Discurso durante a 106ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o processo de demarcação das reservas indígenas e ecológicas no Estado de Roraima.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Considerações sobre o processo de demarcação das reservas indígenas e ecológicas no Estado de Roraima.
Aparteantes
Juvêncio da Fonseca.
Publicação
Publicação no DSF de 08/07/2005 - Página 22409
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • ANALISE, IRREGULARIDADE, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), ACUSAÇÃO, INEXISTENCIA, PORTARIA, PUBLICAÇÃO, ANTERIORIDADE, DECRETO FEDERAL.
  • REGISTRO, CRIAÇÃO, COMISSÃO EXTERNA, SENADO, ESTUDO, OPINIÃO, POPULAÇÃO, REGIÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), ENCAMINHAMENTO, RELATORIO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, RELATORIO, AUTORIA, COMISSÃO EXTERNA, SENADO, ESTUDO, EFEITO, CRIAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), POPULAÇÃO, REGIÃO.
  • DEFESA, APROVAÇÃO, PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO, AUTORIA, JUVENCIO DA FONSECA, SENADOR, SUSTAÇÃO, DECRETO FEDERAL, CRIAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR).

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente Serys Slhessarenko, Srªs e Srs. Senadores, há poucos dias, abordei desta tribuna, inclusive mostrando um mapa, a situação das reservas indígenas e ecológicas em meu Estado. São 35 reservas indígenas já demarcadas e que correspondem a 50% do território do meu Estado. A população indígena do meu Estado é de 8%. Nem 3% dessa população é realmente constituída de índios aldeados, ou seja, que moram nas aldeias. Uma proporção menor ainda é de índios que estão naquele estágio mais primitivo, que vivem efetivamente da caça, da pesca, da cultura primária da mandioca. Os outros são funcionários públicos, políticos, prefeitos, vereadores, integrantes das Forças Armadas e da Polícia Militar.

Quanto à trigésima quinta reserva indígena demarcada, Raposa Serra/ do Sol, nós, do Senado, tomamos o cuidado de acompanhar, já que, ao longo de várias décadas, essa pretensão vinha sendo aumentada a cada ano com a pulverização ou multiplicação artificial das aldeias. Se existia uma aldeia com 100 famílias, tiravam-se 10 famílias dali e criava-se uma nova aldeia a alguns quilômetros de distância daquela. Depois de um tempo, tirava-se mais 10 famílias e se criava outra aldeia mais ao norte. Assim, de poucas aldeias identificadas inicialmente, de repente, houve uma verdadeira multiplicação sem que a população crescesse proporcionalmente ao número de aldeias. Quer dizer, havia muitas aldeias, mas a população era praticamente a mesma daquelas inicialmente encontradas.

A Funai, assessorada ou comandada por instituições não governamentais, entre as quais, prioritariamente, o Conselho Indigenista Missionário, foi manobrando, criando um clima internacional, primeiro, até começando pela mentira do nome: Reserva Indígena Raposa/Serra do Sol. Eram duas reservas diferentes, para serem demarcadas separadamente, porque uma era constituída de um determinado tipo de etnia indígena, os Ingaricós, lá no norte, na Serra do Sol, e, lá embaixo, os Wapixanas e Macuxis, na região da Raposa, distando cento e cinqüenta quilômetros uma da outra, numa região de fronteira entre a Venezuela e a Guiana, que têm, entre si, um litígio por terras. A Venezuela não reconhece cerca de um terço do território da Guiana, que faz fronteira com o Brasil. Então, é uma coisa completamente ilógica. E mais ilógico ainda é que a maioria dos índios que moram lá não queriam esse tipo de demarcação.

Para não dizer que é o Senador lá do Estado de Roraima que está falando, fizemos uma comissão externa do Senado, cujo Relator foi o Senador Delcídio Amaral, do PT, líder atual do Governo e do bloco de apoio, que, juntamente com o Senador Jefferson Peres, eu, Presidente, e mais dois Senadores, fomos a Roraima, ouvimos as pessoas, fomos na reserva, nas diversas localidades, conversamos com os índios. Nossa consultoria legislativa se debruçou sobre essa matéria e produziu um relatório que fundamentou, digamos, de maneira jurídica, antropológica, histórica e legal, uma decisão para o Presidente da República tomar, com base em informação da Casa que representa a Federação, que é o Senado Federal. E encaminhamos esse relatório para o Presidente da República, para o Ministro da Justiça e adotamos providências no sentido de que não houvesse essa demarcação dessa forma. Estivemos com o Presidente da República várias vezes. Sua Excelência nos prometeu que iria encontrar uma solução justa para todos, quer dizer, que atendesse àquele grupo de índios comandado pelo Conselho Indigenista Missionário, que é representado pelo Conselho Indígena de Roraima, mas também à maioria dos índios, que não são comandados por esses órgãos e têm as suas próprias instituições, como é o caso da Sodiur, Aricon, Lídice, que são outras instituições formadas por índios e não comandadas por ninguém de fora da reserva. O Presidente entendeu isso e disse que ia fazer.

Estivemos com o Presidente, pela última vez, eu, o atual Governador do Estado, o Senador Augusto Botelho e os Deputados Federais e levamos novamente o relatório da Comissão. O Presidente nos disse que ia demarcar, tinha que fazê-lo porque não agüentava mais a pressão que recebia da ONU, da OEA e das ONGs. Em outro evento no Acre, Sua Excelência me disse que essas ONGs européias eram mais fortes do que qualquer partido político. Por fim, o Presidente disse que, quando fosse demarcar, nos chamaria para efetivamente dizer qual ia ser o modelo da demarcação.

Apesar das recomendações da Comissão Externa, embora estivesse sustada pelo Supremo qualquer demarcação, o que fez o Ministro da Justiça? Informou ao Relator do processo no Supremo Tribunal Federal, Ministro Carlos Ayres Brito, quando do julgamento apenas da competência, para decidir se o Supremo Tribunal Federal ou a Justiça Federal de Roraima decidiria o mérito da questão, dado que existiam muitas fraudes no processo de demarcação, que tinha baixado uma outra portaria, mudando aquela anterior, portanto, mudando o formato da demarcação. Com isso, as ações que estavam no Supremo perderiam o objeto. Só, Sr. Presidente, que não havia sido publicada a portaria, portanto, ela não existia legalmente, estava na mesa do Ministro. E, com base nessa informação, o Relator disse que existia a portaria, e os Ministros do Supremo acataram, portanto, a proposta de perda de objeto e, com isso, derrubaram as ações.

Vejam bem, Srªs e Srs. Senadores, no dia seguinte, o Ministro publicou a portaria e, à tarde, o Presidente assinou o decreto demarcando a reserva, quer dizer, numa frontal desconsideração ao trabalho da Comissão externa do Senado, num frontal desrespeito à lei. Baixar um decreto baseado numa portaria inexistente é uma ilegalidade, é um ato nulo de pleno direito, mas mesmo assim o Presidente fez. Então, nós, os três Senadores de Roraima, requeremos uma outra comissão externa para ir lá, depois do decreto do Presidente que pretende “desescrever” a história daquela região, tirando quatro vilas, quatro pequenas cidades que lá existem, inclusive na fronteira com a Guiana e com Venezuela, formadas por índios, por não-índios, por miscigenados de índios e não-índios, pessoas que estão lá há várias gerações.

Por esse decreto do Presidente, todos vãos ser excluídos de lá, vão ser expulsos de lá. Fomos lá ouvir essas pessoas e também as comunidades indígenas. Inclusive, uma delas tinha feito reféns quatro policiais federais que estavam por lá, sob o pretexto de garantir a ordem, transitando nas comunidades indígenas. Foram feitos reféns pelos índios. Ouvimos todos e produzimos um outro relatório, Srª Presidente. Quero hoje apenas dar a notícia e formalmente comunicar à Casa, já que este relatório será enviado à Presidência do Senado. E esperamos, inclusive, que possamos ter os efeitos desse trabalho, somados ao do primeiro, aprovados.

V. Exª, Senador Juvêncio, é o Relator do Projeto de Decreto Legislativo que propõe sustar o decreto do Presidente da República. Eu gostaria muito de ler apenas a conclusão, já que solicito que os dois relatórios sejam dados como integrantes do meu pronunciamento, a fim de embasar muito bem esta Casa.

O relatório desta Comissão termina assim:

Após tomar depoimentos em todas as vilas afetadas pela demarcação da Reserva Raposa Serra do Sol, em comunidades indígenas descontentes com ato homologatório e em Boa Vista, esta Comissão elegeu como prioritárias as seguintes recomendações:

- reforçar as recomendações do relatório da Comissão Temporária Externa sobre a demarcação de terras indígenas criadas pelo Requerimento nº 529, de 2003, no que diz respeito à Reserva Raposa Serra do Sol.

Portanto, está reiterando, ratificando os termos do relatório da Comissão anterior.

E continua:

- apoiar o Decreto Legislativo nº 192, de 2005, que susta o decreto do Presidente da República de 15 de abril de 2005, que homologa a demarcação administrativa da terra indígena Raposa Serra do Sol no Estado de Roraima.

Então, chamo a atenção desta Casa nesse sentido. É uma coincidência feliz que o Senador Juvêncio da Fonseca esteja aqui, porque S. Exª é o Relator desse decreto e mostra que ele tem que ser sustado, Srª Presidente, por várias razões: a primeira, como eu disse, porque é ilegal, baseou-se num ato nulo de pleno direito; a segunda, porque, ao fazer isso, não entrou no mérito, portanto, jogou para debaixo do tapete todas as maracutaias, fraudes e ilicitudes cometidas no processo inicial.

Mas eu gostaria de pedir a paciência de V. Exª somente para ouvir o aparte do Senador Juvêncio da Fonseca, que é o Relator desse decreto legislativo tão importante para meu Estado. Aliás, essa Comissão esteve também em seu Estado, esteve no Estado de Santa Catarina e no Estado de Rondônia, na questão da Reserva Roosevelt.

O Sr. Juvêncio da Fonseca (PDT - MS) - Senador Mozarildo Cavalcanti, a luta de V. Exª em favor do indígena é muito grande, porque o que está acontecendo no País hoje é uma manipulação dessas demarcações pela Funai, principalmente, por algumas ONGs e pelos antropólogos, dentro do princípio do indigenato. E isso traz uma séria conseqüência para a população indígena principalmente. O projeto de decreto legislativo de V. Exª tem grande profundidade. Estou propenso não só como Relator, mas como sul-mato-grossense, a entrar também com um projeto de decreto legislativo contra o decreto demarcatório do Presidente da República de uma área chamada Antônio João lá em Mato Grosso do Sul, que também foi feito - e neste caso muito mais grave - em terras legitimamente tituladas e ratificadas pelo Incra um ou dois anos atrás. Todas as terras eram legitimamente tituladas, ratificadas pelo Incra, e o Presidente da República baixa um decreto de demarcação, ignorando todos esses valores institucionais que são praticamente pétreos da Nação brasileira, estão na Constituição e não podem, de forma alguma, ser utilizados pelo Presidente. Esse é um ato de irresponsabilidade, que faz com que esse conflito prolifere no País inteiro. Portanto, V. Exª está de parabéns. Esta ação de V. Exª é muito mais em favor do indígena do que propriamente de qualquer outra pessoa ou instituição no País.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Agradeço o aparte de V. Exª e finalizo dizendo que, realmente, temos que nos debruçar sobre essa questão. Existe uma emenda constitucional de sua autoria, permitindo que sejam indenizadas as terras que por acaso a União queira desapropriar para reservas indígenas. Uma outra emenda constitucional minha até alivia a situação do Presidente da República, porque faz com que esses processos, antes de serem assinados por Sua Excelência, passem pela análise do Senado Federal. Como esta Casa representa os Estados, compete-lhe analisar essas questões federativas. O que não pode é continuar a Funai comandada por ONGs e o Presidente à mercê de pressões, como Sua Excelência próprio disse, da ONU, da OEA ou de outras instituições que não representam o povo brasileiro nem os índios, porque são, na verdade, gigolôs sem procuração dos índios do Brasil.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e o § 2º do Regimento Interno.)

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Matérias referidas:

“Minuta da Comissão Temporária Externa Raposa/Serra do Sol”;

“Diário Oficial da União. Edição nº 73, de 18/4/2005”.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/07/2005 - Página 22409