Discurso durante a 103ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Questionamentos sobre a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA. HOMENAGEM.:
  • Questionamentos sobre a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti, Wirlande da Luz.
Publicação
Publicação no DSF de 05/07/2005 - Página 22049
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA. HOMENAGEM.
Indexação
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, RELATORIO, AUTORIA, GENERAL DE EXERCITO, ANALISE, SITUAÇÃO, ESTADO DE RORAIMA (RR), QUESTIONAMENTO, DECISÃO, GOVERNO FEDERAL, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS.
  • HOMENAGEM, PROFESSOR PRIMARIO, ESTADO DE RORAIMA (RR), EX-ALUNO, ORADOR, CONGRESSISTA.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, farei a leitura de um artigo escrito pelo General Luiz Gonzaga Schroeder Lessa, Presidente do Clube Militar, que foi publicado na revista do Clube Militar de abril e que consiste num relatório sobre a demarcação da área Raposa/Serra do Sol e sobre as conseqüências disso. Trata-se de um relato histórico.

Aproveito a oportunidade para ler esse artigo, porque o considero muito importante, já que é uma análise que retrata, com bastante fidelidade, a situação em que se encontram o meu Estado e as pessoas que habitam a área Raposa/Serra do Sol.

O nome do artigo é “Desastrada decisão”:

Em 15 de abril de 2005, o Exmo. Sr. Presidente da República expediu o Decreto que homologou a demarcação administrativa da controvertida terra indígena Raposa/Serra do Sol, em área contínua, delimitando-a em 1.747.464 ha.

A equivocada decisão presidencial que atribui essa enorme extensão territorial a cerca de 16.000 indígenas não levou em conta os aspectos estratégicos que envolvem a delicada e sensível fronteira brasileira-venezuelana-güianense, nem tão pouco as peculiaridades muito especiais dos povos que, isolados, nela irão viver, assim como as sérias limitações que se impôs ao desenvolvimento do estado de Roraima.

Custa a crer que o nosso Presidente tenha sido levado a tomar uma decisão que atenta contra a própria segurança nacional e que, há muito, vinha sendo postergada, exatamente pela complexidade dos fatores que nela estão envolvidos e que exigem ampla meditação, não apenas na consideração dos legítimos interesses nacionais envolvidos, mas, também, nas pressões que, dia-a-dia, se avolumam sobre a Amazônia, no mundo globalizado que estamos vivendo.

A desastrada decisão sucumbiu às imensas pressões do movimento indigenista internacional que, infelizmente, encontra, em nacionais brasileiros encrustados na FUNAI e na igreja católica, acerbos defensores.

É preciso, inicialmente, que fique bem claro que não se está contra a demarcação ora definida, motivo de tantos clamores pelo Brasil afora, a despeito do assunto não ser ainda do amplo conhecimento do nosso povo. A demarcação tem amparo constitucional. O que causa espécie é a forma como ela foi feita, que atenta, fundamentalmente, contra o seu objetivo maior que é alcançar a paz, entre os índios e os não índios. Só posso crer que o Presidente foi muito mal assessorado por aqueles que, por fé de ofício, honestidade profissional e brasilidade, tinham que levar ao seu conhecimento os principais fatores que embasassem a sua difícil e complexa decisão.

Assim pois, é pertinente perguntar se o Presidente da República foi informado que:

- O estado de Roraima é hoje um estado índio com cerca de 50% do seu território retalhado por reservas indígenas;

- dos 22.429.898 ha que constituem o Estado de Roraima, abatidas as unidades de conservação (7,51%), áreas militares (3,17%), áreas rochosas (2,58%) áreas inundadas (7,92%) resta uma área remanescente de pouco mais de 7 milhões de hectares (30%) e que desta última, com aptidão agrícola, existem ínfimos 700 mil hectares, cerca de 3% de todo o território estadual;

Resta perguntar se o Presidente da República foi informado que:

- os povos Macuxi e Wapixana, que constituem a maioria expressiva dos habitantes da TI Raposa/Serra do Sol, de há muito mantêm relações étnicas, culturais e econômicas com a sociedade de não índios, a elas se encontrando em crescente fase de integração e que, pela voz das suas lideranças mais atuantes, não desejam permanecer isolados, não querendo, portanto, que a demarcação seja feita em área contínua o que, para eles, irá se constituir em sério retrocesso no estágio de desenvolvimento em que se encontram;

- a Funai é avessa aos reclamos dessa expressiva maioria de índios e que pela sua parcialidade em apenas defender os interesses dos indígenas ligados à igreja católica (missão Consolata), Conselho Indigenista de Roraima (CIR) e a ONGs diversas não é bem recebida, chegando mesmo a ser pedido o seu afastamento da área, por não adotar uma atitude imparcial, tão necessária a uma solução justa e democrática para encaminhar tão sensível questão;

- a exemplo das 32 áreas indígenas que integram o Estado de Roraima, a área da Raposa/Serra do Sol passou por um desmesurado processo de ampliação, sempre ao sabor das pressões do movimento indigenista nacional e internacional, evoluindo de 1.332.110 ha, em 1977, para os atuais 1.747.464 ha, definidos pelo decreto presidencial em 2005, ampliações que geram desconfianças e um desgastante processo de insegurança e caos social que compromete o desenvolvimento do estado;

- e as sucessivas ampliações da área da Raposa/Serra do Sol deveram-se a enganosas artimanhas do CIR e das ONGs a ele ligadas, orientando os índios a darem curso a um processo de satelização, criando-se cada vez mais malocas onde nunca houve a presença de indígenas, como é o caso das áreas do lavrado e de várzea, gerando a falsa impressão de que a maioria dos indígenas concorda com as propostas da FUNAI.

O que, realmente se constata e, particularmente tive a oportunidade de in loco isso presenciar, na viagem que fiz com uma delegação de deputados federais, é que a maioria expressiva dos índios é contra a demarcação em área contínua, como propõe a FUNAI. (sic)

Esta é a evolução das aldeias, para vermos como é a história delas.

Assim é que, das 5 malocas originais detectadas em 1932, se evoluiu para 10 em 1989, 48 em 1996 (FUNAI),125 em 2000 (CIR) e 151 em 2003 (CIR). Um absurdo que só a satelização empreendida pelas vergonhosas manobras do CIR e das ONGs pode justificar.

É marcante, e facilmente comprovada pelos registros históricos, a presença de não índios em toda a área da Raposa/Serra do Sol, desde o início do século passado. Apoiaram, inclusive, a missão de Rondon na década de 1920 e que as vilas que estão sendo retiradas da área, e que dispõem de razoáveis serviços públicos (água, luz, colégio, estradas, telefonia, etc.) são trabalho de gerações de brasileiros, que enfrentando dificuldades, amarguras e sofrimentos mas com muito estoicismo e determinação, há mais de um século povoaram e asseguraram, de fato, a posse brasileira desse setentrião do nosso território.

Concedo o aparte ao Senador Mozarildo Cavalcanti.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - V. Exª já acabou de ler a carta?

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Ainda não. Quer que eu leia toda?

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Preferiria que V. Exª acabasse de ler a carta.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Vamos acabar.

Ressalte-se que:

Vila Socó - hoje com cerca 150 habitantes foi fundada em 1908 pelo caboclo Severino Pereira da Silva [chamado Severino Mineiro, que descobriu ouro e diamante na nossa região];

Vila Água Fria - com 450 habitantes, foi iniciada em 1938 com a casa de comércio de Pedro Sizino;

Vila Mutum - hoje com cerca de 500 habitantes [bem na fronteira com a Guiana] foi fundada por garimpeiros na década de 30;”

Vou fazer um parêntese aqui. Na Vila do Mutum, os nossos garimpeiros, que foram escorraçados do País como bandidos e malfeitores, trabalham legalmente inscritos no regime da Guiana Inglesa. Eles atravessam um rio da largura deste plenário e vão trabalhar lá, e são legalizados lá na Guiana, produzem riqueza e melhoram a vida deles.

Volto à Carta do General Lessa, ao artigo “Desastrada Decisão”.

“Vila Pereira (Surumi) - começou a ser habitada a partir de 1905.

- A despeito dos decretos de reassentamentos expedidos no passado, o número do INCRA é altamente comprometido, nele não se depositando fé, por não cumprir as determinações legais, tornando dolorosa a remoção, a extrusão, no prazo de um ano, de centenas de famílias, muitas delas descendentes dos verdadeiros guardiões da fronteira norte do país.

- As áreas produtoras de arroz irrigado que hoje abastecem o estado de Roraima e boa parte do Amazonas e que se constituem em segmento vital para a economia do Estado e que também pertencerão à reserva indígena, até o ano de l981, não estavam nela incorporadas, só o sendo pelo processo de ampliação já referido. São compostas por áreas de lavrado e de alta taxa de acidez e pouca fertilidade [são as áreas onde estão os arrozeiros], só apta a lavoura tecnificada e que, por isso mesmo não foram objeto de ocupação pelos índios que sempre preferiram as áreas mais férteis e abundantes de animais para a caça. (sic)

É difícil crer que o Presidente da República, ciente dos aspectos referidos e outros mais, não procurasse uma solução conciliatória que acalmasse os ânimos e atendesse os principais reclamos das partes envolvidas no conflito. (sic)

Infelizmente, o Decreto de 15 de abril de 2005, não levará a tão desejada e esperada paz para a região Raposa/Serra do Sul e, por via de conseqüência, para o Estado de Roraima e para o Brasil, constituindo-se em permanente foco de tensão que só alimentará as pressões hoje muito evidentes sobre a Amazônia brasileira ofertando, de graça, munição e argumentos para que os Pascal Lamy da vida incrementem as suas investidas no sentido de transformá-la em bem público mundial. (sic)

Sr. Presidente, Senador Tião Viana, estou lendo uma carta publicada pelo General Lessa na revista do Clube Militar.

Continua a carta:

Sr. Presidente.

Faça imperar a paz na região da Raposa/Serra do Sol. Esteja certo de que ela não será alcançada com o emprego da Polícia Federal ou do Exército, que sofrerão um processo de desgaste natural interpondo-se às partes em conflito e, ao longo dos anos, só farão alimentar receios, violências e descontentamentos

A questão como foi posta está muito mal resolvida.

A solução só será alcançada pelo pacto social, pela concertação, que tem encontrado no senhor o mais forte defensor.

Escute os principais interessados: os índios. Realize um plebiscito entre eles e o senhor ouvirá o que eles têm a dizer, o que eles querem.

Eles é que têm que dar a palavra final para uma solução definitiva na Raposa/Serra do Sol e não os burocratas da hora, que mal os conhecem e que, a eles indiferentes, estão a legislar e ditar regras sob as mais ilegítimas pressões que atentam contra o interesse nacional”. (sic)

Assina o General Luiz Gonzaga Schroeder Lessa, Presidente do Clube Militar

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Concedo um aparte ao Senador Mozarildo.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Augusto Botelho, é importante que V. Exª tenha trazido, para leitura da tribuna, esse artigo do General Lessa, que, é bom que se explique, foi Comandante Militar da Amazônia e que, portanto, conhece muito de perto a região, o Estado de Roraima e todas essas questões, particularmente a reserva indígena Raposa/Serra do Sol. É importante, porque não é mais a palavra de V. Exª, como Senador de Roraima, ou minha, como Senador do Estado de Roraima. Não creio que o Presidente Lula tenha agido inocentemente, nem que tenha sido - digamos assim - mal assessorado. O Presidente Lula tinha todas as informações corretas para decidir de modo diferente. Todas! Havia uma comissão externa do Senado, presidida por mim, cujo Relator foi o Senador Delcídio Amaral, de que fizeram parte V. Exª e o Senador Jefferson Péres. Tivemos o trabalho, com o apoio competente da Consultoria Legislativa do Senado, de levantar toda a questão, todos os aspectos. No parecer final, fizemos um relatório substancioso para o Presidente ter a informação para decidir adequadamente, como dizia que queria. No entanto, o Presidente não levou em conta nem o relatório da comissão externa do Senado nem o da comissão externa da Câmara, cujo Relator era também do PT, o Deputado Lindberg Farias. Esses dois relatórios eram coincidentes, vamos dizer, em quase tudo, e, assim mesmo, o Presidente demarcou. E o pior: demarcou - faço novamente essa denúncia à Nação - baseado numa molecagem jurídica que o Ministro da Justiça fez. No momento de o Supremo apreciar a ação,...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - ...que já tinha uma liminar suspendendo qualquer demarcação, o que aconteceu? O Ministro da Justiça informou ao Relator, Ministro Carlos Britto, no Supremo, que tinha revogado a portaria que demarcava a Raposa/Serra do Sol daquela maneira e que baixara outra totalmente diferente. E o Ministro se louvou na informação do Ministro Márcio Thomaz Bastos, considerando, em função disso, que a ação perdia o objeto; portanto, deveria cair tudo. Infelizmente, foi uma mentira que o Ministro da Justiça pregou no Ministro-Relator do Supremo Tribunal Federal; só no outro dia a portaria foi publicada. Portanto, não existia portaria. Juridicamente, foi realmente uma traquinagem, uma malandragem jurídica que o Ministro da Justiça fez. E o Presidente assinou o decreto no dia seguinte à decisão do Supremo. Então, o Presidente não estava inocente nessa história. Não acredito que o Ministro da Justiça tenha feito isso sem combinar com o Presidente.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Até porque, no outro dia, estavam sorrindo, assinando a demarcação que contraria, como diz o artigo, principalmente os índios que moram lá na reserva - não os índios que ficam passeando em Brasília e fazendo auê. Refiro-me aos índios que moram lá na reserva. Estamos concluindo o trabalho de outra comissão externa temporária, da qual sou o Presidente e V. Exª é o Relator. Estivemos lá, andamos por toda a região, ouvimos todos, para dar, agora, um parecer sobre esse decreto do Presidente e, se possível, sustar, por meio de um decreto legislativo, esse decreto, até que o Supremo decida em definitivo essa questão da homologação. Todo o processo de demarcação é cheio de fraudes, de ilicitudes, inclusive essa do Ministro da Justiça. Registro aqui a minha indignação, esperando possamos concluir o nosso relatório ainda nesta semana. Assim, partiremos para outra etapa: de suspender por meio do decreto legislativo e esperar a decisão do Supremo, que, tenho certeza, irá corrigir essa tremenda falha, esse tremendo erro a que S. Exª foi induzido pelo Ministro Márcio Thomaz Bastos. Muito obrigado.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Agradeço a V. Exª e concedo o aparte ao Senador Wirlande da Luz, de Roraima.

O Sr. Wirlande da Luz (PMDB - RR) - Senador Augusto Botelho, essa carta do comandante expressa exatamente o que presenciamos em visita à região Raposa/Serra do Sol. Ela diz exatamente o sentimento que percebemos nas pessoas que não querem a demarcação da maneira como foi feita. Portanto, tem de ser revista a demarcação. O relatório dessa última comissão não deve ser diferente do relatório anterior, de 2002, e a expressão...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O Sr. Wirlande da Luz (PMDB - RR) -...de cada indígena ali é exatamente a de dois anos atrás e exatamente o que expressa a carta do comandante. Muito obrigado.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Muito obrigado pelo aparte de V. Exª.

Um minutinho, Senador Tião Viana, porque esteve aqui, em Brasília, neste fim de semana, a Professora Cidalina Tomé Abdala, que, por coincidência, foi professora primária dos Senadores Mozarildo Cavalcanti e Wirlande da Luz, minha professora e do Deputado Rodolfo Pereira também. No entanto, ela teve um problema e teve de ir embora. Ela nos faria uma visita, na qual lhe prestaríamos uma homenagem. Espero que recupere a sua saúde e volte um dia para fazermos a homenagem, porque é difícil existir uma professora que tenha tantos Parlamentares juntos numa mesma legislatura, numa mesma sala.

Agradeço pela tolerância, Presidente Tião Viana, e espero que V. Exª consiga aprovar seu projeto de moralização, que está correndo na Casa.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/07/2005 - Página 22049