Discurso durante a 104ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Influência da desnutrição sobre o desaparecimento de crianças no mundo.

Autor
Papaléo Paes (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Influência da desnutrição sobre o desaparecimento de crianças no mundo.
Publicação
Publicação no DSF de 06/07/2005 - Página 22241
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, INCIDENCIA, MORTALIDADE INFANTIL, EFEITO, DESNUTRIÇÃO, POPULAÇÃO.
  • REGISTRO, FABRICAÇÃO, PESQUISADOR, UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS (UNICAMP), BEBIDA, UTILIZAÇÃO, SEMENTE, FRUTA, REGIÃO AMAZONICA, OBJETIVO, ALIMENTAÇÃO, CRIANÇA, VITIMA, DESNUTRIÇÃO, DEFESA, INVESTIMENTO, GOVERNO FEDERAL.
  • ANALISE, NECESSIDADE, INVESTIMENTO, BEM ESTAR SOCIAL, SAUDE, INFANCIA, BRASIL, APRESENTAÇÃO, DADOS, FUNDO INTERNACIONAL DE EMERGENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFANCIA (UNICEF), PROGRAMA, PAIS, MUNDO, REDUÇÃO, MORTALIDADE INFANTIL.

            O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando se trata dos índices sobre mortalidade infantil, os estudos dos especialistas e das organizações internacionais convergem para uma única certeza: a desnutrição ainda exerce significativa influência sobre o desaparecimento de crianças no mundo. No Brasil, o quadro não poderia ser diferente, configurando um autêntico caso de calamidade pública, contra cujas causas o Governo Federal e a sociedade brasileira deveriam articuladamente se unir. Por isso, ainda nos assusta saber que mais da metade (54%) dos casos de morte de crianças na primeira infância está associada à má nutrição.

            No mundo, 62 milhões de pessoas morrem, em média, a cada ano, das quais 36 milhões (58%), direta ou indiretamente, como resultado de deficiências nutricionais, infecções, epidemias ou doenças que atacam o corpo, quando sua resistência e imunidade foram enfraquecidas pela desnutrição e fome. No Brasil, dados do Ministério da Saúde mostram que metade das gestantes e crianças brasileiras com até dois anos de idade sofrem de anemia. Isso significa que todas as crianças nessa faixa etária podem ter deficiência de ferro, já que, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), para cada pessoa com anemia, existe ao menos mais uma com insuficiência de ferro.

            Nesse crítico contexto, o Brasil não pode dar-se ao luxo de desperdiçar qualquer chance que possa representar o fim da mortalidade infantil. Desse modo, foi com espírito inteiramente alvissareiro que recebemos a notícia de pesquisas que comprovam o alto valor nutritivo do leite do cupuaçu. Como é sabido, o cupuaçu é um fruto originado de árvore pequena da família das esterculiáceas, nativa da Amazônia, de folhas vernicosas e flores paniculadas. Culturalmente, são frutos bastante comestíveis ao natural na região, cujas sementes se assemelham muito às do cacau, e muito utilizados em doces.

            Na verdade, trata-se de uma invenção recente, que consiste na produção de uma bebida láctea provinda do cupuaçu, com sabor semelhante ao tradicional leite com chocolate. A responsabilidade pelo produto é creditada a uma equipe de pesquisadores da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), da Unicamp, coordenada pelos professores Nelson García e Marisa Jackix, desde 1996.

            Segundo relato da equipe, o produto foi desenvolvido exclusivamente com proteína concentrada ou isolada da própria semente do cupuaçu. As pesquisas preservam ao máximo seus componentes nutricionais e maximizam suas características sensoriais. Para chegar à bebida láctea dessa fruta, os pesquisadores analisaram preliminarmente a obtenção de concentrado e isolado protéico das sementes, com o propósito de substituição do leite, utilizado mais tradicionalmente na dieta brasileira.

            Por se tratar de um produto que será principalmente consumido por crianças, é extremamente relevante que os componentes nutricionais sejam preservados e não deteriorados. Com temperatura e duração de torração adequadas, preserva-se o valor nutricional, bem como garante-se o desenvolvimento apropriado do sabor e do aroma do produto.

            Do ponto de vista da aceitação do leite cupuaçu pela garotada, deve-se destacar que suas sementes guardam um sabor tão deliciosamente exótico quanto aquele verificado no cacau. Sua polpa, com sabor doce e ligeiramente acidulado, possui inúmeras aplicações práticas, que se estendem de sucos e iogurtes a sorvetes e geléias.

            Historicamente, no processo de extração da polpa, a semente do cupuaçu era praticamente descartada. No entanto, agora, sabe-se que a semente guarda 20% do peso do fruto, com razoáveis valores de proteínas e altos teores de lipídios e, conseqüentemente, com muitas calorias. É bem provável que isso proporcione, a custos módicos, a distribuição do produto a uma parcela bem expressiva da população infantil brasileira.

            Não seria nada descabido enfatizar que dados do Ministério da Saúde mostram que metade das gestantes e crianças brasileiras com até dois anos de idade sofrem de anemia.

            A Diretora-Executiva do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Carol Bellamy, afirmou que, embora os programas brasileiros de transferência de renda possam servir de exemplo para o mundo, são necessários maiores investimentos tanto em assistência nutricional quanto em educação. Segundo ela, as crianças estão morrendo porque suas famílias são pobres demais para sequer ficarem doentes.

            Não por acaso, Carol Bellamy, durante visita ao Brasil, reiterou seu apelo às autoridades locais, destacando que o direito à sobrevivência é a primeira medida de igualdade, oportunidade e liberdade para uma criança. É, realmente, inacreditável que nessa era de maravilhas da medicina e da tecnologia, a sobrevivência de crianças seja tão frágil em tantos lugares, especialmente para os pobres e marginalizados.

            De fato, se quisermos fazer uma diferença real na vida das crianças e ter uma chance de alcançar as metas sociais e econômicas da comunidade mundial, teremos que tornar os direitos dessas crianças marginalizadas e esquecidas nossa mais alta prioridade. Os direitos ao acesso à saúde, à educação e a um ambiente de segurança e amor precisam ser realidade para todas as crianças.

            Vale recordar, com desolação, que, anualmente, aproximadamente 11 milhões de meninos e meninas morrem no planeta antes de completar 5 anos de idade, por causas que poderiam ser evitadas com intervenções simples e de baixo custo. Em 1990, o mundo inteiro comprometeu-se a reduzir em dois terços, até 2015, a taxa de mortalidade de crianças nessa faixa etária. No entanto, o relatório “Progresso para as Crianças”, lançado pelo UNICEF, em outubro de 2004, mostra que o progresso lento na maioria dos países deixa o planeta longe de alcançar a meta.

            O estudo da UNICEF apresenta dados sobre a taxa de mortalidade de crianças menores de cinco anos em todos os países e as tendências de desenvolvimento de 1990 para 2002. A pesquisa mostra que, se os países continuarem nesse ritmo, o índice deve diminuir em, no máximo, um quarto até 2015. Enquanto 90 países encontram-se no caminho certo para atingir a meta, outros 98 ainda têm uma longa trilha a percorrer.

            Para satisfação nossa, o Brasil parece dar mostras de que a meta deve ser cumprida. Desde 1990, o ritmo de redução da mortalidade na primeira infância tem sido de aproximadamente 4,3% ao ano. Até 2015, o País deve conseguir reduzir a taxa de mortalidade de menores de 5 anos para 20 por mil nascidos vivos. Embora o relatório “Progresso para as Crianças” trabalhe com dados do ano 2000, o Brasil já conta com informações mais atuais. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa em 2002 era de 33,7 por mil nascidos vivos.

            Contudo, nosso maior desafio consiste em reduzir a distância entre Estados e Regiões. No Nordeste, por exemplo, a taxa de mortalidade de crianças com menos de cinco anos em 2000 era de 50,9. Já na Região Sul, morriam 22 meninos e meninas nessa faixa etária. Em 2002, os países ricos tinham uma taxa média de sete mortes por mil nascidos vivos. Nos menos desenvolvidos, a taxa média chegava a 158 por mil.

            Por fim, em caso de se adotar o leite de cupuaçu como medida contra a desnutrição infantil, uma comparação que mereceria consideração é aquela do Programa Leite Vida. Trata-se de um exemplo de como uma idéia simples pode transformar a vida de muitas pessoas. A partir da criação de cabras, a cidade de Timon, no interior do Maranhão, desenvolveu uma iniciativa inteligente para erradicar a desnutrição infantil em suas comunidades desfavorecidas. Com aproximadamente 130 mil habitantes, sua implantação exigiu gastos, inicialmente, de 10 a 15 mil reais. Segundo a Prefeitura, a manutenção mensal para as cerca de 40 famílias atendidas na primeira etapa foi de quatro mil reais.

            Para concluir, gostaria de dirigir um apelo às autoridades brasileiras, no sentido de abrir as portas para o desenvolvimento do leite de cupuaçu em escala nacional. Graças às exaustivas investigações da equipe da Unicamp, o Brasil pode contar, a partir de agora, com novas e interessantes alternativas contra a desnutrição infantil. Por fim, cumpre reconhecer que as altas taxas de mortalidade infantil no País não nos permitem qualquer hesitação política. Portanto, vamos abraçar o projeto da Unicamp para salvar o maior número de nossas crianças.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/07/2005 - Página 22241