Discurso durante a 108ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise das causas que ocasionaram o atentado terrorista em Londres, na semana passada.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Análise das causas que ocasionaram o atentado terrorista em Londres, na semana passada.
Publicação
Publicação no DSF de 12/07/2005 - Página 22986
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • GRAVIDADE, ATENTADO, PAIS ESTRANGEIRO, GRÃ-BRETANHA, ANALISE, NECESSIDADE, COMBATE, TERRORISMO, PROVIDENCIA, ORDEM POLITICA E SOCIAL, FAVORECIMENTO, ECONOMIA, DIALOGO, RELIGIÃO, COMPLEMENTAÇÃO, ATUAÇÃO, MILITAR, BUSCA, PAZ, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO, ORIENTE MEDIO.
  • COMENTARIO, REUNIÃO, GRUPO, CHEFE DE ESTADO, PRIMEIRO MUNDO, PAUTA, REDUÇÃO, EMISSÃO, GAS CARBONICO, DESENVOLVIMENTO, CONTINENTE, AFRICA, PROMESSA, APLICAÇÃO, RECURSOS.
  • GRAVIDADE, AUMENTO, MISERIA, AFRICA, NECESSIDADE, COLABORAÇÃO, BRASIL, EXPECTATIVA, APERFEIÇOAMENTO, DEMOCRACIA, FISCALIZAÇÃO, APLICAÇÃO DE RECURSOS.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o mundo viveu, semana passada, mais um grande atentado terrorista e uniu-se na condenação ao crime perpretado.

O Presidente desta Casa, Senador Renan Calheiros, classificou de bárbaro, brutal, irracional e fruto do ódio o atentado terrorista ocorrido na capital da Inglaterra, Londres. Com esse sentimento, S. Exª certamente expressou não somente a posição do Senado Federal, mas também da sociedade brasileira, que busca, cada vez mais, praticar uma paz que seja fruto da justiça.

Tudo isso nos faz refletir não apenas sobre as conseqüências das ações terroristas, que atingem sobretudo pessoas inocentes, o que é mais grave, mas também nos faz lembrar que a ação terrorista não pode ser vencida apenas, como muitos pensam, pela vertente militar, pelo apelo às armas.

É fundamental ter mais do que uma consciência, é preciso ter uma convicção de que o terrorismo somente poderá ser vencido por meio de ações políticas, sociais, econômicas, e até, por que não dizer, religiosas.

É bom lembrar que no Oriente Médio vive-se um quadro extremamente difícil. Evidentemente, essa questão não começou agora, mas teve alguns progressos no passado. Eu citaria um fato para comprovar o que estou afirmando, que foram os encontros promovidos pelo Presidente Bill Clinton em Camp David entre o Governo de Israel e líderes palestinos. Enfim, o objetivo era permitir não somente a criação de um Estado palestino, mas também a consolidação de Israel como Estado.

Ali se encontram uma terra, dois povos e três religiões, aliás, as três grandes religiões monoteístas do mundo: o Cristianismo, o Judaísmo e o Islamismo. Isso tudo nos convida a um diálogo, sobretudo, porque o diálogo permite que as pessoas se conheçam. Como dizia Tertuliano, “deixa-se de odiar quando se deixa de ignorar”.

No caso do conflito entre Israel e os árabes, fica clara a necessidade crescente de uma ação para promover a paz, porque é “um conflito entre o certo e o certo”, como se poderia dizer parafraseando o escritor israelense Amos Oz. Isso porque entendo que, se deve ser reconhecido o Estado de Israel e criadas condições de segurança para que ele possa sobreviver, de outra parte também não se pode desconhecer que é necessário permitir à organização do Estado palestino que tenha meios de existência econômica e social.

Isso naturalmente nos insere em uma realidade, qual seja, a de trabalhar também mediante ações políticas, para conseguirmos não só reduzir o terrorismo, senão eliminá-lo, e também criar condições para que o mundo viva em paz.

Faço também essa referência, Sr. Presidente, porque o último atentado terrorista de grande porte ocorrido na semana passada coincidiu com o momento em que estavam reunidos na Escócia os Chefes de Estado de 13 países: os sete chamados mais desenvolvidos, a Rússia, que participa também das deliberações políticas do G-8, e cinco países em desenvolvimento - Brasil, China, Índia, México e África do Sul.

Eu consideraria o objetivo dessa reunião extremamente positivo. A agenda era muito rica, porque se iniciava com a análise do Protocolo de Kyoto - que trata da busca de reduzir o efeito estufa provocado pelo emissão de gases na atmosfera - e também trazia uma pauta extremamente positiva no que se refere à África.

Com relação, ao primeiro item, o Protocolo de Kyoto, é bom lembrar que houve uma evolução por parte do Governo americano, que reage a subscrevê-lo. O Presidente Bush nessa reunião deixou evidente que se dispõe a avançar no sentido positivo.

O Tratado de Kyoto corre o risco de ser “desassinado” - se assim posso usar esse neologismo - porque até hoje, embora tenha obtido o número de assinaturas para entrar em vigor, não se encontra em condições de ser aplicado. E isso produz conseqüências nefastas para o mundo, sobretudo na busca de melhorar a qualidade de vida, para que se confira um apreço maior à questão ambiental.

O que me traz à tribuna na tarde de hoje é, sobretudo, o tema que talvez fosse a questão central na agenda da reunião que se realizou na Escócia: a África. Sabemos que a questão africana nos diz muito de perto. Porque temos uma dívida para com aquele Continente, que é muito próximo do Brasil. Não sei se pelo fato de ser pernambucano, nascido no Recife, vejo a África do outro lado. O que nos separa da África são as águas azuis e abissais do oceano Atlântico. A África, de alguma forma, contribuiu, e muito, para a nossa formação étnica e de forma extremamente positiva. Foi isso que levou, certa feita, Bernardo Pereira de Vasconcelos a dizer que “a África civilizava a América”. Naturalmente, essa sua frase foi entendida no sentido negativo de que ele, talvez, por ser um líder conservador, pudesse estar fazendo a apologia do tráfico negreiro. Mas, no fundo, o que ele queria dizer também é que, com a vinda dos africanos para o Brasil - foram mais de quatro milhões -, eles trouxeram também a contribuição da sua cultura e ajudaram a construir no País uma sociedade que se constitui em um modelo para o mundo, porque aqui, além da presença dos aborígines, dos indígenas, a participação africana, junto a européia, e, posteriormente, no início do Século XX, com a imigração dos asiáticos, muito fez para que o Brasil produzisse um notável melting pot completo, isto é, pudesse argamassar uma sociedade com grande diversidade étnica e grande integração de seu povo. A completar todo esse esforço, convém realçar que conseguimos também um milagre em um território extremamente extenso: falar uma só língua.

Então, falar sobre a África é falar sobre o Brasil. E, portanto, nos interessa e muito trabalhar para que a África melhore a sua condição de vida.

A propósito, Sr. Presidente, eu gostaria de ler pequeno trecho de um artigo de Desmond Tutu, ganhador do Prêmio Nobel da Paz e arcebispo anglicano na África do Sul. Diz ele:

“Quando o Primeiro-Ministro britânico Tony Blair lançou a Comissão para África, no ano passado, ele se referiu ao continente como uma ‘cicatriz na consciência do mundo’, a única região do mundo onde as pessoas são mais pobres hoje do que há trinta anos atrás”.

E lembrava:

“Mais da metade da população vive com uma renda inferior a um dólar por dia. A pobreza é exacerbada pela difusão da Aids, pela falta de serviços básicos, pelo excesso de corrupção, por maus governos, pela violência e pelo déficit tecnológico”.

Na verdade, essa é a questão e sabemos que é fundamental, portanto, criar condições para que a África se desenvolva, porque há nela uma grande quantidade de nações que vivem abaixo da linha de pobreza absoluta. Das 49 nações do quarto mundo, 34 se encontram na África. E nunca é demais insistir na necessidade, portanto, de melhorar a condição de vida da África e, conseqüentemente, do mundo.

Sr. Presidente, voltando à última reunião do G-8 - que, na realidade, foi uma reunião do G-13 -, devemos dizer que, de alguma forma, houve alguns avanços, sobretudo do chamado Primeiro Mundo com relação à África.

Estabeleceu-se ampliar a ajuda para melhorar a condição de vida dos africanos. A ajuda anual de US$25 bilhões foi ampliada para US$50 bilhões. Além disso, trabalhou-se no perdão das dívidas dos países africanos. Fixou-se que até 2010 US$100 bilhões seriam empregados em programas de desenvolvimento da África. Portanto, isso não deixa de ser uma grande conquista.

Espero que o anunciado no coroamento da reunião desse G-13, se assim posso chamar, seja efetivamente realizado. Não basta, muitas vezes, tão-só e simplesmente, ajuda financeira. No passado, pensou-se - e há um relatório, da década de 1960, do Bird, “Relatório Pearson”, que falava ser possível melhorar a condição da África por meio de aportes de recursos.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O MARCO MACIEL (PFL - PE) - Mas isso, infelizmente, não ocorreu.

Em primeiro lugar, os recursos não vieram nas dimensões previstas. Em segundo lugar, muitos desses recursos foram desviados, o que nos faz refletir sobre a necessidade de, ao lado da ajuda financeira e do apoio econômico, se investir na melhoria da governabilidade nesses países, isto é, que se invista mais na edificação de sociedades democráticas e também em providências que assegurem o bom desempenho dos governos, com reformas institucionais que fortaleçam os partidos, dando transparência à ação do Governo. Se entendemos que a democracia é um regime que assegura a liberdade, devemos entender também que o regime político deve assegurar boas condições de funcionamento dos entes públicos e, conseqüentemente, por esse caminho, conseguir, como fundamental, obter o combate à corrupção, porque não adianta a realização de esforços com vistas a melhorar a situação dos povos mais pobres se a isso não se seguir aperfeiçoar o desempenho das instituições públicas.

Espero que as decisões do G-13 possam contribuir para melhorar a governabilidade. Aliás, a propósito do assunto, afirmou a Ministra das Relações Exteriores e Cooperação de Moçambique, Srª Alcinda Abreu, em entrevista recente:

“O desafio é fazer com que a ajuda corresponda a movimentos de boa governança e combate à corrupção para mostrar que somos verdadeiros parceiros no desenvolvimento e que estamos prontos para assumir nossas responsabilidades”.

Considero isso fundamental, porque vivemos tempos de globalização. Se queremos que esta seja não-assimétrica, que assegure o desenvolvimento de todos e de cada um, é primordial que nos possamos unir em torno de objetivos comuns, não somente econômicos, que reduzam as desigualdades sociais, que permitam intercâmbio entre as nações, também em torno de objetivos políticos, um dos quais, naturalmente, passa por fazer com que a liberdade e a paz sejam uma conquista de todo o universo. Assim conseguiremos construir uma sociedade internacional mais justa.

A propósito, gostaria de lembrar palavras do historiador Eric Hobsbawm, em entrevista dada no ano 2000:

Não se trata de aumentar a produção, pois isso já foi alcançado. A verdadeira dificuldade está em distribuir a riqueza produzida ou em combater o apartheid social. Este seria o principal papel do Estado agora que suas funções redistributivas são mais importantes do que nunca. Nossa maior herança para o novo século seria ainda a sublime aspiração à justiça”.

Enfim, que possamos construir uma globalização que assegure não somente a paz, mas o desenvolvimento econômico e social e, sobretudo, uma convivência pacífica entre todos os povos, que nos livre, conseqüentemente, do terrorismo, dos conflitos, e nos livre, sobretudo, do apelo à guerra.

Sr. Presidente. Peço que V. Exª autorize que seja dada como lida a íntegra do meu pronunciamento, pois deixei de fazê-lo para que não ultrapassasse o limite de tempo que me foi concedido.

Muito obrigado.

            Era o que tinha a dizer.

 

******************************************************************************

SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR MARCO MACIEL.

******************************************************************************

           O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Com apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há razões de toda ordem que justificam fazermos coro com os gestos da comunidade internacional de solidariedade ao povo inglês e de veemente condenação do ataque terrorista em Londres.

           Por outro lado, embora não tenha havido manifestação clara nesse sentido, o atentado se liga inevitavelmente à realização da reunião do G-8 que se iniciava naquele dia na Escócia, e cuja agenda de discussões previa como prioridades o combate à pobreza no continente africano e a implementação de medidas de contenção do processo de aquecimento global.

           Os debates a respeito dessas prioridades, no entanto, foram abalados pelos atentados terroristas e, dada a gravidade, o tema do combate ao terrorismo, que estava incluído de forma apenas discreta na agenda de discussões do G-8, foi novamente levado a ocupar posição de destaque no encontro de líderes mundiais. Apesar de tudo, é possível dizer que o encontro produziu alguns resultados cuja importância torna-se mais expressiva se o propósito dos atentados era, de fato, prejudicar a realização do encontro do G-8 e comprometer o debate das questões previstas na pauta.

           No que se refere à questão do controle do aquecimento global, a declaração final do encontro é vaga mas pode-se dizer que não deixa de ser importante o fato de contar com a adesão do governo dos Estados Unidos, uma vez que qualquer programa nesse sentido precisa da participação americana para que tenha eficácia. As dimensões da sua economia (em especial o volume de sua produção industrial), o nível de urbanização e o elevado consumo de recursos naturais são alguns fatores que fazem dos Estados Unidos um participante fundamental na construção de qualquer regime ambiental em escala global. De nada adiantam declarações com metas mais ambiciosas e precisas se uma nação como os EUA permanecer ausente, como vinha acontecendo até agora.

           Entre as decisões tomadas, a reunião do G-8 incluiu ainda mais um ponto relevante que foi a criação de um programa de ajuda para a recuperação da infra-estrutura econômica da Palestina no valor de US$ 3 bilhões. Esse programa se afigura importante não apenas pelos benefícios que o aporte de recursos pode trazer em si mesmo, mas reveste-se também de importância pelo seu significado político, especialmente no momento em que ocorre um ataque terrorista de largas proporções numa grande capital da Europa. Os recursos podem se constituir em ajuda decisiva na construção do difícil caminho da paz entre árabes e israelenses.

           Com efeito, decidiu-se dobrar a ajuda econômica aos países pobres da África, passando dos atuais US$ 25 bilhões anuais para US$ 50 bilhões e também, como queriam os povos e governos africanos, suspender a cobrança das dívidas pendentes dessas nações. Além disso, também a dotação de recursos para os programas de desenvolvimento foi dobrada, prevendo-se um total de US$ 100 bilhões anuais até 2010.

           No sentido dos possíveis efeitos de longo prazo, a retomada do tema do combate à pobreza e da redução das desigualdades por uma instância como o G-8, que reúne as lideranças das nações mais poderosas do planeta, constitui uma notícia muito promissora para a ordem mundial.

           Na verdade, em setembro de 2000, a Assembléia Geral das Nações Unidas já aprovara a Resolução que ficou conhecida como a Declaração do Milênio e que estabeleceu um conjunto de 7 (sete) Metas a serem atingidas basicamente ao longo das duas primeiras décadas do novo milênio. Uma dessas metas diz respeito especificamente à África: “… dar apoio à consolidação da democracia na África e dar assistência aos africanos na sua luta por uma paz duradoura, pela erradicação da pobreza e pelo desenvolvimento sustentável, promovendo assim a integração da África na economia mundial.” (Item VII, § 27, UN Millenium Declaration).

           Em certo sentido, essas iniciativas significam retomar, sob novas bases, a disposição de apoiar programas de desenvolvimento em países pobres como ocorreu nas duas décadas que se seguiram ao término da Segunda Guerra Mundial.

           O quarto de século que se seguiu à Segunda Guerra Mundial foi marcado pela transformação de dezenas de colônias européias estabelecidas ao redor do mundo em nações politicamente independentes mas econômica e socialmente pobres. A cooperação para o desenvolvimento era uma experiência nova nas relações internacionais, e a modernização e o progresso econômico pareciam caminhos relativamente simples e homogêneos, que a mera adição ordenada de capitais externos parecia capaz de produzir.

           O Relatório Pearson, produzido pelo Banco Mundial no fim da década de 1960, sustentava com dados essa crença de que a ajuda internacional tinha, efetivamente, a capacidade de transformar facilmente as sociedades e a ordem internacional. A década de 1960 havia sido declarada pelas Nações Unidas como a Primeira Década do Desenvolvimento e, na média, mais de meia centena de países em desenvolvimento haviam crescido a um ritmo de 5% ao ano. De acordo com esse Relatório, os países do continente africano, apesar de crescerem um pouco menos, ainda assim haviam mantido a taxa média de 4% ao ano. Algo absolutamente extraordinário se considerarmos os índices mais recentes.

           Apesar de tudo, a crise do petróleo, iniciada com o primeiro choque, em 1973 e, depois, a crise da dívida externa dos países em desenvolvimento da década de 1980, marcaram o fim desse modelo de crescimento sustentado pelas agências bilaterais e multilaterais de desenvolvimento.

           Desde então, por vários caminhos, chegou-se à conclusão de que havia diferenças de entendimento sobre a ajuda externa e sobre o próprio sentido do desenvolvimento que iam muito além da dicotomia entre socialismo e capitalismo. Chegou-se à conclusão de que os países em desenvolvimento eram muito diferentes entre si e que, em meio a tantas diversidades culturais, era muito difícil aplicar com sucesso um modelo único de desenvolvimento econômico e social. Chegou-se também à decepcionante conclusão de que boa parte dos recursos destinados a projetos para construção de estradas, de sistemas de produção de energia ou de escolas e hospitais acabava sendo subtraída por elites corruptas.

           Pode-se dizer que outro fato foi também decisivo para arrefecer o entusiasmo a respeito da ajuda internacional como forma de promover o desenvolvimento: os países da OPEP, apesar de receberem a maior transferência de recursos internacionais já vista na história, continuaram mantendo os mesmos padrões sociais de qualquer outro país classificado como “terceiro mundo” e, mais grave, boa parte desses recursos transferidos para os países da OPEP eram originários de outros países em desenvolvimento. Apenas o Brasil, por exemplo, nos dez anos que se seguiram ao primeiro choque do petróleo, transferiu para esses países praticamente o equivalente ao Plano Marshall em valores nominais.

           Assim, o otimismo quanto aos benefícios automáticos da ajuda ao desenvolvimento foi sendo substituído pelo ceticismo e pelo entendimento de que promover o desenvolvimento em regiões pobres era bem mais complicado do que simplesmente “ensinar a pescar”.

           Na verdade, de um ponto de vista mais geral, a promoção do desenvolvimento em regiões periféricas era entendida também como a estratégia mais segura e duradoura para se promover o desenvolvimento internacional, isto é, o crescimento da economia mundial como um todo. Como conseqüência, o fracasso ou esgotamento daquela estratégia trouxe também a noção de que outra estratégia mais geral para a economia internacional deveria ser procurada. Dessa forma, a busca da competitividade comercial e tecnológica passou a ser a receita predominante. Japão e Alemanha eram exemplos de sucesso a serem seguidos e, mesmo entre as nações chamadas “em desenvolvimento”, as que passaram a ocupar as atenções foram aquelas que, a partir da década de 1980, emergiram como “tigres econômicos”, isto é, aquelas que haviam se integrado com sucesso nos mercados mundiais.

           Este é um retrospecto que, certamente, todos aqui têm conhecimento, mas que se afigura importante rememorar para se compreender de forma mais apropriada em que circunstância e em que condições o mundo de hoje começa a voltar seus olhos para a necessidade de integrar dezenas de países pobres na ordem mundial.

           Hoje, não se pode tentar repetir as experiências postas em prática no passado, nem mesmo aquelas consideradas bem sucedidas, porque as circunstâncias são completamente diferentes. Pode-se dizer que no atual quadro de possibilidades há dois aspectos essenciais que condicionam essas circunstâncias e que trazem em si, ao mesmo tempo, tanto dificuldades quanto novas oportunidades de cooperação.

           De um lado, há a percepção de que não basta apenas transferir recursos para as nações pobres e há também o fato preocupante de que, nas últimas décadas, a distância entre as nações ricas e pobres aumentou de forma substancial não apenas em termos dos itens de conforto proporcionados pela riqueza, mas também em aspectos estruturais das sociedades. O chamado “gap digital” é um exemplo geralmente lembrado como ilustrativo desse fato: a quantidade de conhecimentos embutidos nos produtos e serviços torna cada vez mais difícil a inclusão de sociedades precariamente instruídas nas modernas cadeias internacionais de produção. Assim, a noção da experiência passada trouxe mais realismo às iniciativas de cooperação mas, ao mesmo tempo, a maior distância entre sociedades ricas e pobres pode significar também oportunidades de investimentos e de ganhos de produtividade mais fáceis.

           Outro elemento importante a ser destacado no atual quadro das perspectivas de cooperação com as regiões mais pobres é o fato de que no “desenvolvimentismo” do pós-Segunda Guerra os recursos e oportunidades estavam fortemente concentradas na ação de um único país que detinha os meios de fomentar e promover programas de desenvolvimento. Hoje há outros pólos econômicos e financeiros em condições de contribuir de forma significativa com esses programas. Mesmo entre os chamados países em desenvolvimento, há núcleos de competência e mesmo instituições e empresas com recursos em condições de serem orientados para programas internacionais de cooperação para o desenvolvimento.

           Iniciativas específicas como o perdão da dívida dos países mais pobres são válidas e podem ter seu sentido ainda mais valorizado diante de certas circunstâncias dramáticas de crise humanitária. Entretanto, o senso de realismo recomenda que deve-se levar em conta que medidas dessa natureza sempre produzem efeitos negativos sobre a percepção de longo prazo a respeito da cooperação internacional com regiões mais pobres. O perdão da dívida, pura e simples, transforma a cooperação que deveria significar parceria em mera esmola. Essa é uma percepção que é compartilhada tanto por instituições como as Nações Unidas e o Banco Mundial quanto, individualmente, pelas próprias nações receptoras de cooperação.

           Esse é o novo quadro da cooperação e é dentro desse espírito que deve ser vista a retomada da questão da cooperação com os países pobres do continente africano. Apesar de apresentarem em comum os males decorrentes da pobreza e da falta de instituições que garantam a suficiente estabilidade no ordenamento das relações sociais e políticas, são nações muito diferentes entre si. Qualquer ação externa deve levar em conta essa diversidade e é dentro desse ambiente que é preciso entender a retomada do interesse da comunidade internacional pela eliminação da pobreza extrema e pela integração de boa parte do continente africano no convívio das nações modernas.

           Países como o Brasil têm nesse quadro um papel de importância a desempenhar por sua localização geográfica, composição étnica de população e ser nação que desfruta de reconhecida interlocução na sociedade internacional. Ao mesmo tempo que demandam programas de desenvolvimento que permitam trazer mais eqüidade para integrar parcelas consideráveis de sua população, as nações do continente africano têm com o nosso País afinidades econômicas, históricas e culturais. No momento em que as nações mais ricas e poderosas do mundo apontam para a disposição de repor a África, sobretudo as nações mais pobres do continente entre as prioridades da agenda internacional, deveríamos olhar de forma mais aguda o continente no qual existem nações que ajudaram a construir o Brasil, sendo que algumas delas falam o nosso idioma.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/07/2005 - Página 22986