Discurso durante a 110ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, por ocasião da comemoração dos 15 anos da sanção da Lei que o criou.

Autor
Ramez Tebet (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Ramez Tebet
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Considerações sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, por ocasião da comemoração dos 15 anos da sanção da Lei que o criou.
Aparteantes
João Capiberibe, Marco Maciel.
Publicação
Publicação no DSF de 14/07/2005 - Página 23940
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, ANALISE, IMPORTANCIA, LEGISLAÇÃO, DIRETRIZ, DIREITOS, DEVERES, PROTEÇÃO, MENOR, NECESSIDADE, IMPLEMENTAÇÃO, POLITICA SOCIAL, QUESTIONAMENTO, FALTA, CONSELHO TUTELAR, MUNICIPIOS, DENUNCIA, PRECARIEDADE, ESTABELECIMENTO PENAL, CORREÇÃO, DELINQUENCIA JUVENIL.
  • DEFESA, CONTINUAÇÃO, LUTA, ERRADICAÇÃO, TRABALHO, INFANCIA, COMBATE, DROGA.

O SR. RAMEZ TEBET (PMDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo a tribuna, nesta tarde, para comemorar, para festejar os 15 anos de uma lei importante neste País, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Quando uma jovem completa 15 anos, dizemos que ela debutou.

Essa lei, em vigor há 15 anos, é muito importante para nosso País, pois estabeleceu diretrizes, direitos e obrigações no sentido de proteger as crianças e os adolescentes e estabeleceu direitos e deveres da família, das autoridades e da sociedade para com nossas crianças e nossos adolescentes.

Ela é o exemplo mais vivo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de que uma lei, por si só, por melhor que seja, tem que ser complementada, tem que ser cumprida, tem que ser aplicada a uma realidade social. Então, quando a ONU considera o Estatuto da Criança e do Adolescente do Brasil o mais avançado do mundo, não precisamos mais discutir a qualidade dessa lei. Ela é boa. Significou um avanço no trato da criança e do adolescente de nosso País e no cuidado com estes. Mas qual a lei, por melhor que seja, que, por si só, é capaz de promover alterações profundas, quando uma ordem social é injusta?

Se uma lei pudesse resolver, por si só, uma situação, evidentemente a Bíblia seria a solução de todos os problemas. Os Dez Mandamentos seriam a solução para todos os problemas, mas a Bíblia representa, para nós, o instrumento mais seguro da fé, da nossa crença numa criatura superior, que a todos nós protege e abençoa. Se ela é infringida constantemente, que dirá uma lei escrita por nós outros, os homens?

Então, é preciso que essa lei seja acompanhada de realizações, para que possa surtir o seu efeito.

Explico melhor, Sr. Presidente. Vamos ver uma dificuldade. O trabalho infantil diminuiu ou não com o Estatuto da Criança e do Adolescente? Evidentemente, o trabalho escravo infantil diminuiu, mas ainda existe. Embora o objetivo dessa lei seja o de proteger as crianças, colocá-las na escola, retirá-las das ruas, na prática, isso não acontece devido ao fato de ela não estar implementada com políticas públicas capazes de efetivá-la realmente.

Discutem-se alguns tópicos do Estatuto da Criança e do Adolescente, como a maioridade penal. Mas isso não significa que a lei não seja boa; significa que futuramente ela poderá alterar a maioridade penal. Mas pergunto: existem hoje estabelecimentos para os infratores? Onde são colocados os menores infratores? Numa “Febem da vida”, que representa um amontoado, uma criança sobre a outra?

No Estado de São Paulo, existe um estabelecimento, mas funciona em precárias situações, de forma desumana. E pergunto: e no meu Estado? Quando volvo os olhos para o Mato Grosso do Sul, vejo que lá, quando um menor tem que ser afastado da sociedade, ele não é colocado num estabelecimento para menores. As autoridades do Poder Judiciário ficam procurando um lugar adequado, mas sabe onde? Num presídio, junto com adultos, numa cadeia pública precária, fétida, imunda.

Então, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, do que adianta fazer leis se não temos uma assistência social efetiva, se não temos lugar para colocar, por exemplo, os menores infratores?

O Estatuto da Criança e do Adolescente recomenda que se tenha assistentes sociais em todos os Municípios para compor o Conselho Tutelar. Tutelar, como o próprio nome diz, é para ser tutor, para proteger, para amparar a criança. Quem é que tem uma assistente social? São poucos os Municípios em que existe assistência social. É claro que, nas capitais, existem assistentes sociais, embora em número reduzido. Mas, vá ao interior, para ver se existe assistência social na maioria dos Municípios brasileiros!

Então, há dificuldades profundas na implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Sabemos fazer uma lei. Fizemos a lei. A lei está bonita, mas como vamos aplicá-la?

É claro que o Estatuto da Criança e do Adolescente prescinde de políticas públicas relacionadas, de políticas públicas efetivas que venham a ajudar as nossas crianças e os nossos adolescentes. Há falta de defensores públicos que promovam os direitos das famílias, e há ignorância a respeito dos direitos fundamentais.

Concedo um aparte a V. Exª, Senador Marco Maciel.

O Sr. Marco Maciel (PFL - PE) - Nobre Senador Ramez Tebet, quero cumprimentar V. Exª por registrar hoje, no Senado Federal, a passagem do 15º aniversário da sanção da lei que estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente. Devo dizer a V. Exª que não podemos deixar de reconhecer que essa lei foi um notável avanço, sobretudo na busca de construirmos no País uma sociedade mais justa, menos desigual, posto que ela se volta, sobretudo, para um segmento mais vulnerável da nossa população, que é a criança e o adolescente. V. Exª observa, com propriedade, que, embora a lei seja boa e represente um passo pioneiro no Brasil com relação ao tema, todavia ela não está alcançando a sua eficácia plena, porque, obviamente, muitos dos seus objetivos ainda não estão sendo universalmente cumpridos. Isso nos leva a dois raciocínios: o primeiro é o de que, infelizmente, não devemos ter aquilo que poderíamos chamar de fetiche com relação à lei. Muitas vezes, pensamos simplesmente que a lei é capaz de transformar a realidade, quando, na prática, isso geralmente não ocorre. Mas, por outro lado, temos também de dizer que devemos trazer, com a nossa palavra, a busca de fazer com que essa lei efetivamente produza todos os seus benfazejos resultados. Rui Barbosa, na Oração aos Moços, chama a atenção para essa questão, quando lembra que é fundamental, numa lei, a sua correta interpretação e aplicação. Creio que é isto, talvez, o que falta com relação ao Estatuto da Criança e do Adolescente: uma exata exegese, uma exata hermenêutica, uma exata interpretação da lei e sua execução, que cabe exatamente ao Executivo ou aos Executivos, porque não é só ao Executivo Federal, mas também aos Executivos estaduais e municipais. Então, penso que V. Exª, neste instante, traz, juntamente com o registro desta data, do 15º aniversário do Estatuto da Criança e do Adolescente, um apelo para que possamos dar a essa lei a sua plena aplicação, fazendo assim com que possamos construir uma sociedade que seja sinônimo de justiça social e, sobretudo, de atenção com os mais carentes, que são as crianças e os adolescentes.

O SR. RAMEZ TEBET (PMDB - MS) - Senador Marco Maciel, pela sua autoridade, o seu aparte engrandece e dá valor ao meu pronunciamento.

A minha intenção, ao ocupar esta tribuna, embora eu tenha as minhas limitações, é homenagear um Estatuto que realmente é uma boa lei, uma lei que avançou, por exemplo, no sentido da saúde e da educação. Os nossos Municípios, um grande número deles, possuem o Conselho Tutelar da Criança. Muitas crianças hoje estão nas escolas graças a esse Estatuto, que disciplinou o direito à educação, que criou instrumentos para a cobrança desse direito.

Reconheço que a exploração do trabalho infantil diminuiu com o Estatuto da Criança e do Adolescente, mas, como diz V. Exª, precisamos implementar e instrumentalizar esse Estatuto. É isso o que falta.

Vejam, hoje, a distribuição de drogas nas escolas! Senador João Capiberibe, Senador Marco Maciel, isso é algo fantástico! Dói no coração de cada um de nós, chefes de família, observar a disseminação das drogas. E onde estão os assistentes sociais, onde estão os estabelecimentos adequados?

Quando a pessoa tem recursos, quando a família tem recursos, ela ainda consegue internar o seu filho em um estabelecimento de recuperação, onde estão os viciados em algum...

(Interrupção do som.)

O SR. RAMEZ TEBET (PMDB - MS) - ...tipo de droga, mas, quando a criança é pobre, pergunto: como é que se faz?

Senador Marco Maciel, V. Exª traduziu bem o meu pensamento, o meu apelo - nesses quinze anos de comemoração do nosso Estatuto -, o apelo do Senado da República, para que todos nós ajudemos a instrumentalizar essa importante lei, volto a repetir, que foi considerada pela Organização das Nações Unidas como uma das mais avançadas no mundo. Isso nos traz orgulho de legisladores. Soubemos fazer a lei, mas não a estamos aplicando adequadamente. A lei está num patamar, e a realidade brasileira está aqui embaixo, com todos os seus contrastes, nesse submundo do crime, das drogas, do trabalho infantil, que já diminuiu, mas ainda existe.

Concedo um aparte a V. Exª, Senador João Capiberibe.

O Sr. João Capiberibe (Bloco/PSB - AP) - Sr. Senador Ramez Tebet e Sr. Presidente, é muito grata a lembrança dos quinze anos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Ao longo desses quinze anos, construímos algumas experiências que precisavam ser reproduzidas, construímos experiências em vários Estados brasileiros no que diz respeito a adolescentes infratores em regime de reclusão com semi-liberdades. Todo esse leque amplo de atividades desenvolvidas com adolescentes se espalhou por todo o Brasil. A Fundação Getúlio Vargas estabeleceu um concurso anual por melhores práticas, e, na aplicação do ECA, em alguns anos, foram distribuídos prêmios pela Fundação Getúlio Vargas. Portanto, V. Exª tem inteira razão. A lei é muito bem elaborada. O legislador acertou em cheio no tratamento a ser dado aos adolescentes, tanto aos infratores como aos que estão em situação de risco social. O que falta é decisão política para se aplicar esse Estatuto, e, inclusive, temos dinheiro suficiente para isso. Uma vez, fiz um apanhado dos gastos de um adolescente em regime fechado no Estado de São Paulo, e gastava-se o equivalente a R$1,7 mil por mês por um adolescente em regime de reclusão. Vejam: é muito dinheiro! Pode-se manter esse adolescente em uma das melhores universidades deste País com R$1,7 mil por mês. No entanto, o que se pode observar são as rebeliões freqüentes. Ou seja, se se aplicar o Estatuto, se se preparar o pessoal, se se qualificarem os monitores e os professores dessas instituições, certamente teremos o instrumento na mão. Só faltará, como V. Exª acaba de afirmar, saber utilizá-lo.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. RAMEZ TEBET (PMDB - MS) - Vou encerrar, Sr. Presidente.

Senador João Capiberibe, V. Exª governou o seu Estado, e sou capaz de apostar que V. Exª realizou uma administração profícua, mas, com certeza, não deu para resolver esse problema. O meu Estado, também pequeno - como o Estado do qual V. Exª foi Governador; também fui Governador por algum tempo -, não tem nem estabelecimento para menor, para recolher o menor infrator. Lá isso não existe.

Então, veja V. Exª a gravidade da situação. A lei é boa, completa 15 anos. Vamos parabenizar os legisladores e vamos torcer para que os Poderes Executivos, como disse o Senador Marco Maciel - os Executivos Municipal, Estadual e Federal -, implementem políticas que venham realmente a proteger as nossas crianças e os nossos adolescentes.

Sr. Presidente, muito obrigado pela tolerância.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/07/2005 - Página 23940