Discurso durante a 97ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Questionamentos sobre os avanços da biogenética.

Autor
Valmir Amaral (PP - Progressistas/DF)
Nome completo: Valmir Antônio Amaral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE. POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • Questionamentos sobre os avanços da biogenética.
Publicação
Publicação no DSF de 30/06/2005 - Página 21431
Assunto
Outros > SAUDE. POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, EVOLUÇÃO, GENETICA, DEFESA, NECESSIDADE, DEBATE, REGULAMENTAÇÃO, MANIPULAÇÃO, INFORMAÇÕES, PADRÃO GENETICO, VIDA HUMANA.
  • PROPOSIÇÃO, SENADO, INICIATIVA, REALIZAÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, DEBATE, UTILIZAÇÃO, MANIPULAÇÃO, INFORMAÇÃO, GENETICA.

O SR. VALMIR AMARAL (PP - DF. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há séculos não nos encontrávamos tão fortemente confrontados com questões de ordem moral e ética. A humanidade, com os gigantescos e velocíssimos avanços da ciência, coloca, diante de si, cruciais dilemas de ordem deontológica, como há muito não se via.

E são indagações que estão muito além das que são postas pelas revoluções de costumes, que os séculos propiciaram à sempre inquieta comunidade humana. São questionamentos que derivam, principalmente, dos progressos que alcançamos na biogenética.

De fato, meus nobres Pares, a milenar ambição do homem de ser capaz de reproduzir o ato criador original nunca esteve tão presente na mente dos cientistas e nos debates sociais. Beiramos o poder divino de criar seres vivos. Os incríveis saltos que conseguimos dar, nas últimas décadas, no conhecimento da estrutura fundamental dos seres, geraram, como conseqüência, complexas e delicadas questões no campo da moral.

Todos se lembram, certamente, do episódio da clonagem da ovelha Doly e das discussões, ainda não esgotadas, sobre se seria lícito intervir na geração dos seres ou não. Depois disso, novas experiências e descobertas aconteceram na biogenética, alargando, ainda mais, o campo das discussões deontológicas; experiências e descobertas que alcançaram, o que seria inevitável, o próprio homem, quando passamos a ser capazes de trabalhar o DNA humano.

Ora, Senhor Presidente, desde o momento em que a ciência foi capaz de entender a importância do DNA para os seres vivos, este ácido se tornou, gradativamente, um dos mais importantes instrumentos de conhecimento sobre o homem. Não apenas de conhecimento, mas do poder de intervenção do homem em si mesmo. E isso nos aproximou, perigosa ou felizmente, dependendo do paradigma de cada um, do poder divino de criação.

Estamos, pois, diante de um fato científico que tem profundas e radicais conseqüências sobre a sociedade. Nós somos capazes de extrair o DNA de qualquer ser vivo e, com ele, formar bancos de informação genética sobre os seres humanos que transcendem, em muito, a mera estocagem de dados. Na verdade, os bancos de DNA constituem muito mais do que informação. Eles são matéria-prima para manipulação genética.

Eis a razão de minha intervenção neste momento!

Assim como tivemos, e ainda temos, que lidar com a regulação social do mundo virtual da Internet, devemos questionar e debater a regulação da estocagem e do uso do DNA, práticas já existentes, mas não satisfatoriamente reguladas.

De fato, se olharmos para o mundo vegetal e animal, os bancos de germoplasma já são uma realidade técnica, perfeitamente assimilada pela sociedade. As questões de ordem moral e ética estão sendo gradativamente resolvidas, passado o primeiro impacto traumático da clonagem da ovelha.

Há, contudo, uma importante lacuna de regulação da manipulação da informação genética, no que respeita ao DNA humano. Exemplo recentíssimo da falta de controle social é a venda, pela Internet, por empresa norte-americana, de material coletado em indígenas brasileiros, sem autorização expressa, nem dos índios, nem das autoridades tutelares brasileiras.

Paralelamente, Sr. Presidente, não podemos ignorar a enorme importância, para a sociedade, do uso da informação fornecida pelo DNA. É o caso de sua utilização forense, nas comprovações de paternidade e maternidade, ou de identificação de criminosos a partir da investigação criminal científica.

Tais práticas, mesmo largamente difundidas, estão longe de abarcar todas as potencialidades de uso da informação genética. Só no campo dos testes de identificação, há vastíssima utilidade.

Nos exames pré-nupciais, o teste de DNA identifica se algum membro do casal é portador de gene defeituoso e estabelece a probabilidade de que a prole herde tal gene. No rastreio de doenças de manifestação tardia, o teste pode detectar ocorrências em adultos com determinada carga genética. E, assim por diante, Senhoras e Senhores Senadores, há vastíssimo campo de uso do DNA só na identificação de características de seus possuidores. O que não dizer quando se pensa nas possibilidades de manipulação desse ácido.

Estamos, pois, sendo chamados a uma importante discussão sobre como regular o uso social da informação genética. E um dos pontos iniciais dessa discussão é o que fazer com os bancos de dados de DNA. E a questão não é meramente teórica, já que existem, no Parlamento brasileiro, projetos de lei para a criação de bancos de DNA a partir da coleta de material dos recém-nascidos, como os projetos apresentados em 1996, 1999 e, mais recentemente, em 2002, na Câmara dos Deputados.

É verdade que, do ponto de vista técnico, não há problemas maiores a resolver. Mas da ótica do controle e segurança da informação contida nesses bancos, há gravíssimas conseqüências a considerar.

De fato, o uso inadequado ou não autorizado da informação genética pode causar graves danos ao cidadão, incluindo estigmatização, discriminação e preconceito. Mesmo assim, o Brasil ainda não estabeleceu, até hoje, proteção legal para os dados genéticos. E existem riscos concretos de perda do controle sobre a informação pessoal, possibilitando o uso indevido dos dados genéticos, como a recusa, por parte de seguradoras, de proponentes de seguros de vida ou saúde; ou a eliminação de candidatos a emprego em processos seletivos em empresas; ou a não-concessão de benefícios por parte de instituições de governo.

Essas, Senhoras e Srs. Senadores, são questões importantíssimas. E sobre elas a sociedade deve se manifestar, em defesa de seus legítimos interesses coletivos e individuais, de cada cidadão.

As questões são tão relevantes que impulsionaram o desenvolvimento da bioética. Desse avanço surgiu a conclusão de que os avanços na biogenética têm a capacidade de mudar a sociedade humana. É nesse ponto que estão colocadas as indagações fundamentais:

Que tipo de mudanças queremos? Que uso podemos e queremos fazer desses novos conhecimentos? Em que tipo de sociedade queremos nos transformar? Sob que condições a reprodução da espécie humana deverá ou poderá se fazer daqui em diante?

A ciência aplicada não pode ser amoral. Ela deve ter como objetivo fundamental o bem-estar coletivo e individual do ser humano. Por isso, Senhor Presidente, proponho que o Senado Federal, para fim de regulação social, tome a iniciativa de realizar audiências públicas sobre o uso e manipulação da informação genética. Estou convencido de que, com isso, prestaremos um enorme serviço à Nação brasileira e evitaremos grandes problemas sociais e jurídicos em futuro próximo, muito mais próximo do que se poderia imaginar.

Para dar conseqüência a esta minha proposta, julgo mais do que oportuno que a Comissão de Assuntos Sociais realize uma primeira audiência pública o mais brevemente possível. Reunir especialistas na matéria e pessoas representativas da sociedade é, fora de dúvida, o caminho mais transparente para alcançarmos uma regulação socialmente justa para a estocagem e uso do DNA humano.

Muito obrigado, Senhor Presidente,

Era o que eu tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/06/2005 - Página 21431