Discurso durante a 98ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Alerta para os efeitos da crise boliviana. (como Líder)

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. POLITICA ENERGETICA.:
  • Alerta para os efeitos da crise boliviana. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 01/07/2005 - Página 21470
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • ANALISE, POSSIBILIDADE, AGRAVAÇÃO, CRISE, NATUREZA POLITICA, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, PREJUIZO, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, IMPORTAÇÃO, GAS, SUPRIMENTO, ENERGIA ELETRICA, AUMENTO, ILEGALIDADE, IMIGRAÇÃO.
  • DEFESA, NECESSIDADE, REVISÃO, PLANEJAMENTO, MATRIZ ENERGETICA, BRASIL, REDUÇÃO, DEPENDENCIA, GAS, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, IMPEDIMENTO, RACIONAMENTO, ENERGIA ELETRICA, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO NORDESTE.
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, AUXILIO, GOVERNO ESTRANGEIRO, BUSCA, SOLUÇÃO, CRISE, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, IMPEDIMENTO, PREJUIZO, BRASIL, CONTRIBUIÇÃO, MELHORIA, SITUAÇÃO, AMERICA DO SUL, REFORÇO, INSTITUIÇÃO DEMOCRATICA.
  • COMENTARIO, RESULTADO, PESQUISA, PROJETO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD), ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), DEMONSTRAÇÃO, FALTA, CONSCIENTIZAÇÃO, SOCIEDADE, AMERICA DO SUL, IMPORTANCIA, DEMOCRACIA.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pela Liderança do PFL. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Tião Viana, Srªs e Srs. Senadores, nos últimos dias, com muita razão, as denúncias de corrupção têm dominado o noticiário da imprensa e, sobretudo, os debates no Congresso Nacional. Entretanto, há igualmente outras questões de importância crucial para o País que não podem deixar de ser abordadas e que exigem ações urgentes por parte do Governo. Uma delas, Sr. Presidente, é a crise por que vem passando a Bolívia, cujo significado transcende, em muito, os limites de suas fronteiras.

Trata-se de uma crise, como sabemos, que atinge o Brasil de muitas formas, e a mais imediata é a forte dependência que o País tem do gás boliviano. Dos 40 milhões de metros cúbicos de gás que o Brasil consome diariamente, nada menos do que 24 milhões de metros cúbicos são importados da Bolívia. E sabemos que qualquer programa de substituição de importação que venha a ser adotado levará pelo menos três a quatro anos para que entre efetivamente em operação. Vale dizer que essa é uma questão aguda e, certamente, exige um acompanhamento muito próximo do Governo brasileiro.

Esses dados relativos ao gás já seriam suficientes para expor as graves conseqüências para o Brasil, que decorreriam do agravamento da crise boliviana. É preciso do Governo medidas de curto prazo, portanto, que possam evitar o risco real de um racionamento ou, como alguns chamam, de um “apagão”, decorrente da necessidade de remanejar o suprimento e o uso de recursos energéticos. Mas, ao mesmo tempo, o fato serve para destacar a importância de se rever o planejamento da matriz energética brasileira para os próximos anos.

Não vou me alongar, Sr. Presidente, na discussão das conseqüências da crise política na Bolívia para o sistema de suprimento energético do Brasil e dos possíveis encaminhamentos de solução a curto, médio e longo prazo. Aliás, a propósito, essa questão vem sendo tratada no Senado Federal, de forma, aliás, muito competente pelo Senador Rodolpho Tourinho, que, como é o caso do Senador José Jorge, exerceu o cargo de Ministro de Minas e Energia no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

O que o Senador Tourinho propõe é uma revisão do marco regulatório brasileiro referente ao uso e à exploração de recursos energéticos, uma vez que ainda não se dá um papel destacado ao gás na matriz energética do nosso País.

Atualmente, esse insumo ainda é visto como simples subproduto do petróleo. E, do ponto de vista de estratégia de distribuição, tal como ocorre com muitos outros recursos, não se contempla a necessidade de investimentos em regiões menos industrializadas, como é o caso do Nordeste brasileiro.

Devo dizer que, quando Vice-Presidente da República, consegui que a Petrobrás construísse o gasoduto Pilar-Cabo, saindo de Alagoas e indo até a região metropolitana do Recife; gasoduto esse integrante do sistema Nordestão, o que ajudou, e muito, a que melhorar a oferta de gás em Pernambuco e também no Nordeste. Mas é fundamental que continuemos a dar atenção prioritária a essa questão.

Por outro lado, Sr. Presidente, voltando à questão boliviana, estima-se que os investimentos feitos lá, pela Petrobras, ultrapassem mais de um bilhão de dólares. Além disso, a implementação das reivindicações dos movimentos populares, que levaram, por sinal, à renúncia do Presidente Carlos Mesa, e que já tinham precipitado anteriormente a renúncia de Sanches de Louzada, resultarão num aumento de preços de gás e do petróleo comprados na Bolívia em mais de cinqüenta milhões de dólares por mês. A Petrobras já está arcando com um prejuízo correspondente a mais ou menos 1% de seu lucro. Esse aumento, portanto, poderá produzir, como conseqüência inevitável, um efeito inflacionário na economia brasileira, decorrente do encarecimento desses insumos básicos e, conseqüentemente, dos seu repasse para a economia com reflexo para toda sociedade.

Outro provável efeito do agravamento da crise na Bolívia será o aumento da imigração ilegal para o Brasil. Mesmo antes da crise, já se calculava que existia, somente na cidade de São Paulo, uma comunidade estimada de mais de 100 mil bolivianos. Com toda a certeza, o agravamento da crise aumentará ainda mais as pressões, para que bolivianos busquem oportunidades junto a países vizinhos e, de modo especial, o Brasil, que tem com a Bolívia uma fronteira de mais - se não estou equivocado - de 3.400 quilômetros.

Assim, a crise na Bolívia chama nossa atenção ser inédita em termos de suas repercussões para o Brasil. Pela primeira vez esta geração vive de perto a experiência de enfrentar uma crise que se desenrola num outro país e da qual somos participantes ativos não somente por laços de amizade ou por opção política, mas por variadas formas de interdependência econômica, social e política.

O Brasil é um País que tem com a Bolívia fronteiras - como se diz amiúde - vivas, isto é, que desfrutam até de certa densidade demográfica e expressão econômica. Para dar um exemplo, a região de Santa Cruz de la Sierra interage muito com o Brasil. Obviamente, temos interesse, cada vez mais, em estreitar as relações com a Bolívia em todos os aspectos, sobretudo porque a Bolívia, já há alguns anos, passou a ser um Estado associado ao Mercosul. Ela não integra o núcleo fundador do Cone Sul - Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai -, mas se integrou, a exemplo de outros países, ao Mercosul. Conseqüentemente, também temos com a Bolívia esse enlace.

Do ponto de vista mais geral e de longo prazo, a crise na Bolívia chama também a nossa atenção para a gravidade das conseqüências da crise institucional. Aí, Sr. Presidente, passo a tratar de outro assunto, que também caracteriza a crise boliviana.

Estamos observando que a crise institucional na Bolívia pode levar a uma certa anomia, isto é, à inobservância das leis, do cumprimento dos contratos, gerando incerteza jurídica no País irmão. Certamente, isso poderá não somente afetar os nossos interesses, mas também poderá produzir conseqüências graves, inclusive no que diz respeito à fruição das chamadas franquias democráticas.

Sabemos que qualquer contrato pode, e às vezes até deve, ser revisto e que, geralmente, os contratos dispõem de cláusulas de revisão, mas é importante ter presente que no caso em apreço, o da Bolívia, há algo mais relevante a considerar, que é a possibilidade de agravamento da crise institucional se não houver uma compreensão do governo e povo boliviano e também dos seus vizinhos, dentre os quais destaco o Brasil, da imprescindibilidade de rápida solução da crise boliviana.

Devemos, e logo, ampliar a interlocução política com aquele país, buscando encontrar caminhos que ajudem a solução dos seus problemas e, assim, contribuir para melhorar o desempenho da América do Sul no conjunto da sociedade internacional.

É importante - reitero - assinalar as crises que ocorrem na América do Sul de alguma forma alteram a percepção que se tem, no exterior, do desempenho democrático dos nossos países.

Essas reflexões sobre a Bolívia nos remetem a considerações mais gerais a respeito da crise que vive o continente sul-americano neste momento. Como se sabe, em fins da década de 80 do século passado e, sobretudo, após a queda do Muro de Berlim, começamos a viver, na América do Sul, de um modo geral, uma benfazeja “onda democrática”, que se espalhou por praticamente todos os países da região. Havia um ambiente de grande otimismo no mundo e a principal razão, sem dúvida, eram os acontecimentos que se desenrolavam no leste europeu. Enfim, a queda do que se chamou de “socialismo real” trouxe ao convívio democrático uma dezena de nações, a começar pela própria Rússia, que avança nesse sentido. Essas nações, por décadas, haviam vivido sob regimes autoritários - poderíamos dizer ditaduras - e, agora, passavam a conviver com uma imprensa livre, com instituições civis sem a interferência governamental e com organizações partidárias que podem disputar o poder por meio de eleições abertas.

Também em outras partes do mundo, a mesma “onda democrática” se fez sentir. Eu lembraria a África do Sul, por exemplo, cujo apartheid foi abolido e onde um presidente negro, ícone de uma forte liderança africana, Mandela, foi eleito, sendo depois substituído por Thabo Mbeki, que era o seu vice-presidente. Isso mostra, portanto, que, afortunadamente, vivemos novos tempos.

Concomitantemente com essa “onda democrática”, é bom lembrar que algo muito positivo foi o surgimento de pactos, que ensejaram também a melhoria da condição social do nosso povo.

Vou concluir, Sr. Presidente.

Enfim, a ordem democrática traz consigo, sempre, a expectativa de que o abandono do Estado de exceção e o fortalecimento do Estado de direito, sobretudo do Estado democrático de direito, como diz a nossa Constituição de 1988, promovam, efetivamente, condições para que se construam o desenvolvimento econômico, pela estabilidade das regras, e, sobretudo, o desenvolvimento social, pela redução das desigualdades de renda e das disparidades entre as regiões.

Por outro lado, também é importante lembrar que ainda temos, com relação à questão democrática, problemas muito graves a vencer.

Em recente pesquisa sobre a situação da democracia no continente, o PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, órgão da ONU, que realiza também pesquisas relativas a questões econômica, política e social - apontou para o fato preocupante de que, de forma geral, a democracia não se constitui num padrão perfeitamente compreendido e assimilado pela população da América Latina e, nomeadamente, da América do Sul, e que a maioria das pessoas tendem a dar maior importância ao progresso econômico e às oportunidades de emprego do que às instituições democráticas. Isso, de alguma forma, refere-se também às pesquisas feitas pelo Barômetro Latino-Americano, que, freqüentemente, mostram que a sociedade não tem uma exata consciência da importância da democracia e, muitas vezes, considera que mais importante do que a ordem democrática é a ...

(Interrupção do som.)

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - ... busca da melhoria da condição social.

O SR. PRESIDENTE (Tião Viana. Bloco/PT - AC) - Nobre Senador Marco Maciel, peço a V. Exª que encerre o seu pronunciamento.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Já estou encerrando, Sr. Presidente.

Então, a pesquisa do PNUD conclui que o autoritarismo, um eufemismo - diria - para a tirania ou para a ditadura, é sempre a tentação que pode medrar entre os nossos povos. Evidentemente, isso não se aplica ao Brasil, porque sabemos que já vivemos, em nosso País, uma democracia robusta, mas, de toda a maneira, não é esse o quadro que ainda observamos na América Latina, de modo geral, e, de modo particular, na América do Sul.

Essas pesquisas foram, é verdade, objeto de muita controvérsia entre políticos e especialistas, mas todos concordaram sobre o fato de que as conclusões constituíam um alerta importante a respeito da fragilidade da democracia no Continente. 

Essa consideração é importante, Sr. Presidente, sobretudo porque estamos buscando expandir o Mercosul, que já, hoje, não se constitui apenas dos países do Cone Sul - Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai -, mas tende a se converter, como preconizava o Presidente Fernando Henrique Cardoso, ...

(Interrupção do som.)

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - ... numa grande associação de todos os países da América do Sul, ou seja, todos os 12 países situados na América do Sul, criando, assim, condições para que possamos ter presença na sociedade internacional e, com isso, possamos participar, de melhor forma, das negociações para a construção da Alca, ou mesmo para o nosso enlace com a Comunidade Européia, que avança, também, nem sua consolidação institucional, econômica e política de toda a Europa. Aliás, sempre repito que a União Européia, certamente, é o modelo que deve inspirar a nossa caminhada com vistas a consolidar o Mercosul.

Neste momento, deve estar bem clara a percepção de que o Brasil tem responsabilidades e até mesmo o dever de cooperar para a tênue linha que sustenta a ordem institucional seja preservada. Essa é, na verdade, a condição básica sobre a qual qualquer discussão a respeito de direitos e interesses poderá ser conduzida construtivamente no futuro.

Sr. Presidente, palavras, tendo em vista a limitação do tempo, eu faria apenas duas colocações.

Primeiramente, Sr. Presidente, com relação à matriz energética, precisamos dar velocidade à definição dessa questão, sobretudo...

(Interrupção do som.)

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - ... no caso específico do gás e, de modo particular, com relação ao Nordeste. Não podemos, mais uma vez, ficar excluídos da possibilidade de ter acesso ao gás. O Nordeste é, certamente, a Região de menor nível de desenvolvimento do País e, portanto, padece de muitas carências.

As restrições energéticas podem ser prejudiciais para que a nossa economia continue a crescer, já que não temos outras alternativas de aproveitamento hidroelétrico, pois que todas as barragens, passíveis de aproveitamento no rio São Francisco, foram realizadas. Então, não temos outros caminhos a não ser procurar novas fontes, entre elas a energia nuclear, a energia eólica, subsidiariamente, mas também, e sobretudo, o gás, daí porque a Petrobras e o Governo brasileiro devem olhar com mais cuidado para essa crucial questão energética de nossa região.

Por fim, Sr. Presidente, ...

(Interrupção do som.)

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - .... concluo minhas palavras fazendo um apelo ao Governo brasileiro para que dê mais atenção à questão boliviana, não só pela vizinhança que temos com o país lindeiro, mas pelos vínculos históricos que com ele possuímos. V. Exª, que é representante do Acre, sabe muito bem que conseguimos resolver, graças ao talento de Rio Branco, a questão fronteiriça com a Bolívia. O Brasil, hoje, é um País que se orgulha em não ter problema fronteiriço com nenhum país vizinho, embora tenhamos fronteiras com 10 países. Então, é fundamental que o Governo brasileiro, e de modo particular nossa Chancelaria, que é competente, olhe mais para essa questão e procure interagir com o governo e a sociedade bolivianos para que possamos ultrapassar mais rapidamente essa crise, que afeta um país vizinho - e queremos que nossos vizinhos caminhem bem -, mas que também afeta o nosso País, tendo em vista questões que já tive a oportunidade de expor.

Muito obrigado a V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/07/2005 - Página 21470