Discurso durante a 115ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Recomendação ao Presidente Lula de leitura do Sermão de Santo Antônio aos peixes, pronunciado pelo Padre Antônio Vieira em 1654. (como Líder)

Autor
Demóstenes Torres (PFL - Partido da Frente Liberal/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • Recomendação ao Presidente Lula de leitura do Sermão de Santo Antônio aos peixes, pronunciado pelo Padre Antônio Vieira em 1654. (como Líder)
Aparteantes
Antonio Carlos Magalhães.
Publicação
Publicação no DSF de 21/07/2005 - Página 24944
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • AVALIAÇÃO, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CRITICA, NEGLIGENCIA, COMBATE, CORRUPÇÃO, INCOMPETENCIA, GOVERNO FEDERAL, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), LEITURA, TRECHO, OBRA LITERARIA, COMPARAÇÃO, ATUALIDADE, CRISE, POLITICA NACIONAL.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO. Pela Liderança do PFL. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores,

O leme da natureza humana é o alvedrio, o piloto é a razão: mas quão poucas vezes obedecem à razão os ímpetos precipitados do alvedrio?

Padre Antônio Vieira

Eu sei que o Excelentíssimo Senhor Presidente da República Federativa do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, não pode ter a qualificação de letrado. Como primeiro mandatário não tem prosa nem poesia. Aliás, para o Brasil, pouco importava se o pai constitucional do País não falasse inglês, desde que fosse um razoável gerente, um administrador casto, inventivo e simpático. Em toda a sua trajetória política valeu-se da intuição e fundamentou o próprio idealismo na simples oralidade do homem de bem. Lula era a Nação com todas as qualidades e os vícios de linguagem do português falado ao sul do Equador. Era um dogma, que um dia pretendeu se tornar uma doutrina e agora se aproxima de perder a própria biografia. Desde os tempos de São Bernardo do Campo até a rampa do Palácio do Planalto, o Presidente Lula foi um disseminador do “ouvir dizer”. Talvez por esta razão seja aquele perfeito parlapatão traído pelo verbo e maculado pela praxe indesejável. Corre sério risco de acabar ensimesmado.

Mesmo sabendo que o Presidente Lula não é um leitor habitual, tenho o dever parlamentar de recomendá-lo, neste momento de agrura, o sermão de Santo Antonio aos Peixes, pregado em São Luís do Maranhão, em 1654, pelo padre Antônio Vieira. A peça é uma obra-prima da literatura portuguesa e, como todo o sermão, tem um caráter de advertência, mas também algo de motivacional. Um remédio eficaz para angústia da alma de qualquer cristão ou não-cristão.

Presidente Lula, Padre Antonio Vieira vai lhe trazer conforto. No sermão que lhe recomendo, o exímio observador dos primeiros tempos deste País estava, como Vossa Excelência deve se sentir neste momento, completamente descorçoado com os homens e, à maneira de Santo Antonio, decidiu voltar-se da terra ao amar e pregar aos peixes. Vieira argumentou como se estivesse falando em cadeia de rádio e de televisão, tal a contemporaneidade da palavra. E assim iniciou o sermão:

Vós, diz Cristo, Senhor nosso, falando com os Pregadores, sois o sal da terra: e chama-lhes sal da terra porque quer que façam na terra o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção, mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm o ofício de sal, qual será ou qual pode ser a causa desta corrupção?

No sermão, Presidente Lula, o sábio religioso vale-se de estímulos alegóricos para qualificar nos peixes os vícios e desmandos dos homens. Mas parece que Vieira observava a lassidão com que Vossa Excelência contaminou a esperança do Brasil, ao assim pregar: “Vede, peixes, quão grande bem é estar longe dos homens”.

O sermão é dividido em duas partes. Na primeira, Padre Vieira louva as virtudes. Na segunda, repreende, com veemência e fina ironia, os defeitos. Eis um resumo da qualidade dos peixes: “Ouvem e não falam”. Foram as primeiras criaturas que Deus trouxe ao mundo. Entre todos os animais são a maioria e os maiores e os únicos que não se deixam domar nem domesticar. Ao condenar os vícios, Vieira é implacável com os peixes. Nos roncadores, embora pequenos, identifica tanto o absenteísmo, quanto a arrogância e a soberba. Presidente Lula, nos bons tempos do otimismo confortável da sua cortesania, não eram os petistas quem tratavam a democracia com insolente malvadez? Até um regulamento para a liberdade de expressão Vossa Excelência propôs para enquadrar o Brasil! Não foi por conta da inapetência do PT ao trabalho que a sua governança mergulhou na calmaria? Não foi a audaciosa inclinação às práticas devassas que levou a pique a sua nau no baixio dos mares enlameados?

Srªs e Srs. Senadores, na conduta dos pegadores, aqueles que se sustentam na servidão dos grandes peixes, Padre Vieira localizou um vício humano muito particular nestes tempos de PT Sociedade Anônima. Trata-se do parasitismo. Presidente Lula, o que diria o religioso seiscentista caso fosse convidado a observar o aparelhamento partidário que Vossa Excelência promoveu na máquina administrativa do Brasil? Quais palavras Vieira buscaria em sua vasta picardia vernacular, diante de tão néscias companhias de que Vossa Excelência se cercou, para sangrar a substância deste País? Presidente Lula, gostaria de sugerir a Vossa Excelência que, ao ler o Sermão de Santo Antônio aos Peixes, se detivesse na pregação sobre os peixes voadores, cuja conduta para o religioso significa a presunção, a vaidade e a ambição. Presidente Lula, eu sei que Vossa Excelência é um apreciador das frases feitas, e nada como esta sentença do Padre Vieira: “Quem quer mais do que lhe convém perde o que quer e o que tem”.

Concedo um aparte ao Senador Antonio Carlos Magalhães.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - V. Exª, como sempre, é brilhante na tribuna, usando, inclusive, o sermão de Vieira aos peixes. Dê um conselho ao Presidente Lula. Sermão para ele fazer é um pouco complicado; vamos arranjar algo mais simples, em que diga: “Fala aos meus tubarões”. Vai ficar muito bem se o Presidente falar sobre os tubarões. Ele vai ver que criou todos os tubarões que estão destruindo o Brasil.

            O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - V. Exª tem a sabedoria de Padre Antonio Vieira. Esperamos que o Presidente o ouça.

O sermão é encerrado como se Padre Vieira dissecasse a alma do PT e nela encontrasse a perfídia em estado puro. Ao fazer as suas reclamações do polvo, o religioso o qualifica de “peixe aleivoso e vil” e certifica que “Judas em tua comparação já é menos traidor”.

O polvo, com seu capelo na cabeça, parece um monge; com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela; com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma candura, a mesma mansidão. E debaixo desta aparência tão modesta, desta hipocrisia tão santa, é o maior traidor do mar.

Presidente Lula, nada que não tenha sido praticado de pior no priorado imoral de Vossa Excelência! Não há nada, repito.

Sr. Presidente, como todo brasileiro, estou estarrecido com a maneira insolente, ambiciosa e vil com que o PT rebaixou o Brasil. Primeiro, eles conduziram ao poder a tecnoburocracia da mala-preta. Depois transformaram a Presidência da República em uma empresa de factoring e, como se não bastasse, querem se livrar ilesos por intermédio das artimanhas da advocacia criminal.

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (Tião Viana. Bloco/PT - AC) - Senador Demóstenes Torres, V. Exª dispõe de mais um minuto, para a conclusão do seu discurso.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Presidente Lula, atenha-se às sentenças de Padre Antônio Vieira e deixe de ser mal aconselhado pelo Ministro da Justiça, Márcio Thomas Bastos. Vossa Excelência não terá restituída a glória, mas ainda pode salvar a sua própria honra. Para tanto, precisa perseguir a verdade e se despojar da processualística normalmente empregada na defesa do crime organizado. Presidente Lula, o preceptor Bastos fez muito mal, ao recomendar a sua participação na tal Operação Paraguai. Essa impropriedade pode antecipar-lhe o assento nos bancos dos réus. Vossa Excelência está-se comportando como Cândido, o personagem de Voltaire, que seguiu os ensinamentos do sábio Pangloss e imaginou que tudo estava o “melhor possível no mundo físico e moral, e nada poderia ser diferente”.

(Interrupção do som.)

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Srªs e Srs. Senadores, é certo que, no âmbito da sociedade petista, reinava harmonia nitente. Mas, como no poema “Quadrilha”, de Carlos Drummond de Andrade, as coisas não vão acabar bem. Era assim: o Presidente amava Dirceu, que amava Delúbio, que amava Sereno, que amava Genoíno, que amava Silvinho, que amava Valério, que pagava o mensalão e faturava bilhão. Acabada a festa, vieram as decepções intestinas. O Presidente Lula foi para a obscuridade. Dirceu acabou no ostracismo dos levantes improváveis. Delúbio chorou. Sereno se tornou professor de corrupção. Genoíno ficou amorfo e desmoralizado. Silvinho sucumbiu-se à própria influência bastarda, enquanto estava desfeito o casamento com comunhão universal de bens entre o PT e Marcos Valério Fernandes de Souza.

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (Tião Viana. Bloco/PT - AC) - Concedo mais um minuto, improrrogável, a V. Exª.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - A outrora louvação afetuosa com que se nutriam reciprocamente os petistas e agregados foi substituída pela conjugação do verbo trair. No rastro da palavra: a mentira, o choro, o capital e o crime! No epitáfio do PT está a marca do cifrão ilegal, do l’argent ignominioso, da nota de 13 dólares, da moeda suja. Busco novamente socorro em Voltaire, exatamente para concluir que o Presidente Lula foi um belo discípulo do otimismo, mas precisa entender a moral da história, deixar de seguir os protocolos das varas criminais do preceptor Bastos, acordar para a realidade e deixar de acreditar “que tudo está bem porque é necessário ter um País desta espécie”.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/07/2005 - Página 24944