Discurso durante a 90ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários à demarcação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol, localizada no Estado de Roraima.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Comentários à demarcação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol, localizada no Estado de Roraima.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 25/06/2005 - Página 20896
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • REPUDIO, ORADOR, INDIO, CIDADÃO, ERRO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), PRAZO, RETIRADA, POPULAÇÃO, VILA, AREA, PRODUÇÃO, ARROZ, ATENDIMENTO, INTERESSE, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), AMBITO INTERNACIONAL, JUSTIFICAÇÃO, APRESENTAÇÃO, AÇÃO POPULAR, LIMINAR, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), OBJETIVO, SUSPENSÃO, EFEITO, PORTARIA.
  • REGISTRO, IRREGULARIDADE, ORGANIZAÇÃO FUNDIARIA, ESTADO DE RORAIMA (RR), TITULARIDADE, TERRAS, UNIÃO FEDERAL, PREVISÃO, AMEAÇA, INICIATIVA PRIVADA.
  • GRAVIDADE, FALTA, SEGURANÇA, FRONTEIRA, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, POSTERIORIDADE, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR).

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senadora Ideli Salvatti, também manifesto de público os meus sentimentos e de todo o povo de Roraima.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como é de amplo conhecimento, neste ano, mais precisamente no dia 15 de abril de 2005, o Presidente Lula homologou, de forma contínua, a reserva indígena Raposa/Serra do Sol, localizada no Estado de Roraima.

Trata-se de uma área de 1.743.089 hectares, situada nos Municípios de Normandia, Pacaraima e Uiramutã. Essa área corresponde a 10% do território de Roraima, que equivale ao espaço ocupado pelo Estado de Sergipe e representa três vezes o tamanho do Distrito Federal. Toda essa área será destinada a aproximadamente 15 mil (quinze mil) índios das etnias Ingaricó, Makuxi, Tauperang e Wapixana, que vivem na área. Cinco etnias.

A aludida homologação recaiu sobre a Portaria nº 534, de 2005, que, dentre outras disposições, prescreveu em seu art. 5º, parágrafo único, que fica proibido o ingresso, o trânsito e a permanência de pessoas ou de grupos de não-índios dentro do perímetro especificado, além de determinar que a extrusão (ou expulsão) dos não-índios presentes na área Raposa/Serra do Sol será realizada em prazo razoável, não superior a um ano, a partir de 15 de abril de 2005.

Sr. Presidente Alvaro Dias, gostaria de expressar mais uma vez, com este pronunciamento, a minha indignação com a demarcação da Raposa/Serra do Sol feita da forma como o foi. O Presidente Lula, contrariando todas as evidências que convergiam para a necessidade de uma demarcação com exclusão das vilas e da área de produção de arroz, homologou de forma contínua a reserva, da forma como propagavam as ONGs internacionais, encabeçadas pelo CIR - Conselho Indígena de Roraima. Vale dizer que essa indignação não é só minha, mas da quase totalidade dos habitantes índios e não-índios do meu Estado, principalmente da maioria dos índios que ocupam a área Raposa/Serra do Sol.

Resolvi, por conta dessa desastrosa homologação promovida pelo Presidente, ingressar com uma ação popular com pedido de Efeito Suspensivo Liminar no Supremo Tribunal Federal.

Argüi na ação que a Portaria nº 534, de 2005, e o correspondente decreto homologatório presidencial correspondem a atos administrativos divorciados de todo e qualquer bom senso. A homologação contínua agride frontalmente o princípio da razoabilidade, introduzido na Constituição pelo nosso Senador de Roraima Mozarildo Cavalcanti, a quem concedo um aparte.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Augusto Botelho, V. Exª, assim como eu, temos sido vozes permanentes aqui nesta Casa para chamar a atenção para esta questão, dizendo claramente que somos a favor, e sempre o fomos, da demarcação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol. Aliás, essa é a 35ª reserva a ser demarcada em nosso Estado, que tem uma população indígena de 8% e já tem reservas indígenas superiores à metade da área do Estado. Nós tivemos a oportunidade de participar da Comissão com V. Exª. Inicialmente, eu a presidi, e o Senador Delcídio Amaral era o Relator. Participou também o Senador Jefferson Peres. Fomos a Roraima, ouvimos todos e fizemos um relatório que foi encaminhado ao Presidente da República e ao Ministro da Justiça, mostrando não só o desejo da maioria dos índios que moram naquela área, como também todas as implicações técnicas e jurídica em relação ao interesse da soberania nacional, à questão das reservas estratégicas, à fronteira entre o Brasil e a Venezuela. Apesar de tudo isso e de existir uma liminar no Supremo sustando a demarcação até que se analisasse o mérito da ação, que começou lá em Roraima na Justiça Federal e que comprovou um monte de irregularidades, o Presidente demarcou a reserva. Eu prefiro dizer que tenha sido iludido pelo Ministro da Justiça, porque, Senador Augusto Botelho, V. Exª sabe, e é bom que o povo todo do Brasil saiba também, que o Supremo Tribunal Federal foi induzido a erro pelo Ministro da Justiça, que o Presidente da República considera o maior jurista do Brasil. V. Exª citou aí que a causa dessa demarcação era a Portaria nº 820. Quando a questão foi a julgamento, no dia 14 de abril, era apenas para decidir se a competência para julgá-la era do Supremo ou da Justiça Federal de Roraima. E o Supremo, inicialmente, acolheu a tese de que a competência era sua. Em seguida, o relator aduziu que tinha sido informado de que já tinha sido feita uma nova portaria. Portanto, todas as ações que se insurgiram contra a Portaria nº 820, como a sua, a minha, a da Deputada Sueli, e as de outros Parlamentares de Roraima, conforme foi dito pelo próprio relator, perderam o objeto. Não era verdadeiro que a Portaria nº 534 - essa que foi assinada depois - estivesse existindo, porque ela não tinha sido publicada; foi publicada no dia seguinte da decisão do Supremo. Então, o que ocorreu foi uma fraude jurídica contra a qual V. Exª já entrou com uma ação popular, eu também entrei com ação no Supremo, assim como o Governador do Estado. Espero que o Supremo não deixe embaixo do tapete uma molecagem que o Ministro da Justiça fez quando informou que existia uma portaria que não existia. S. Exª disse que tinha revogado a portaria. No outro dia, quando foi publicada, constatamos que S. Exª não só não revogou a portaria, como ratificou-a, com ressalvas mínimas, como a manutenção da sede do Município, que não podia extinguir. Quero dizer que é muito delicado ficarmos batendo nessa tecla, mas é importante que continuemos batendo. Quero felicitar V. Exª por isso, porque é preciso que a consciência nacional entenda que não se trata de um caso simples, que não estamos nos insurgindo apenas contra uma pequena reserva para 15 mil índios. No Estado de Roraima, temos uma reserva ianomâmi de 9 milhões de hectares, temos a reserva demarcada recentemente de 1,7 milhão de hectares e, ao todo, temos 50% do Estado, o que corresponde a mais de 12 milhões de hectares, destinados a reservas indígenas. Enquanto isso, os índios, de quem nos interessa cuidar, os seres humanos, estão totalmente abandonados pelo Governo Federal. Não fosse a ação do Governo Estadual e das prefeituras estariam morrendo à míngua, como estão os ianomâmis e os índios da reserva São Marcos. Portanto, quero cumprimentá-lo pela oportunidade do seu pronunciamento e dizer que estou solidário com V. Exª nessa luta.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Muito obrigado. O que me motivou a fazer esse pronunciamento foi um fato que vou relatar no final, ocorrido na região da Raposa Serra do Sol, próximo ao Marco BV-7, entre Boa Vista e Venezuela.

Tive oportunidade de esboçar na ação popular que o procedimento administrativo de demarcação da reserva Raposa Serra do Sol está eivado de toda sorte de vícios. Só para registro, posso citar o fato de o relatório do Grupo Interdisciplinar, previsto no procedimento, ter sido assinado por uma única pessoa, a antropóloga Maria Guiomar de Melo, representante da Funai, quando deveria ter sido assinado por outros 27 membros do Grupo Interdisciplinar, nomeados também pela Funai. Ademais, o procedimento demarcatório foi maculado pela parcialidade, pois dos 10 índios previstos para participarem no Grupo Interdisciplinar todos foram nomeados pelo Cimi (Conselho Indigenista Missionário), entidade que sempre defendeu a demarcação de forma contínua da reserva, deixando de fora as outras organizações indígenas, como a Sodiur, a Alidcir e a Arikon.

Muitos outros vícios podem ser verificados, bastando ler o relatório da Comissão de Peritos, cujos membros foram nomeados pelo MM. Juiz Federal Helder Girão. Foi com base nesse relatório que o mesmo juiz concedeu a primeira liminar, em sede de Ação Popular, suspendendo os efeitos da Portaria nº 820, de 1998, que previa a demarcação contínua da reserva Raposa Serra do Sol. Essa liminar foi mantida na 2ª Instância da Justiça Federal e pelo próprio Plenário do Supremo Tribunal Federal. Ressalte-se que o Judiciário se manifestou em peso sobre a necessidade de se manter intacta a área até que sobre o mérito viesse a se pronunciar.

Como se não bastassem os vícios procedimentais, desastrosas serão, para o equilíbrio socioeconômico do Estado, as conseqüências da demarcação contínua. Índios totalmente integrados, imiscuídos mesmo, à sociedade envolvente (formada por não-índios) serão submetidos a um indesejado isolamento - eles não querem ficar isolados e batem sempre nessa tecla. São índios que se ocupam do comércio, da lavoura, da pecuária, da política - temos um índio prefeito em Normandia, um vice-prefeito em Pacaraima e vários vereadores indígenas, sendo muitos deles, coincidentemente, tuxauas, que são os caciques, os chefes indígenas na nossa região. São índios que já constituíram família com os não-índios. Por isso mesmo, argüi na Ação Popular que a demarcação contínua terá o condão de subverter toda uma ordem que há décadas vem se cristalizando. Isso para não falar de não-índios que habitam a região há duas ou mais gerações e que terão, agora, que abandonar as terras. Vários projetos de vida, há anos construídos e consolidados, serão torpedeados pela desumanidade do Governo Lula.

Ocorrerá, por conta da malsinada demarcação, o desmantelamento da estrutura produtiva, sobretudo do arroz irrigado, que, plantado em uma pequena franja da reserva, tem obtido altos índices de produtividade, respondendo por 11% do PIB do Estado.

O relatório de peritos constatou também que a demarcação contínua provocará êxodo rural de índios e não-índios, potencializando os problemas decorrentes do inchamento urbano da Capital do Estado. A demarcação trará fortes reflexos imediatos na produção agropecuária do Estado de Roraima, comprometendo um longo trabalho de planejamento agrícola realizado por órgãos públicos e privados. Poderíamos aqui arrolar, até a exaustão, várias outras perversas conseqüências da demarcação, o que não vem ao caso.

Vale dizer também que praticamente todas as conclusões a que chegou a Comissão de Peritos, sob os nefastos efeitos provocados pela homologação contínua, foram corroborados pelo relatório das Comissões Externas do Senado e da Câmara, destinadas a examinar as demarcações de terras indígenas no Estado.

Sr. Presidente Alvaro Dias, Senador Paulo Paim, diante dessa esdrúxula homologação, resta-nos a indignação e as incertezas quanto ao futuro do Estado. A insegurança reina absoluta em Roraima, que até hoje não é titular de suas terras, que permanecem sob o injurídico e inconstitucional domínio da União.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Peço mais um minuto, Sr. Presidente.

Qual empresa se habilitaria a se implantar em Roraima diante desse quadro de total insegurança? Ao certo, amanhã, o terreno sobre o qual se assentar uma empresa poderá ser declarado como pertencente a uma área indígena.

Infelizmente, estamos retornando à economia do contracheque!

Passo a relatar o fato que ocorreu ontem na colônia do rio Miang.

A sede do Município de Pacaraima é localizada junto ao Marco BV-8, entre Brasil e Venezuela. Foram assentados pelo Marechal Rondon os Marcos BV-8 e BV-7. A colônia do Miang fica bem próxima ao Marco BV-6. E os colonos têm terreno tanto do lado do Brasil quanto do lado da Venezuela. Eles cultivam e vivem lá pacificamente com os índios.

Porém, um grupo de indígenas do CIR* (Conselho Indígena de Roraima) foi à área e seqüestrou três colonos, conforme relatado pelo jornal Folha de Boa Vista. E esses colonos foram resgatados pelos outros indígenas e pelos colonos que estavam lá. Nessa colônia só se chega pela Venezuela.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Encerro já, Sr. Presidente.

Os colonos Antônio Alves de Souza, de 44 anos, Antônio Ferreira e Otávio Gonçalves da Silva foram soltos por volta das 19 horas de anteontem. A Polícia Federal e os aviões da Funai sobrevoaram a área, inclusive invadindo o espaço venezuelano. Ou seja, estão fazendo arbitrariedades e descumprindo acordos internacionais.

Para encerrar, devo dizer que existe um contencioso entre a Venezuela e a Guiana em relação à fronteira. A franja do Brasil que está nesse ponto foi toda transformada em área indígena. Só existe uma unidade militar em Bonfim e outra na sede de Normandia. Estamos com a fronteira totalmente sem guarda. Se a nossa Polícia Federal invade o espaço deles com a maior facilidade, o inverso será verdadeiro. Quando Hugo Chávez resolver invadir a Guiana - penso que ele é capaz de fazer isso -, quem vai sobrar seremos nós.

O Lula errou. E seu erro na demarcação da reserva Raposa Serra do Sol só não foi pior do que não deixar a instalação da CPI do Waldomiro Diniz. Quando ele assim agiu, fez igual ao Fernando Henrique, quando não deixou ser instalada a CPI da Corrupção - todos quebraram a redoma de ética em que viviam, quando não deixaram ser instaladas essas CPIs -, e agora ele está sofrendo as conseqüências Que agüente o tranco então, porque ele não foi ético não deixando instalar a do Waldomiro Diniz.

Vamos lutar para reverter a demarcação da Raposa/Serra do Sol, até trocar o Lula e vir outro Presidente. Sou da quarta geração de índios lá de Roraima, sou de lá, não vou sair de lá e vou continuar lutando para respeitarem a vontade do meu povo, da minha gente, porque não foi a vontade da maioria da minha gente que foi respeitada quando demarcaram dessa forma.

Muito obrigado.

 

************************************************************************************************

SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR AUGUSTO BOTELHO.

************************************************************************************************

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) -

Ação Popular com pedido liminar no STF-Raposa/Serra do Sol”1[1]

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, como já é de amplo conhecimento, este ano, mais precisamente no dia 15 de abril de 2005, o Presidente Lula homologou, de forma contínua, a reserva indígena Raposa/Serra do Sol, localizada no Estado de Roraima.

Trata-se de uma área de 1.743.089 ha (um milhão, setecentos e quarenta e três mil, oitenta e nove hectares) situada nos Municípios de Normandia, Pacaraima e Uiramutã. Esta área corresponde a 10% do território de Roraima; é a uma área que correspondente à área ocupada pelo Estado de Sergipe e representa três vezes o tamanho do Distrito Federal. Toda essa terra será destinada a aproximadamente 15.000 (quinze mil) índios das etnias Ingaricó, Makuxi, Tauperang e Wapixana.

Aludida homologação recaiu sobre a Portaria nº 534 de 2005 que dentre outras disposições, prescreveu, em seu artigo 5º, parágrafo único, que fica proibido o ingresso, o trânsito e a permanência de pessoas ou grupos de não-índios dentro do perímetro especificado, além de determinar que a extrusão (= expulsão) dos não-índios presentes na área Raposa/Serra do Sol será realizada em prazo razoável, não superior a um ano, a partir de 15 de abril de 2005.

Sr. Presidente, gostaria de, neste pronunciamento, expressar a minha indignação com a demarcação da Raposa/Serra do Sol feita da forma como o foi. O Presidente Lula, contrariando todas as evidências que convergiam para a necessidade de uma demarcação descontínua, homologou de forma contínua a reserva. Vale dizer, essa indignação não é só minha, mas da quase totalidade dos habitantes não-índios do meu Estado e da grande maioria dos índios que ocupam a área.

Resolvi, por conta da desastrosa homologação promovida pelo Presidente, ingressar com uma Ação Popular com pedido de Efeito Suspensivo Liminar junto ao Supremo Tribunal Federal.

Argüi, na ação, que a Portaria nº 534 de 2005 e o correspondente Decreto Homologatório Presidencial, correspondem a atos administrativos divorciados de todo e qualquer bom senso. A homologação contínua, agride, frontalmente, o princípio da razoabilidade.

Sr. Presidente Srªs. e Srs. Senadores, tive oportunidade de esboçar, na Ação Popular, que o procedimento administrativo de demarcação da Raposa/Serra do Sol está eivado de toda sorte de vícios. Só para registro, posso citar o fato de o Relatório do Grupo Interdisciplinar, previsto no procedimento, ter sido assinado por uma única pessoa, a antropóloga Maria Guiomar de Melo, representante da FUNAI, quando deveria ter sido assinado por todos os 27 membros do Grupo Interdisciplinar, nomeados, também, pela FUNAI. Ademais, o procedimento demarcatório foi maculado pela parcialidade pois, dos dez índios previstos para participarem do Grupo Interdiciplinar, todos foram nomeados pelo Conselho Indigenista Missionário - CIR, entidade que sempre defendeu a demarcação contínua da reserva. Muitos outros vícios podem ser verificados, bastando ler o RELATÓRIO DA COMISSÃO DE PERITOS. Estes peritos foram nomeados pelo Meritíssimo Juiz Federal Elder Girão. Foi com base nesse relatório que o mesmo Juiz concedeu a primeira liminar, em sede de Ação Popular, suspendendo os efeitos da Portaria nº 820 de 1998, que previa a demarcação contínua da Reserva Raposa/Serra do Sol. Esta liminar foi mantida em 2º instância da Justiça Federal e pelo próprio plenário do Supremo Tribunal Federal. Veja que o judiciário se manifestou em peso sobre a necessidade de se manter intacta a área até que sobre o mérito viesse a se pronunciar.

Se não bastassem os vícios procedimentais, desastrosas serão, para o equilíbrio sócio-econômico do Estado, as conseqüências da demarcação contínua. Índios totalmente integrados à sociedade envolvente (formada por não-índios), serão submetidos a um indesejado isolamento. São índios que se ocupam do comércio, da lavoura, da política. São índios que já constituíram família com os não-índios. Por isso mesmo, argüi na Ação Popular que a demarcação contínua terá o condão de subverter toda uma ordem que a décadas se vem cristalizando. Isso para não falar de não-índios que habitam a região há duas ou mais gerações e que terão, agora, que abandonar as terras. Vários projetos de vida, a anos construídos e consolidados, serão torpedeados pela desumanidade do Governo Lula.

Ocorrerá, por conta da malsinada demarcação, o desmantelamento da estrutura produtiva, sobretudo do arroz que, plantado em uma pequena franja da reserva, tem obtido altos índices de produtividade.

O Relatório de peritos constatou, também, que a demarcação contínua provocará êxodo rural de índios e não-índios, potencializando os problemas decorrentes do inchamento urbano da Capital do Estado. A demarcação trará fortes reflexos imediatos na produção agropecuária do Estado de Roraima, comprometendo um longo trabalho de planejamento agrícola realizado por órgãos públicos. Poderíamos aqui arrolar, até a exaustão, várias outras perversas conseqüências da demarcação, o que não vem ao caso.

Vale dizer, também, que praticamente todas as conclusões a que chegou a comissão de peritos, sob os nefastos efeitos provocados pela homologação contínua, foram corroborados pelo Relatório da Comissão Externa do Senado destinada a examinar as demarcações de terras indígenas no Estado.

Sr. Presidente, diante dessa esdrúxula homologação, resta-nos a indignação e as incertezas quanto ao futuro do Estado. A insegurança reina absoluta em Roraima que até hoje não é titular de suas terras, que permanecem sob o injurídico e inconstitucional domínio da União.

Qual empresa se habilitaria a se implantar em Roraima diante desse quadro de total insegurança? Ao certo, amanhã, o terreno, sobre qual se assentar uma empresa, poderá ser declarado como pertencente a uma área indígena.

Sr. Presidente, estamos, infelizmente, retornando à economia do contra-cheque!

A homologação contínua da reserva Raposa/Serra do Sol envolve, também, conflito federativo de grande monta entre a União - que detém a competência para demarcar as reservas indígenas - e o Estado - do qual são subtraídas enormes extensões de terra. Pelo julgamento da Reclamação nº 2833, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência desse conflito.

Não poderíamos deixar de mencionar que, na mesma Ação Popular, alegamos que a demarcação de grande extensão de terra, em área de fronteira, agride a Segurança Nacional e a Soberania do País. O Ministro Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, por meio do Aviso nº 03157/SC-2 alertou, dentre outros, que “A decisão de conceder áreas exageradas, ricas em minerais e de difícil controle, ocupadas por minorias pouco expressivas da população Brasileira, para estudos antropológicos de indígenas, pode levar a pressões internacionais insuportáveis, se propalada uma pretensa impossibilidade de fiscalização, controle e proteção da área”. E diz mais: “no caso específico da área RAPOSA/SERRA DO SOL, não podemos esquecer a pretensão da Venezuela de estender sua fronteira até o rio Essequibo em território guianense”. No mesmo aviso, o Ministro chama a atenção para a intenção da ONU de restringir a atuação das forças armadas em território indígena. Trata-se, resta induvidoso de área estratégica para o resguardo da Soberania Nacional.

Sr. Presidente, na Ação Popular de minha autoria, foi pedido a Suspensão Liminar do Decreto nº 534 de 2005 e do Decreto Homologatório Presidencial que homologou a Raposa Serra do Sol. Porém, o pedido de liminar foi negado pelo Relator Ministro Carlos Ayres Britto.

Para hostilizar tal decisão interpusemos Agravo Regimental, visando a que o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconsiderasse o despacho do Eminente Ministro Relator. Tal recurso ainda pende de julgamento.

Gostaríamos de reforçar aqui a nossa convicção de que a Homologação da Raposa/Serra do Sol criou um clima de grade tensão social no meu Estado e precisamos, com urgência, do pronunciamento favorável do Supremo sobre nosso recurso. É previsível - pois já ocorreu no passado e foi amplamente divulgado pela mídia -, que diversas repartições públicas sejam invadidas; estradas sejam fechadas; brigas entre partidários da homologação contínua e partidários da homologação descontínua desencadear-se-ão. O que é pior, mortes podem ocorrer. Trata-se de questão que mexe com os ânimos dos habitantes do Estado e as conseqüências da homologação poderão ser inesperadas e explosivas. Já se está cogitando de resistência armada dos fazendeiros que não querem deixar suas terras

De mais a mais, acreditamos ter demonstrado, tanto na Ação Popular, como no referido Agravo, a presença dos requisitos da Urgência e da Plausibilidade do Direito Invocado. Espero que o Supremo Tribunal Federal se sensibilize com a crise gerada pela demarcação da terra indígena Raposa/Serra do Sol.

É o que tinha a dizer.

Muito obrigado!


1



Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/06/2005 - Página 20896