Discurso durante a 102ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Relações entre os Poderes Executivo e Legislativo.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT).:
  • Relações entre os Poderes Executivo e Legislativo.
Aparteantes
Augusto Botelho, Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 02/07/2005 - Página 21866
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT).
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO POLITICA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), ESPECIFICAÇÃO, RELAÇÃO, EXECUTIVO, LEGISLATIVO, ACUSAÇÃO, REPRESENTAÇÃO PARTIDARIA, TENTATIVA, AMPLIAÇÃO, PODER, PREJUIZO, POPULAÇÃO, BRASIL.
  • CRITICA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), UTILIZAÇÃO, FUNDOS PUBLICOS, BENEFICIO, MEMBROS, REPRESENTAÇÃO PARTIDARIA, CONGRESSISTA, BANCADA, APOIO, GOVERNO FEDERAL, ESPECIFICAÇÃO, DENUNCIA, DESVIO, RECURSOS, FURNAS CENTRAIS ELETRICAS S/A (FURNAS).
  • SUGESTÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT), INVESTIGAÇÃO, RECURSOS, GOVERNO FEDERAL, DESTINAÇÃO, PUBLICIDADE, INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, EMPRESA ESTATAL.
  • ESCLARECIMENTOS, RESPONSABILIDADE, SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO DE GOVERNO E GESTÃO ESTRATEGICA, REALIZAÇÃO, LICITAÇÃO, REFERENCIA, PUBLICIDADE, EMPRESA ESTATAL, LEITURA, TRECHO, DECRETO FEDERAL.
  • DENUNCIA, TRAFICO DE INFLUENCIA, SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO DE GOVERNO E GESTÃO ESTRATEGICA, VINCULAÇÃO, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, PUBLICIDADE, GOVERNO FEDERAL.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, PUBLICITARIO, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), VINCULAÇÃO, CORRUPÇÃO, GOVERNO FEDERAL.
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, REDUÇÃO, ESTRUTURAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, PROIBIÇÃO, NOMEAÇÃO, NATUREZA POLITICA, EMPRESA ESTATAL.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sei que a palavra do político está desgastada, desmoralizada. Todos nós, creio, entendemos ser isso uma realidade. A população tem dificuldades para acreditar na palavra empenhada dos políticos brasileiros. Razões sobram para que essa descrença se acentue e se generalize a cada passo, mas, num momento crucial como este que estamos vivendo, em que desponta a oportunidade de construção de uma nova imagem diante do escândalo da corrupção que infelicita o País, temos que impor sinceridade nas nossas afirmativas. É preciso dizer com sinceridade aquilo que se pensa.

Vou dizer o que penso, Sr. Presidente, relativamente às razões que levaram o PT a arquitetar um modelo de relação espúria entre o Executivo e o Legislativo. Sem dúvida, é parte da arquitetura de um projeto de poder - estou afirmando “projeto de poder” e não projeto de nação. O Partido que chegou ao poder há dois anos e meio imaginou a possibilidade de nele permanecer por muito tempo e iniciou a construção desse projeto, que inclui componentes variáveis como a comunicação com a sociedade - e, para isso, convocou o marqueteiro Duda Mendonça -; a relação com a área política, com os Partidos políticos, com as entidades organizadas da sociedade; os programas com grande apelo popular; enfim, a ação administrativa do Governo voltada para os benefícios da popularidade. Mas este componente que fez explodir a corrupção é o mais deplorável entre todos aqueles utilizados como instrumentos para a construção do projeto de poder: a captação de recursos para a sustentação financeira do projeto.

Essa captação de recursos ensejou a idealização do modelo praticado: a conquista do apoio parlamentar, a conquista do apoio partidário com a retribuição financeira. Ou seja, o fim justifica os meios. Certamente, muitos dos líderes desse projeto de poder imaginaram que realmente o fim pode justificar os meios e passaram a utilizar-se dos meios escusos na arquitetura, idealização e construção do projeto de poder imaginado.

O que isso implica? Vamos, mais uma vez, desenhar esse roteiro. O Partido aliado no Congresso Nacional satisfaz parlamentares que relutam em apoiar o Governo com benesses, vantagens por meio da nomeação para cargos comissionados no Governo. A cobiça é maior pelos cargos que movimentam grandes somas financeiras, daí a briga por posições em Furnas, nos Correios, no Dnit, no Instituto de Resseguros do Brasil* e nas instituições financeiras.

Em detrimento da capacitação técnica, passa o Governo a priorizar o interesse partidário, o interesse político na confecção do projeto de poder idealizado. E aquele nomeado por determinado Partido político, por indicação de determinado Deputado, tem a missão de retribuir com recursos financeiros, supostamente para a manutenção do Partido político que integra.

É evidente que, além da manutenção financeira do Partido político, há outros interesses subjacentes: há a busca das vantagens pessoais. É por essa razão que, ao se denunciar o escândalo de Furnas, o Deputado Roberto Jefferson afirmou que um milhão mensal iria para o PT de Minas Gerais; um milhão, para o PT nacional; 500 mil, para determinados Parlamentares; e 500 mil, para a direção de Furnas.

São recursos supostamente utilizados na construção desse projeto de poder; recursos utilizados para a conquista de votos no Congresso Nacional, desde a mudança de sigla partidária, especialmente no início do atual mandato presidencial. Parlamentares se teriam transferido para Partidos ligados ao Governo - supostamente, não estou denunciando nada, não sou o autor das denúncias, estou repercutindo-as -, em troca de vantagens financeiras. Portanto, três componentes com origem nesse escândalo: os recursos para o Partido político na construção do projeto de poder; os recursos para a compra de votos no Congresso Nacional; e os recursos para atender a interesses pessoais daqueles que participam do esquema de corrupção.

Sr. Presidente, a responsabilidade do Congresso Nacional é enorme num momento crucial para a vida pública brasileira. Há já alguns caminhos perfeitamente desenhados nos primeiros instantes desta Comissão Parlamentar de Inquérito. Um dos caminhos liga a empresa estatal, o órgão do Governo, ao Congresso Nacional, por meio de agências de publicidade, especialmente as do Sr. Marcos Valério, mas certamente não só elas, porque há aquelas também que atuam em várias áreas do Governo, sob a articulação do Sr. Duda Mendonça. Mas o que apareceu como fato concreto diz respeito às agências do Sr. Marcos Valério, publicitário de Minas Gerais.

Isso faz uma conexão não só dos Correios, mas de Furnas, da Petrobras, do Banco Popular, do Banco do Brasil, enfim, de instituições do Governo que movimentam grandes somas de valores financeiros com publicidade.

Não é por outra razão que cresceu, de forma assustadora, o orçamento de publicidade do Governo, que, no ano passado, foi de R$1 bilhão. A Petrobras, por exemplo, tinha um orçamento de pouco mais de R$200 milhões no ano passado; neste ano tem um orçamento de R$700 milhões.

Estou sugerindo que a nossa Comissão Parlamentar de Inquérito investigue o caminho dos recursos para a publicidade, especialmente das instituições financeiras do Governo, os bancos, a Caixa Econômica, o Banco do Brasil, o BNDES e todas as empresas estatais.

No ano de 2003, exatamente no dia 4 de agosto, o Presidente da República assinou um decreto, juntamente com o Sr. Luiz Gushiken, que conferiu todos os poderes à Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, para a realização das licitações referentes à publicidade em todas as esferas do Governo.

O art. 10, em seu § 2º, estabelece que “A Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica indicará a maioria dos membros da comissão especial de que trata o § 1º (...)”, que é composta de até cinco membros. Ou seja, a maioria desse membros é de indicação da Secretaria de Comunicação de Governo.

Portanto, quem decide a licitação de publicidade nos Correios não são os dirigentes dos Correios, nem o Presidente, nem o Sr. Antônio Osório, nem o Sr. Marinho; quem decide verba de publicidade nos Correios é Luiz Gushiken e a Secretaria de Comunicação, da mesma forma no Banco do Brasil, na Caixa Econômica, no BNDES, nas empresas estatais.

E o que ocorre, Sr. Presidente? Há, sem dúvida nenhuma, um tráfico de influência imperdoável. Vou citar apenas um dos fatos - um apenas, porque não haveria tempo para mais citações: o Sr. Marco Antônio da Silva é um dos principais coadjuvantes de Gushiken na Secretaria de Comunicação. Ele vem logo abaixo de Gushiken como responsável pelo setor de eventos.

§ 2º  A Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, salvo sua expressa manifestação em contrário, indicará a maioria dos membros da comissão especial, de que trata o § 1º, ressalvado que poderá, a seu critério, participar apenas da etapa que envolva julgamento técnico-publicitário

§ 1o  A licitação de que trata o caput deste artigo será processada e julgada por comissão especial, composta de até cinco membros - profissionais da área de comunicação, em sua maioria - sendo pelo menos dois deles servidores ou empregados do órgão ou entidade responsável pela licitação.

A sua esposa tem uma empresa denominada Astral, que presta serviços por contrato à MultiAction Entretenimento Ltda., que é uma empresa do Sr. Marcos Valério. Portanto, há uma conexão familiar da Secretaria de Comunicação do Governo com o Sr. Marcos Valério. Ocorre que há uma funcionária de nome Eliane Alves Lopes, da Astral, que assina contrato com os Correios como representante legal da agência SMP&B, do Sr. Marcos Valério. Tenho em mãos um contrato de aditivo, no valor de R$90 milhões, assinado pelo Presidente dos Correios, pelo Sr. Antônio Osório e pela Eliane Alves Lopes, como representante legal da agência SMP&B.

Vejam, Srs. Senadores a conexão existente Correios - Secom - Marcos Valério. Por intermédio de Marco Antônio da Silva, da sua esposa Telma, da empresa Astral com a empresa MultiAction - Entretenimento Ltda., que termina no Sr. Marcos Valério, que retira milhões de reais na boca do caixa no Banco Rural e também no Banco do Brasil e que, supostamente, os transfere para o bornal do mensalão, sustentando esse modelo espúrio de apoio que o Governo obtém no Congresso Nacional.

Isso tem de ser investigado com o maior rigor possível porque me parece ser um dos caminhos da corrupção. Se há caixa dois em determinadas diretorias financeiras de empresas estatais poderosas, não há dúvida de que os recursos de publicidade do Governo têm servido ao abastecimento do bornal do mensalão.

Concedo, com prazer, um aparte ao Senador Augusto Botelho.

O Sr. Augusto Botelho (PDT - RR) - Senador Alvaro Dias, com muita propriedade, V. Exª está falando o que o povo brasileiro quer ouvir, e o clamor do povo é que sejam punidos os corruptos. Mas existe também um clamor maior, Senador - e não sei como iremos resolvê-lo -, para devolver o dinheiro roubado do povo. Essa, a dificuldade deste País. Pune-se, mas o dinheiro não volta para o povo. Faço este aparte para lhe dizer que V. Exª está falando o que as pessoas estão precisando ouvir e querendo que se fale. As pessoas querem que seja feita justiça.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O Sr. Augusto Botelho (PDT - RR) - Querem apenas a verdade. Parabenizo V. Exª pelo pronunciamento. O povo quer que o dinheiro seja devolvido. Essa é uma das coisas mais importantes pela qual temos de trabalhar. V. Exª, como integrante da Comissão, assim como o Senador Wirlande da Luz, têm de trabalhar nesse sentido. Muito obrigado.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Muito obrigado, Senador Augusto Botelho. V. Exª é um Senador presente no Senado Federal todos os dias, em tempo integral, com dedicação exclusiva e merece os aplausos da população do seu Estado de Roraima.

Esta é a dificuldade, Senador Augusto Botelho: como recuperar esses recursos que se perderam nos desvãos no mensalão? Como recuperá-los? O Sr. Marcos Valério disse que comprou gado. O gado não existe. Como recuperar? Certamente pela busca desse gado virtual do Sr. Marcos Valério.

Aliás, Senador Augusto Botelho, quem entende um pouco de transporte rodoviário diz que nós precisaríamos de 2.000 carretas para transportar todo o gado adquirido com os cerca de R$21 milhões, segundo justificativa do Sr. Marcos Valério. Cerca de 42 mil cabeças de gado, transportados por 2.000 carretas pelas estradas esburacadas do Brasil. V. Exª tem razão. São recursos que se perdem nos desvãos da corrupção da administração pública brasileira.

Se não nos dedicarmos agora a revelar o mal para que ele possa ser denunciado, combatido e condenado, certamente também não mereceremos a absolvição da população brasileira, que acompanha com muito interesse os fatos deste momento, essa crise monumental que se abate sobre a instituição pública.

Vemos um Presidente perdido, falando em reforma ministerial mais uma vez. Em dois anos e meio, quantas vezes o Presidente falou em reformar o seu ministério, e reforma não fez? Manteve a mesma estrutura. Um paquiderme enorme, um mastodonte gigantesco: preguiçoso, dorminhoco, lento, incapaz de oferecer o serviço que a Nação exige do Governo Federal.

O Governo fez crescer a estrutura da administração pública, mas não impôs competência e eficiência para a obtenção de resultados. Então, não poderia o Presidente da República falar em reforma sem falar em reduzir esta máquina, em cortar realmente para valer e convocar talentos da sociedade brasileira para impor um choque de competência na gestão pública em curso.

Concedo um aparte com muito prazer ao Senador Mozarildo Cavalcanti.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Alvaro Dias, V.Exª analisa com muita serenidade este momento que o Brasil atravessa e indica inclusive providências que devam ser tomadas. Apresentei um projeto, Senador Alvaro Dias, que, na verdade, se espelhou num projeto que o Senador Pedro Simon apresentou já há alguns anos, mas que amplia um pouco mais o leque daquele projeto. Trata-se de algo muito simples, Senador Alvaro Dias: a exigência de que qualquer agente público, desde o funcionário mais modesto até o mais graduado, das três esferas de poder - estadual municipal ou federal - e dos três Poderes, ao ser admitido no serviço público por concurso, ou nomeado para ocupar um cargo em comissão, assim como aquelas empresas que negociam, isto é, que transacionam com o Poder Público, seja prestando serviços, seja construindo obras, enfim, fazendo qualquer tipo de ação ou de negócio que receba recurso público, tenha imediatamente, a partir daquele ato, o seu sigilo bancário quebrado automaticamente, sem que haja necessidade de se criar CPI ou de se ir à Justiça para pedir a quebra de sigilo bancário. Porque, assim, a Receita Federal, a Justiça e o Congresso Nacional terão facilidade de rastrear por onde anda o dinheiro público, desde, repito, o mais simples funcionário público até o Presidente da República, passando, portanto, pelos Deputados Federais, Senadores e, principalmente, pelas empresas - vemos CPI atrás de CPI, investigação atrás de investigação e os corruptores estão ficando fora da história; e os corruptores pegam o dinheiro onde? Pegam o dinheiro exatamente do serviço público, isto, é, o dinheiro do povo.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Senador Mozarildo Cavalcanti, V. Exª traz uma sugestão muito importante, uma proposta que deve merecer o maior interesse desta Casa, um debate competente para o aprimoramento de um projeto desta envergadura, afim de que a lei possa realmente se impor, contendo esse processo avassalador de corrupção que atormenta o País.

            Uma outra providência, por exemplo, entre tantas que podemos discutir no Congresso, seria proibir a nomeação política nas empresas estatais, que são fundamentais, já que mobilizam milhões de recursos públicos; reduzir os cargos comissionados, prevalecendo os contratados mediante concurso público, que realmente prioriza a competência e a qualificação profissional. Enfim, são inúmeras as idéias que podem ser debatidas no Congresso Nacional ao término dessa Comissão Parlamentar de Inquérito, ao finalizarmos esse período de investigação, de assepsia, que queremos seja geral e irrestrita, construir caminhos para a edificação de uma imagem nova de respeitabilidade pública, diante da Nação brasileira.

            Muito obrigado, Sr. Presidente, pelo tempo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/07/2005 - Página 21866