual fascínio sobre as pessoas e são, por isso mesmo, exploradas pelos órgãos de comunicação: de um lado, a contestação irresponsável do saber oficial e legalmente reconhecido, evidente na busca de alternativas não-científicas à medicina; do outro lado, certa idolatria, igualmente irracional, à ciência e à tecnologia, manifesta na expectativa dos chamados “milagres da técnica”. se a primeira atitude dá oportunidade ao sucesso de todo tipo de charlatanismo, a segunda abre caminho à publicidade dos grandes laboratórios farmacêuticos.

           Esses grandes conglomerados transnacionais, por sinal, estão muitas vezes por trás da publicação dessas matérias, que constituem, na verdade, propaganda - nada barata - disfarçada de jornalismo informativo. embora, como dito, a preocupação com a saúde seja saudável, em princípio, a má orientação, motivada pelo ânimo contestatário do esoterismo, e a mitificação de panacéias, promovida pela ganância dos laboratórios, podem ser muito prejudiciais à população, sobretudo quando estimulam as pessoas ao costume, muito comum em nosso país, da automedicação.

           Neste mês de abril, por exemplo, noticiou-se que a ingestão diária de aspirina propiciaria, a pessoas de idade acima dos 50 anos, uma redução significativa dos riscos de ataques cardíacos e derrames. o boletim da bbc brasil na internet, no dia 13 de abril, mencionava a recente aceitação, para publicação no british medical journal, do relatório de um estudo realizado no reino unido com 2 mil e 500 pacientes, ao longo de 25 anos. esse estudo, segundo a reportagem, teria comprovado o benefício de doses diárias de aspirina a pessoas dessa faixa etária.

           A matéria da bbc brasil, justiça seja feita, até que é correta, porque adverte o leitor para os riscos associados à ingestão regular de aspirina por longo período, como os de sangramento no estômago e de reação alérgica. ressalta, ainda, a necessidade de acompanhamento médico de qualquer uso rotineiro de remédios. a matéria, porém, não informa o leitor de que o dr. peter elwood, da universidade de cardiff, no país de gales, autor do estudo em questão, já tem trabalhos publicados sobre benefícios da aspirina desde 1974 e é financiado pela aspirin foundation, organização bancada, entre outras empresas, pelas indústrias bayer ag, de leverkusen, na alemanha.

           Cabe lembrar que “aspirina”, na verdade, é o nome-fantasia registrado pela bayer para o ácido acetilsalicílico após a descoberta, em 1897, pelo bioquímico felix hoffman, empregado da empresa, do efeito dessa substância na redução das dores resultantes de artrite reumatóide. fica evidente, portanto, que não se trata de uma pesquisa desinteressada, se é que alguma existe.

           Outro mérito a ser destacado na matéria da bbc brasil é o fato de a sua reportagem mencionar, claramente, a dosagem de aspirina recomendada a partir do estudo do dr. elwood: nada mais que 75 miligramas diários -- muito menos que os 500 miligramas de um comprimido comum vendido nas farmácias ou mesmo que os cem miligramas da aspirina infantil comercial.

           Sr. Presidente, Srªs e Senadores, a relação entre o uso regular da aspirina e o risco reduzido de acidentes cardiovasculares já era conhecida -- ou pelo menos dela se suspeitava -- desde o início dos anos sessenta, não constituindo, portanto, grande novidade. a fronteira da pesquisa médica, nem sempre bem compreendida pelo grande público, está na busca da quantificação precisa dos supostos benefícios e da sua contrastação aos riscos. os médicos mais atualizados sabem disso muito bem e têm notícia desses experimentos muito antes, em seminários, congressos e por meio da circulação interprofissional de informações; os meios de comunicação, porém, vivem da venda de sensações que não correspondem à verdade objetiva dos resultados dessas investigações.

           O problema desse descompasso reside no fato de muitas pessoas lerem somente as manchetes ou ouvirem somente as chamadas para os programas na televisão. até mesmo as que lêem as reportagens ou assistem aos programas tendem, às vezes, a reter somente as frases mais retumbantes e a esquecer os pormenores que recomendam cautela. entre ouvir mal uma notícia e correr à farmácia para se abastecer da mais nova panacéia e se automedicar, muita vez, basta um passo.

           Não estou aqui defendendo qualquer tipo de censura ou proibição da divulgação de matérias jornalísticas de conteúdo médico, até porque reconheço a utilidade da boa informação sobre saúde para a melhoria das condições de vida da população. mas é preciso alertar todos, responsáveis pelos órgãos de comunicação e população em geral, quanto aos perigos da automedicação. o emprego não monitorado de antibióticos, por exemplo, pode causar o aparecimento de cepas resistentes de bactérias, prejudicando todos os pacientes que, no futuro, poderiam fazer uso do medicamento, não fora a resistência adquirida pelos microorganismos. outro risco conhecido da automedicação está precisamente no uso da aspirina para redução de dores e da febre em caso de dengue. o efeito anticoagulante dessa substância pode agravar as hemorragias da doença e levar até à morte do paciente.

           O que se faz necessário, portanto, em todas as reportagens sobre saúde, é que os responsáveis insistam sobre este ponto: somente se deve usar qualquer medicamento sob a supervisão de um médico.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/06/2005 - Página 20614