Discurso durante a 111ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagens às professoras Oliva Enciso e Maria da Glória Sá Rosa.

Autor
Juvêncio da Fonseca (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MS)
Nome completo: Juvêncio Cesar da Fonseca
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagens às professoras Oliva Enciso e Maria da Glória Sá Rosa.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 15/07/2005 - Página 24229
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, MULHER, PROFESSOR, MINISTERIO DA SAUDE (MS), ELOGIO, VIDA PUBLICA, MAGISTERIO, CARGO PUBLICO, DEPUTADO FEDERAL, IMPORTANCIA, COLABORAÇÃO, DESENVOLVIMENTO CULTURAL, AMBITO ESTADUAL.

O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PSDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, pela segunda vez, ocupo a tribuna para assunto bem mais ameno do que os desafios políticos que estamos enfrentando nesta República.

Logo no início, exaltei a figura do Juiz Federal Odilon de Oliveira, que está confinado no seu próprio gabinete, em Mato Grosso do Sul, em razão das ameaças que recebe pelas suas sentenças corajosas, determinadas, fazendo justiça ao nosso povo.

Agora, quero prestar uma homenagem a uma mulher, à Professora Oliva Enciso, que conheci desde criança praticamente. E quem não a conhece, e quem não a conheceu, nos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, pelas suas obras, pela sua presença na sociedade?

Mas, ao mesmo tempo em que homenageio a professora Oliva Enciso, que nos deixou aos 96 anos de idade, gostaria de ler matéria publicada no suplemento cultural do jornal Correio do Estado, de Campo Grande, de autoria da também professora Maria da Glória Sá Rosa, que foi minha professora de Português e a quem também presto minhas homenagens.

Portanto, são duas homenagens importantes que faço desta tribuna.

Diz Maria da Glória Sá Rosa sobre Oliva Enciso:

Somente a presença de um dom divino explicaria o jeito de ser e de viver de Olívia Inciso, mulher pequenina, de aparência frágil, fala suave, vontade inquebrantável, que ajudou a mudar os rumos de Mato Grosso do Sul.

Aos 96 anos, substituiu a visão do céu azul de Campo Grande pelas luzes do paraíso de onde, hoje, abençoa Campo Grande, cidade que adotou como sua, depois que saiu de Corumbá, onde nasceu e passou a infância.

A paixão que lhe marcou a existência repleta de realizações foi certamente a Educação. Seu grande mestre foi João Tessitori Júnior, diretor do Instituto Pestalozzi, a quem humildemente procurou para trabalhar como servente, em troca do pagamento da mensalidade escolar. O educador, que sabia atuar com firmeza e liberalidade, pressentiu as possibilidades da jovem singular e ofereceu-lhe o primeiro emprego de professora, numa classe de 45 alunos da quarta série primária.

As orientações daquele professor: preparar bem as aulas e acima de tudo gostar dos alunos sem distinção de cor ou classe social, ela nunca esqueceu. Mais tarde, no trato com o mundo seria uma eterna professora: serena, sorridente, delicada com todos sem jamais abdicar da firmeza de opiniões.

Em 1917, depois de ler uma conferência de Miguel Couto em que este apontava a educação como o maior problema do País, decidiu criar, em 1940, com sede em Campo Grande, a Sociedade Miguel Couto dos Amigos do Estudante, que ainda hoje oferece perspectivas de conhecimento e de trabalho a centenas de crianças e adolescentes sem meios de custear os estudos.

As negativas nunca figuraram em seu vocabulário, quando se tratava de dar casa, comida, ensino e trabalho aos alunos pobres. Até pouco, antes de morrer, recebia cartas de ex-alunos que creditavam a ela os cursos e diplomas que lhes garantiram uma profissão.

A partir de 1950, percorreu, em companhia da professora Maria Constança de Barros Machado, diversos municípios do antigo Mato Grosso para o trabalho de implantação dos ginásios da Campanha Nacional de Educandários Gratuitos, criada por Filipe Tiago Gomes [do qual fui aluno em Campo Grande]. Inúmeros ginásios noturnos foram inaugurados, o que permitiu a continuidade dos estudos de adolescentes que, por falta de estabelecimentos de ensino, viam cerceada a vontade de aprender.

Não via obstáculos que não pudesse transpor na missão que Deus lhe destinara de despertar a mente adormecida dos semelhantes. Com a paciência nascida da determinação, esperava horas na ante-sala dos poderosos, enquanto tecia sonhos e lindos trabalhos de crochê. Cada ponto era uma barreira contra o analfabetismo e a ignorância.

Em 1948, conseguiu do então Prefeito Fernando Correa da Costa a criação no município de Campo Grande da Seção de Educação e Assistência Educacional de que foi a primeira titular. Ali se manteve acima das injunções políticas, atenta ao funcionamento das escolas e à nomeação de professores de reconhecida competência.

Foi responsável pela instalação no Estado do SESI, do SENAI, da APAE e do IPEMAT, antigo PREVISUL.

Como vereadora, de 1955 a 1959, distinguiu-se pelos projetos a favor da educação. Na qualidade de deputada estadual, em 1962, atuou como membro da Comissão de Educação, Cultura e Assistência Social. Líder do governo, lutou contra a oposição em Cuiabá e foi uma das molas-mestras na criação da Faculdade de Odontologia e Farmácia, célula base da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

Não acumulou fortuna material. A casa modesta da Avenida Rio Branco, onde vivia com a irmã, foi adquirida por meio de empréstimos que pagou religiosamente com o pequeno salário que recebia.

Ali a visitei e ouvia-a queixar-se da situação caótica por que passava o Brasil. Lamentava não ter a energia de outrora para ajudar o povo brasileiro a resolver seus dramas e conflitos. Segundo suas palavras, a preparação dos professores era peça fundamental para o fortalecimento da Educação. Lembrou a necessidade da inclusão da disciplina Educação Moral e Cívica e das atividades artesanais nos currículos escolares para preservação dos valores tão esquecidos e para o desenvolvimento do gosto pelo trabalho.

Por fim, lembrou a importância da família, pedra angular de todo processo educativo.

Em tudo quanto escreveu, sente-se a presença da educadora cujas palavras modificavam comportamentos. Membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, já nos anos 30 e 40, deixou na revista Folha da Serra produções em prosa e poesia alusivas aos problemas educativos da época.

Essa era Olívia Enciso, uma mulher aberta ao sofrimento do próximo, atenta aos acontecimentos do seu tempo, lutadora e enérgica, ungida por Deus para a missão de ensinar. Mesmo os que não foram seus alunos consideram-na uma grande professora, que ensinou a gerações as virtudes de lutar pelas pequenas coisas em benefício do próximo.

Felizes os que estiveram ao seu lado nesses 96 lúcidos anos de generosidade e sabedoria.

Como poeta, produziu alguns versos importantes, ela que era muito voltada à questão religiosa, era uma católica praticante.

Em “As Aparências Enganam”, há este trecho importante:

As aparências enganam...

E isso já vem de longe!

Mas o maior dos enganos,

Que a história humana nos conta

Vem de quase dois mil anos!

Quando entre dois ladrões,

Cada um em sua cruz,

Estava Deus feito homem

Na pessoa de Jesus!

E em “Um poema, uma canção”, termina assim:

E de que outros vivam

Felizes como eu

Toda manhã para mim

É uma ressurreição

Por isso faço o que posso

Para que a minha vida seja

Um poema de amor, uma canção

E assim externar a Deus

Toda a minha gratidão.

Concedo um aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Juvêncio da Fonseca, V. Exª é uma extraordinária figura, que enriquece este Senado e sua história. V. Exª representa a sensibilidade. Quer queira ou não, simboliza o Presidente da Comissão de Ética. Foi eleito, saiu, mas permanece em nossa cabeça, porque V. Exª é a própria ética, representa o que é correto, a sensibilidade, o respeito, o reconhecimento e a gratidão, traduzidos nessa manifestação de reconhecimento a uma professora, a uma mestra. E foi sua professora quem escreveu a crônica. Todos nós sabemos o valor, o significado dessa gratidão, que é fundamental. São esses valores que fazem a história, que são a luz para um mundo melhor. E todos nós relembramos as nossas professoras. Duas professoras minhas já estão no Céu. Mas tenho ainda a Professora Edméia Assunção e a Professora Maria do Carmo Oliveira, que reside no Rio. Inspirado no gesto de V. Exª, me deu até vontade de abraçar a Professora Maria do Carmo Oliveira. Como dizia Padre Antonio Vieira “um bem nunca vem só”. Eu queria também mandar um abraço para essa minha professora, que está no Rio, Maria do Carmo Oliveira. Mas isso é tão significativo que eu entendo, Sr. Presidente, Senador Flexa Ribeiro, que nenhuma manifestação toca tanto o coração do mundo como aquela de Fernando Pessoa, de gratidão, de reconhecimento. Ele, diante dos mares de Portugal, disse “esse mar é salgado, mas é salgado pelas lágrimas das mães que viram os filhos morrer, dos órfãos, das noivas que perderam os seus noivos na luta pela navegação e da globalização do mundo”. Aí à pergunta se valeu a pena, ele responde: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena.” E a alma grande, ética e que enriquece o Senado é do Senador Juvêncio da Fonseca.

O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PDT - MS) - Obrigado, Senador Mão Santa. V. Exª é sempre inspirado.

Como fiz na homenagem ao Juiz Odilon de Oliveira, aqui também estamos exaltando figuras importantes do Estado de Mato Grosso do Sul.

Quando fazemos a exaltação dessas pessoas, estamos também procurando elevar a nossa auto-estima, do brasileiro que é bom, do brasileiro que é solidário, do brasileiro que é inconformado com a vida que estamos levando. Há tanta gente boa nesse território brasileiro! Às vezes, esquecemos as obras dos homens, produzidas na comunicação; as obras que as pessoas fazem em solidariedade humana.

Portanto, fica aqui a nossa homenagem à Professora Olívia Enciso, que nos deixou aos 96 anos, e uma homenagem a todas as professoras do Brasil, ao ler esse artigo da Profª Maria da Glória Sá Rosa, que foi minha professora de Português. Lembro ainda a minha ex-professora do primário, a Profª Mariana, que ainda vive.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/07/2005 - Página 24229