Discurso durante a 105ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à adoção de modificações na política econômica nos termos do que está sendo chamado "déficit zero".

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Críticas à adoção de modificações na política econômica nos termos do que está sendo chamado "déficit zero".
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares, Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 07/07/2005 - Página 22350
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • REPUDIO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, CORTE, GASTOS PUBLICOS, NATUREZA SOCIAL, PRIORIDADE, PAGAMENTO, JUROS, DIVIDA PUBLICA, AMPLIAÇÃO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, BRASIL, FAVORECIMENTO, CAPITAL ESPECULATIVO, ANALISE, CONTRADIÇÃO, DIRETRIZ, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).
  • IMPORTANCIA, CRISE, POLITICA NACIONAL, OPORTUNIDADE, DEBATE, REFORMA ADMINISTRATIVA, REDUÇÃO, CARGO DE CONFIANÇA, REFORMA POLITICA, EXTINÇÃO, REELEIÇÃO, AUMENTO, CONTROLE, CIDADÃO, ACOMPANHAMENTO, INTERNET, GASTOS PUBLICOS, MELHORIA, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Governo estuda a adoção de modificações na política econômica. Essas mudanças são chamadas de déficit zero. Trata-se de uma modificação que, no essencial, não altera a atual política econômica, mas sim acentua e agrava ainda mais os cortes nas despesas públicas, nos gastos públicos. Atingidos pelos cortes, porém, não estariam os gastos com a rolagem da dívida. Esses gastos são sagrados e não seriam atingidos, pois teria que continuar a pagar o serviço. Este ano, os gastos com a rolagem e o principal dessa dívida são bem maiores que os do ano passado, porque as taxas de juros dispararam.

A ótica do pensamento liberal brasileiro entende como corte de gastos públicos para alcançar o denominado déficit zero, o déficit nominal zero, apenas a redução das despesas com educação, com saúde e com assistência. Essa é a razão do déficit zero. Vão zerar o déficit ampliando a desgraça, a pobreza e a miséria neste País. Os pais da idéia propõem dar continuidade ao processo de transferência de recursos do orçamento federal destinado aos deserdados para os banqueiros e rendeiros. A operação que se faz a cada dia neste País é a transferência de renda dos pobres para os ricos por meio do instrumento de política que é o orçamento público.

A quem interessa o déficit zero, ou seja, equiparar as despesas e as receitas? Isso eu fiz quando fui Governador de meu Estado, e não havia Lei de Responsabilidade Fiscal. A primeira ação nossa foi equilibrar receitas e despesas. Lógico que isso interessa a todos nós, interessa a todo mundo. Já as medidas drásticas que seriam utilizadas nesse momento histórico podem agradar apenas alguns.

Mas, no quadro atual do País, na conjuntura econômica em que detemos o recorde de taxa real de juros do planeta - aqui se paga mais juros em todo o mundo -, propor déficit zero sem tomar medidas imediatas que façam baixar a taxa básica de juros, no caso a malfadada Selic, é favorecer apenas alguns segmentos minoritários da sociedade, cuja forma de renda é o juro, em detrimento de um número gigantesco de excluídos que dependem de políticas públicas compensatórias. Sem redução da taxa Selic, políticas de déficit zero significam transferir um montante de metal sonante, de dinheiro, inicialmente destinado a despesas públicas, para os bolsos dos credores. Há uma minoria de pessoas que vivem de emprestar dinheiro neste País. Cerca de 10 milhões de pessoas emprestam dinheiro e a maioria desse dinheiro é tomado pelo Poder Público.

Não há a menor dúvida de que a baixa da taxa de juros é necessária e desejada por toda a sociedade brasileira, com exceção de uma só categoria social: os que vivem de empréstimo de dinheiro. Esses não querem baixar a taxa de juros.

A discussão é apenas econômica, mas a decisão é política, mesmo a decisão de alcançar o déficit zero, que está direcionada no interesse de uma minoria. Além do mais, a vinculação das despesas sociais foi importante para o Brasil desde a sua implantação com a Constituição de 1988. Pode parecer para alguns uma aberração econômica, mas em um País campeão de concentração de renda e de roubalheira, tal medida foi importante. Ela melhorou a situação das camadas mais pobres do País, ampliou as oportunidades dos excluídos de alcançarem a escola e, ainda que de forma insuficiente, estendeu as ações de saúde pública. Todos nós sentimos o problema e convivemos com o clamor do povo brasileiro por saúde. Temos dificuldade, principalmente em nossa região, mas, ainda sim, a vinculação de recursos orçamentários vinculados à saúde minorou o sofrimento do povo brasileiro.

A idéia do déficit zero não é nova. Aliás, essa concepção ressurge de tempos em tempos, alimentada pelas mesmas correntes conservadoras do pensamento econômico. O que é novo e, ao mesmo tempo constrangedor, é o fato de que a sua aplicação possa vir a ser bandeira de um Governo que foi eleito para provocar mudanças conjunturais e estruturais, um Governo que foi eleito para melhorar a qualidade de vida do povo brasileiro e para reduzir as desigualdades sociais existentes. Em momento de crise política, como o que estamos vivendo, não é hora de se tirar coelho da cartola. Já não basta o superávit primário que, hoje, no sexto mês deste ano, está na casa dos 7% do PIB? Nem tampouco basta o mimetismo de metas de inflação da ordem de 4% do PIB, semelhante à dos Estados Unidos ou à de países da União Européia como se fôssemos um Estado milenar, como se fôssemos o Estado francês, organizado por Hugo Capeto, no ano da graça de 990? Quem pode garantir que os juros não continuarão a crescer no futuro? E nós tivemos a experiência do último Governo, que aumentou a carga tributária, que vendeu os ativos para tentar controlar os juros da dívida. Mas acontece que a dívida dobrou e os juros continuaram crescentes e a crise permanente, a crise econômica persistente.

Hoje, a grave crise política que atravessamos pode ser, sim, encarada como uma oportunidade para que o País rediscuta temas tornados essenciais.

Nossa função como agentes políticos nos coloca nessa responsabilidade de ajudar a melhorar a credibilidade de nossas instituições, que estão na boca do povo. Volto a insistir em três temas, que me parecem essenciais: primeiro, a reforma do Estado, de modo a profissionalizá-lo e a equipá-lo, reduzindo drasticamente os cargos de livre nomeação, ao mesmo tempo em que se viabiliza a possibilidade de imediata sanção aos que incorrerem em qualquer tipo de desvio de conduta ao gerir a coisa pública.

Nesse final de semana, eu estive em Saint Georges, na fronteira do Brasil, um Município do Departamento Francês da Guiana. Conversei com o Prefeito. Ele, quando assumiu a Prefeitura, entrou apenas com o seu chefe de gabinete, todos os outros funcionários são de carreira. Do lado do Oiapoque, o Prefeito que entrou mudou todos os funcionários, colocou novos dirigentes, que não sabiam fazer nada e acabaram paralisando a ação da Prefeitura, como paralisa a ação dos Governos Estaduais, como paralisa a ação do Governo Federal, porque os que estão entrando ainda vão adquirir experiência, muitos vão aprender a gerir a coisa pública.

Portanto, é necessário reduzir essas nomeações, reduzir os cargos de confiança na gestão pública brasileira. Nós vivemos a experiência de governar o Estado por duas vezes, e, quando deixamos o Governo e, portanto, foram mudados todos os gestores, paralisaram-se todas as ações, todas as políticas públicas.

O segundo ponto é a reforma política, e acho que este seria o momento. O Senador Cristovam Buarque já falou aqui que, no bojo da reforma política, deve-se garantir o fim do voto nominal e a fidelidade partidária. Penso que se poderia também acabar com a reeleição de Presidente, Governadores. O momento é importante. Se o Presidente da República manda para cá um projeto de reforma política acabando com a reeleição, poderíamos sair bem melhor dessa crise. Essa é uma decisão fundamental que precisa ser tomada.

Antes de abordar o terceiro ponto, concedo o aparte ao Senador Mozarildo Cavalcanti.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Agradeço a V. Exª por me conceder o aparte agora, porque quero falar exatamente sobre o último ponto que V. Exª abordou, a reforma política. Preocupo-me muito quando querem fazer mudanças em hora de crise, na hora da dor. Como médico, sempre raciocinei o seguinte: quando se pega um paciente com muita dor, primeiramente deve-se aliviar a dor daquele paciente e, depois, fazer-se um diagnóstico e uma terapêutica correta. Concordo plenamente que tem que haver uma reforma política. Algumas coisas têm de ser feitas para valer já para a próxima eleição. Esta tese que V. Exª apresenta, de acabar com o instituto da reeleição, talvez aumentando o mandato de quatro para cinco anos e havendo até coincidência de mandatos, é importantíssima, assim como o financiamento público exclusivo de campanha. Preocupo-me quando, além disso, querem colocar outras coisas, como a lista fechada, que beneficiará os atuais Deputados. Isso realmente pode virar casuísmo no bojo de uma boa intenção de fazer a reforma política.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Muito obrigado, Senador Mozarildo Cavalcanti.

Veja o que poderia ocorrer com um projeto de mudança do fim da instituição da reeleição e, ao mesmo tempo, com a implantação da profissionalização da burocracia estatal.

Essas são duas mudanças que têm que caminhar juntas: o fim da reeleição, talvez com a ampliação de mais um ano de mandato para os Executivos, e a implantação da modernização da burocracia estatal profissional, com a garantia da ascensão na carreira dos funcionários públicos, criando também mecanismo para que se possa punir com rapidez aqueles que cometem desvios.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB - SE) - Quando for oportuno, Senador João Capiberibe, gostaria de aparteá-lo.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Concedo um aparte a V. Exª.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB - SE) - Senador Capiberibe, V. Exª está tratando de alguns assuntos no seu discurso que correspondem à atualidade no debate nacional. Primeiro, o déficit público. O Governo tem, ao longo desses anos, tratado essa questão fixando o superávit primário, inclusive na época em que havia o acordo com o FMI, acima das determinações dessa instituição, acima de 4% do PIB e até 4,75%. Ora, o que se debate agora é que esse superávit poderia ser ainda maior. O Governo está discutindo com empresários, com banqueiros, com a Federação das Indústrias e com o próprio Ministro da Fazenda a possibilidade de adoção de medidas drásticas para que esse superávit primário fosse ainda maior e para que houvesse um aperto fiscal mais vigoroso, inclusive com a exclusão, na Constituição, da obrigatoriedade dos repasses para a saúde e para a educação, como hoje acontece. Em vez de propor tal medida, a meu ver contraproducente do ponto de vista social, já que estamos vivendo, como disse V. Exª, em um País com quase quarenta milhões de miseráveis, pessoas que estão abaixo da linha da pobreza, poderíamos pensar, já que temos uma arrecadação altíssima - o Brasil conseguiu, em poucos anos, aumentá-la de 20% para 36% do PIB, cobrando do povo brasileiro -, em melhorar a distribuição desses recursos, por exemplo, reduzindo substancialmente a verba de publicidade, a dotação de comunicação não só na União, como nos Estados e nos Municípios. Gastamos quase R$4 bilhões anuais, somando-se o que se gasta na União com o que se gasta nos Estados e Municípios. Ora, Sr. Presidente e nobre Senador, R$4 bilhões dariam para, por exemplo, fazermos a revitalização do rio São Francisco. Fiz uma conta com o Senador Osmar Dias, e constatamos que esse dinheiro daria para fazermos 400 mil casas populares. Ora, a redução da despesa com publicidade redundaria em quê? Redundaria numa redução substancial do processo de corrupção - estamos vendo que a corrupção está acontecendo justamente na verba da publicidade - e também contribuiria substancialmente para a elevação da preocupação do Governo com a resolução dos problemas sociais. Nesse sentido, casual e coincidentemente, tenho um discurso para fazer logo depois de V. Exª, na mesma direção, ou seja, fazendo com que o Governo pense cuidadosamente sobre essa proposta. Tenho muito respeito pelo ex-Ministro Delfim Netto, uma das grandes cabeças da economia nacional. Mas, logicamente, será muito difícil passar tal proposta no Congresso Nacional, se houver mesmo essa exclusão das obrigatoriedades constitucionais com relação à educação e à saúde.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Senador Antonio Carlos Valadares, agradeço a V. Exª pelo aparte. Essa é uma preocupação que temos de ter com aqueles que nos mandaram para cá, com aqueles que nos elegeram. Somos representantes do cidadão, da cidadã, e não dos banqueiros, dos correntistas, dos que vivem de juros. É inaceitável uma proposta neste momento de crise. A discussão vai terminar sendo feita em função das questões econômicas, e essa é, como se diz, uma decisão política.

Neste último minuto que me resta, quero dizer que concordo plenamente com V. Exª, Senador Antonio Carlos Valadares: precisamos melhorar a produtividade do gerenciamento pelo Estado dos recursos do cidadão. Há muitos ralos, ralos demais. Falo não só da publicidade. Há ralo em todas as ações de governo.

Para isso, precisamos, definitivamente, incorporar às nossas preocupações com o controle dos gastos públicos o cidadão que paga imposto. Para isso, temos tecnologia. A Internet está disponível. As instituições de controle, hoje, estão submetidas a desconfianças. Por que, então, não as tornar transparentes?

Quando o Tribunal de Contas inicia uma auditagem em uma repartição pública qualquer deveria colocar sua primeira portaria, estabelecendo a auditagem, na Internet. Daí para a frente, constariam todos os documentos produzidos por essa auditagem, até a sua conclusão final, para que o resultado dessa auditagem não fique apenas no conhecimento dos auditores e dos auditados, o que termina em negociata.

Outra questão são os gastos públicos, as despesas. Quando falo em transparência não me refiro à prestação de contas, mas à possibilidade de o cidadão, aquele que paga impostos, acompanhar a despesa no momento em que é realizada, por meio da Internet. Assim, é possível impedir o desvio do dinheiro. Que seja feito o link de todas as administrações orçamentárias e financeiras do País: do Município à União Federal, do Judiciário ao Legislativo, para que essas despesas transitem na frente de todos nós com absoluta transparência. Isso não é prestação de contas, não é para ser feito depois que a despesa ocorreu.

Falo que é possível - e provei isso como Governador do Amapá, e a matéria está hoje ainda na Internet - fazer isto hoje: mostrar ao cidadão que paga imposto a despesa realizada em tempo real.

É essa a nossa luta, para que recuperemos de volta a confiança do povo brasileiro.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/07/2005 - Página 22350