Discurso durante a 90ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Balanço dos fatos políticos ocorridos nesta semana.

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Balanço dos fatos políticos ocorridos nesta semana.
Publicação
Publicação no DSF de 25/06/2005 - Página 20947
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • AVALIAÇÃO, SITUAÇÃO, POLITICA NACIONAL, COMENTARIO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, ORADOR, DIRETRIZ, POLITICA PARTIDARIA, OPOSIÇÃO, CORRUPÇÃO, LIBERALISMO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, FRUSTRAÇÃO, HISTORIA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).
  • PROTESTO, APROPRIAÇÃO, ESTADO, BRASIL, CRIME DO COLARINHO BRANCO, NEGLIGENCIA, ATENDIMENTO, MAIORIA, POPULAÇÃO.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, às vezes, vimos a esta Casa nas sextas-feiras para ter a consciência tranqüila de que estamos a cumprir o nosso papel constitucional e as nossas obrigações até como servidores públicos, agentes públicos que efetivamente somos. Como eu já disse várias vezes nesta Casa, a sexta-feira vira uma espécie de “muro das lamentações” - com todo o respeito ao Muro das Lamentações de fato.

No entanto, sentimo-nos na obrigação de fazer um balanço sobre esta semana; um balanço sobre os trabalhos da Casa, sobre a conjuntura nacional, sobre aquilo que de fato move mentes e corações, no Brasil todo, com as tais malditas denúncias de corrupção. Não que sejam malditas as denúncias; malditos e infames são os mecanismos utilizados por delinqüentes de luxo, por parasitas do setor público, por políticos que são profissionais na arte de conjugar o verbo “roubar” em todos os tempos e modos, enfim, essas coisas que deixam a população brasileira em estado de náusea permanente.

Vimos acompanhando o Governo do Presidente Lula, e não me canso de repetir, Senadores Geraldo Mesquita Júnior e Senador Augusto Botelho, que, a cada dia quando vejo esses fatos ou assisto a um pronunciamento do Presidente Lula, não consigo ter alegria ou comemorar o que vejo. Não consigo comemorar. Se os açoites, as humilhações, as cicatrizes que a fogueira do processo de expulsão nos deixou fossem motivação para hoje olharmos e dizermos: “Está vendo? Ainda bem que nós falávamos, mas lá já não estamos mais...” Repito todos os dias para mim mesma, Senadora Lúcia Vânia, aquilo que eu já sabia, que não está na Bíblia, mas que é verdade: Deus escreve certo em linhas tortas. Afirmo isso porque eu não estaria aqui feito um moribundo, um morto-vivo, sendo obrigada a defender aquilo que efetivamente qualquer pessoa, no mínimo honesta intelectualmente, não tem condições objetivas de defender.

Não se trata de calúnia vulgar ou filosófica; não se trata de moralismo pequeno-burguês, ou seja, o velho e conhecido moralismo farisaico, de que, muitas vezes, a elite se utiliza para fazer a disputa política, embora seja incapaz de usá-lo como norma para a sua vida objetiva. Não se trata disso.

Ficamos forçados a falar sobre esses assuntos, porque aprendemos, ao longo da nossa história de vida, da nossa militância socialista, que a verdade é revolucionária. Nós aprendemos isso. Aprendemos que a verdade é revolucionária. Para completar, aprendemos isso muito antes, até com o pensamento cristão. Por isso, às vezes, algumas pessoas ficam constrangidas ou chateadas quando uso palavras aparentemente agressivas ou muito fortes, embora saiba eu que, ao verbalizar isso, estou verbalizando o que está contido na garganta de milhares de pessoas espalhadas pelo Brasil afora, porque, além de tudo, sou cristã e aprendi com a “turma” de Jesus Cristo que é quente ou frio; o morno se vomita. Portanto, a verdade é revolucionária para o socialista, para o cristão, para todos aqueles que querem fazer deste País maravilhoso uma Pátria soberana, justa, igualitária, fraterna, socialista; uma Pátria socialista que certamente não veremos. Talvez as condições objetivas não nos permitam, com essa estrutura anatomofisiológica, conseguir ver e sequer dar os passos necessários para garantir a soberania e uma política econômica que não seja esta.

É como se tivéssemos dedicado os melhores anos da nossa vida para construir algo que, ao tocar os tapetes supostamente sagrados do Palácio do Planalto, se transforma numa grande farsa. E então já não podemos ter esses melhores anos de nossas vidas de volta. E como não podemos ter de volta os melhores anos de nossas vidas em que nos dedicamos a ajudar a construir o PT, temos a obrigação de continuar nadando contra a correnteza, tendo a mais absoluta certeza de que, mais cedo ou mais tarde, chegaremos ao outro lado do rio para fazer aquilo que realmente o povo brasileiro quer.

O duro de identificar esse processo é que, ao mesmo tempo, há a legitimação da verborragia neoliberal. Tudo o que condenávamos com veemência num passado muito recente, hoje toda a política econômica e o aprofundamento do projeto neoliberal deixam absolutamente claro, para quem é honesto intelectualmente, independentemente de identificar-se como capitalista, socialista ou cínico enamorado da terceira via, que essa política econômica legitima a verborragia da patifaria neoliberal, joga a riqueza do País para ser usufruída pela pocilga do capital e condena a grande maioria à dor, ao desemprego, à miséria, à humilhação, ao sofrimento, à ausência de políticas públicas e sociais de modo geral.

Como se isso fosse pouco, o que consolida uma traição a todas as concepções programáticas acumuladas pela esquerda socialista e democrática tentando se confrontar ao pensamento único, ainda existem os desvios éticos inimagináveis.

Ontem, a Senadora Lúcia Vânia conversava comigo sobre detalhes de quem está acompanhando o procedimento investigatório da CPI. O que era que, efetivamente, eles faziam? Primeiro, tem a caracterização do Estado brasileiro. Por mais que existam divergências ideológicas ou programáticas, concepções distintas sobre o Estado brasileiro, se é um simples artifício para atenuar tensões sociais e preservar a relação capital-trabalho, isolando, aniquilando o trabalho, por qualquer caracterização que se faça, o Estado brasileiro é um instrumento importante para possibilitar políticas públicas, políticas sociais para a grande maioria da população brasileira, que tem como única alternativa o Estado brasileiro.

Nós aqui temos seguro-saúde, podemos escolher a escola em que colocamos nossos filhos, alguns andam com segurança, com carro blindado, o que não é o meu caso, graças a Deus, porque alguém pode ser até capaz de mandar matar e dizer que foi um assalto e que tentei reagir. Se tiver que matar, vai ter que fazer um negócio bem arrumadinho mesmo.

O Estado brasileiro é a única possibilidade para milhões de pessoas pobres neste País. Na hora em que o idoso está em casa com uma doença crônico-degenerativa, em que a mulher está sentindo a dor do parto, em que a criança está ardendo em febre em casa, a maioria das pessoas no Brasil não tem o seguro-saúde, um médico amigo, a enfermeira do hospital que facilite que ela fure a fila. A grande maioria da população brasileira não tem carro blindado ou firma de vigilância na porta; ela precisa de condições dignas de trabalho para o policial militar, para o policial civil, com auditoria, com mecanismos relacionados aos direitos humanos, com salário digno, para que não se consolide a promiscuidade entre o aparato policial e o crime organizado. Ela precisa da Polícia Federal, do Exército brasileiro, das Forças Armadas, da Marinha, da Aeronáutica. Isso é o mínimo, o mínimo de que precisa um país!

O que é absolutamente nauseante - como é horário de almoço, não vou falar determinadas palavras, porque pode ser que as pessoas estejam almoçando - é o que estamos a identificar: o Estado brasileiro é partilhado por delinqüentes de luxo, para delinqüentes de luxo. O Estado brasileiro é entregue pelo Governo Lula, tal qual fazia o Fernando Henrique, para delinqüentes de luxo continuarem parasitando, privatizando o espaço público a serviço de suas corriolas, quadrilhas, partidos ou bandos. Esse Estado brasileiro é a única alternativa para milhões de pobres do País! Milhões de pobres, no nosso País, sabem que a única alternativa de dinamização da economia local, de geração de emprego, de geração de renda, de saneamento, de saúde, de educação, de segurança pública, de habitação popular é o Estado brasileiro. Porque não adianta só ter fé em Deus, porque Deus olha lá de cima e diz “não me meto nesse mundo podre da política”. Então, você tem que ter fé em Deus e fé na luta do povo, até para continuar sobrevivendo num mundo tão desgraçado como este da política.

No mundo da política é pior, porque a verdade é revolucionária, mas é como se a verdade não tivesse sintonia com a política. É uma desgraça! Quem fala a verdade está frito. E política se faz aqui, nos tapetes azuis do Senado, nos tapetes verdes da Câmara, no Palácio do Planalto. Já dizia o Cardeal Mazzarino: a política é a arte do cinismo e da dissimulação. Quem não é cínico e dissimulado fica angustiado, é capaz de sair daqui enfartado. Então, Deus me livre de morrer. Aliás, se eu morrer, por favor, político nenhum no meu enterro fazendo discurso. Por Nossa Senhora, senão eu me levanto da cova! Pode acreditar, Senador Augusto Botelho. O senhor é doutor e vai ver um negócio desses, porque não podem ir para a minha cova fazer discurso. Senadora Lúcia Vânia, por favor, controle esses homens para eles não irem lá, pelo amor de Deus!

O que vemos, então, na CPI? O que é a delinqüência de luxo. Nós esculhambávamos aqui. Deus do céu, eu me lembro de que, desta mesma cadeira, eu era Líder do PT no Senado, era Líder da oposição ao Governo Fernando Henrique, falava, há quatro anos, as mesmas coisas que falo hoje. É um absurdo uma coisa dessas!

Quando é a direita, carcomida, cínica, que está falando alguma coisa, você tem até prazer em fazer a disputa ideológica, a disputa programática, em “meter o dedo” nas contradições e na corrupção. Agora, o maior Partido de esquerda na América Latina, a maior liderança popular da América Latina, um filho do povo, um retirante nordestino, um operário, e é essa mesma turma que patrocina as mesmas coisas que condenávamos ao longo da nossa história de vida. Não tem quem agüente uma tristeza dessas...

De onde é que vinha o dinheiro do “mensalão”? Como é que fazia? O Governo Lula distribui aos delinqüentes de luxo cargos, prestígio, liberação de emendas, poder. Esses delinqüentes de luxo estão nos cargos e patrocinam um processo fraudulento nas licitações. O empresário vitorioso da fraude patrocinada pelo agente público, ao ganhar o processo fraudulento da licitação, pega o dinheiro para pagar aos partidos, aos parlamentares e, portanto, fazer a maldita “boquinha podre do mensalão”. É isso que acontece. É uma coisa muito organizada, mecanicamente, é sórdida, mecanicamente organizada. Foi isso que eles fizeram. É por isso que dizem que não pode ter muita CPI. Então faz uma CPI só, da corrupção. Por que isolar? Por que voltar todas as atenções para um e outro, se é parte de um balcão de negócios sujos? Digo tudo isso apenas para fazer um desabafo.

Senador Geraldo Mesquita, V. Exª está conosco ajudando na construção de um abrigo para a esquerda socialista democrática que não se vende para se lambuzar no banquete farto do poder. Estamos aqui com a Senadora Lúcia Vânia e o Senador Augusto Botelho, que, embora sejam de tradições ideológicas distintas das nossas, nos respeitam muito nesta Casa. Para nós, o que é esquisito são exatamente essas coisas que vão acontecendo, porque tem uns que preferem o Governo Lula fraco, tal qual um organismo fraco, para que eles continuem parasitando. Há pessoas que querem o Governo Lula fraco. Aí dizem: “Não, eu quero que o Governo Lula vá sangrando, fique bem fraco, porque, aí, a gente se apropria dele”. Os velhos oportunistas do Senado, da Câmara, da política brasileira preferem a fraqueza do Governo para continuarem minando, tendo cargos, prestígio e poder, para fazer bases de bajulação e conseguir maiorias absolutamente artificiais, a governabilidade mentirosa, delinqüente, covarde! Há pessoas que querem por isso.

Nós, não. Quando ficamos discutindo é porque sabemos qual será o impacto disso para o futuro da Esquerda Socialista Democrática. Para nós que nascemos em família pobre ainda é pior, porque há aquele dito popular “Quem é pobre, quem nunca viu mel, quando come, se lambuza”. Essa é ainda pior, é a caracterização do pobre que nunca viu mel e que, quando come, se lambuza. É a caracterização do despreparado tecnicamente e que, portanto, ao ser despreparado, não poderia estar ocupando uma instância de decisão política importante como aquela. Para nós, isso é motivo de profunda tristeza.

Embora seja motivo de profunda tristeza, como sabemos e aprendemos que a verdade é revolucionária, temos a obrigação de todos os dias estar aqui e dizer, como já dizia D. Helena, no interior de Alagoas, a senhora minha mãe: “Quem é podre que se quebre”. (Palmas.)

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/06/2005 - Página 20947