Discurso durante a 116ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Apoio às reivindicações dos índios da reserva Raposa Serra do Sol.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Apoio às reivindicações dos índios da reserva Raposa Serra do Sol.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 22/07/2005 - Página 25074
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • LEITURA, CARTA, HABITANTE, COMUNIDADE INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), ESCLARECIMENTOS, SITUAÇÃO, RESERVA INDIGENA, AMEAÇA, CONFLITO, APOIO, PRODUTOR, ARROZ, TENTATIVA, EXPULSÃO, INDIO, TERRAS, CRITICA, FORMA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, HOMOLOGAÇÃO, DEMARCAÇÃO, AREA.
  • REGISTRO, APOIO, PRODUTOR, REGIÃO, OBTENÇÃO, EMPRESTIMO, FINANCIAMENTO, PLANTIO, COMUNIDADE INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), DEFESA, NECESSIDADE, ATENDIMENTO, REIVINDICAÇÃO, NATUREZA SOCIAL, INDIO.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, uma Comissão externa do Senado Federal esteve em Roraima a fim de analisar a demarcação contínua da reserva Raposa/Serra do Sol. Captamos o sentimento das pessoas que lá vivem, que estão muito tristes com a posição adotada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ouvindo apenas as ONGs e desrespeitando a vontade da maioria da população de Roraima.

Segunda-feira, estava em casa, quando chegou um amigo meu, Lauro Joaquim Barbosa, ex-tuxaua do Flexal. O atual tuxaua é Abel Barbosa. O tuxaua veio conversar comigo. Há um mês ele perdeu a esposa, Dona Amazonina Barbosa, e me trouxe uma carta que queria que eu enviasse ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao Presidente do Senado Federal e ao Presidente da Câmara dos Deputados, e que desse conhecimento dela aos Srs. Senadores. Pensei que a carta falava apenas da demarcação da Reserva Raposa/Serra do Sol, mas fiquei muito preocupado com o desfecho dela, o seu fechamento, porque traduz um sentimento. Flechal é uma das últimas aldeias, onde a estrada acaba. Atualmente, durante seis meses do ano, chega-se ali somente com carro traçado. Não existe luz elétrica normal, mas apenas motores, que são utilizados para movimentar alguns aparelhos e alimentar a parabólica. Existe água encanada somente na escola, onde chega água da serra. Então, trata-se de uma comunidade isolada.

Essa carta que ele trouxe desperta-me um sentimento em relação a esses desmandos que estão ocorrendo no País. Naquela aldeia, o PT recebeu muitos votos. Sempre. E o desfecho da carta não é muito favorável ao Partido.

Passo a ler a carta do Sr. Lauro Joaquim Barbosa, um cidadão da Aldeia do Flechal, perto do Monte Caburaí, extremo norte do Brasil. Os indígenas da Raposa/Serra do Sol escrevem sobre os assuntos que desejam tratar, pois têm o pensamento definido, principalmente os da Sodiur, da Alidcir e da Arikon. São independentes e não precisam de nenhum antropólogo, missionário ou alguém “apitando” no ouvido deles. Falam o que sentem porque são cidadãos que, há quase dois séculos, estão em convivência com a nossa sociedade.

Esta carta trata da demarcação e estas são as palavras do Tuxaua Lauro Joaquim Barbosa - Tuxaua em Roraima é o cacique da região de V. Exªs.

Lerei a carta exatamente como foi escrita:

A demarcação de forma contínua da Reserva Raposa Serra do Sol, poderá torna-se em sangue porque não aceitarmos de maneira alguma, que os nativos da região, sejam expulsos da terra que seus pais deixaram como herança. Nós somos pessoas, humanas, não somos animais, que são levados para qualquer lugar.

O município de Uiramutã está dentro da Área Raposa Serra-do-Sol; E Pacaraima, entre São Marcos. Nenhum dos habitantes vão ser expulsos daquela área demarcada, quem comanda somos nós, que está dentro da área demarcada. E quero dizer ainda mais, que nós Povo Roraimense devemos nos unir, e juntos vamos à batalha, inclusive os produtores de Arroz, que estão sendo prejudicados, estou falando em prol da população de nosso Sofrido Estado, tanto faz índios e não-índios. Nós queremos o desenvolvimento, queremos Progresso, somos iguais a qualquer cidadão, por isso estamos lutando pelo bem-estar do nosso Povo, de nosso Estado não queremos ser manipulados pelos estrangeiros, como está acontecendo com nossos irmãos Yanomamis.

Neste trecho da carta, ele deixou de lado assuntos dele para entrar no assunto geral do País. Vejam que se trata de uma comunidade isolada, que não tem sequer luz elétrica.

E critico o Presidente Luís Inácio Lula da Silva, por ter tomado a decisão de Homologar esta Área de forma contínua, contrário ao desejo da maioria da população de Nosso Estado.

Temos que expulsar os padres e não os brasileiros que aqui moram, que tem Uma História, que produzem, que estão ajudando no desenvolvimento do Estado de Roraima, gerando emprego à todas as pessoas que trabalham para manter a sua família. Por isso vamos levantar a Bandeira do Nosso Estado e dizer ao Presidente e às pessoas contrárias ao desenvolvimento, que somos roraimenses e todos somos BRASILEIROS.

Neste ponto da carta, ele se refere ao PT:

O PT aqui em Roraima não tem mais vez, fora PT. Vá pegar a enxada e pague a sua conta, o Brasil precisa de Trabalhadores e não de Traidores.

Lauro Joaquim Barbosa assina a carta.

Concedo o aparte ao Senador Mozarildo Cavalcanti.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Augusto Botelho, V. Exª e eu temos, reiteradamente, da tribuna do Senado e nas Comissões, alertado insistentemente o País sobre o que está ocorrendo na Amazônia, mais notadamente no nosso Estado. Ou seja, a demarcação de maneira atabalhoada, excessiva, de reservas indígenas, feitas de propósito para engessar a Amazônia. No caso de Roraima, a Reserva Raposa/Serra do Sol é a 35ª. Quer dizer, já há 35 reservas indígenas demarcadas, ou seja, mais de 50% de área demarcada para uma população que corresponde a 8% da população do nosso Estado. E essa carta que V. Exª acabou de ler é de um índio que vive lá, na Raposa/Serra do Sol, e não de índio que atende à manipulação de certas ONGs, e ela reflete muito bem a indignação dele. Esse índio não é igual ao que Pedro Álvares Cabral encontrou ao chegar aqui; é um índio informado, que sabe o que quer, que quer ter realmente espaço igual a de outros não-índios que vivem naquela região. Faz muito bem V. Exª em lê-la na tribuna, porque dá conhecimento ao Presidente da República por meio dos seus serviços de informação, aos Senadores e à Nação. Mas V. Exª deve realmente remetê-la ao Presidente da República, ao Presidente do Senado, ao Presidente da Câmara a fim de que fique registrada. Neste particular, não se tem mais confiança no Presidente da República. Sua Excelência dispunha do Relatório da Comissão Externa do Senado, - como V. Exª disse -, cujo Relator foi o Senador Delcídio Amaral, que hoje é o Líder do Bloco de Apoio ao Governo aqui no Senado. Portanto, uma pessoa que seria complemente insuspeita para fazer o Relatório que fez e que foi remetido ao Presidente Lula. Mas, apesar dessas informações, Sua Excelência demarcou aquela área de maneira contrária aos interesses dos índios, dos não-índios e dos miscigenados que, repito, moram lá. Portanto, contrariando os interesses daquelas pessoas, para fazer graça, como ele mesmo disse, para a ONU, a OEA e para outras entidades não-governamentais. Associo-me ao pronunciamento de V. Exª e manifesto aqui a minha revolta em ver que fomos tratados como se fôssemos o quintal do Brasil. Mas vamos mostrar que nós não somos o quintal do Brasil. Vamos realmente nos indignar, nos revoltar e usar de todos os meios. Já estamos na Justiça, no Supremo Tribunal Federal, contra esse decreto do Presidente que foi feito de maneira ilegal. E provaremos isso na Justiça! Parabenizo V. Exª pelo seu pronunciamento.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Desejo também complementar que lá, na Aldeia do Flechal, eles praticamente são independentes, porque cultivam feijão e outros cereais e vendem nas cidades. Quando precisaram de capital, a Associação dos Produtores de lá se organizou e foi ao Banco da Amazônia para conseguir empréstimo. Levamos quase dois anos e seis meses para conseguir esse empréstimo, o primeiro para uma comunidade indígena no Brasil. A Funai de Boa Vista colocou dificuldades e, depois, a Funai daqui - ficavam jogando para lá e para cá. Foram dois anos e seis meses para obtermos o empréstimo e agora, com esses recursos, eles estão fazendo plantio mecanizado pela primeira vez - eles mesmos estão administrando. Quando for feita a colheita, trarei o valor total da produção, para mostrar como o crédito melhorou a vida deles. Os indígenas não querem apenas a terra; eles querem crédito, condições de trabalho. Lá, em Roraima, é assim que fazem: demarcam e abandonam as pessoas.

Concedo o aparte a V. Exª, Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Augusto Botelho, nossos índios são primariamente os verdadeiros donos do Brasil - eles e não os portugueses. Eles tiveram nesta Casa um grande defensor: Darcy Ribeiro. V. Exª e o Senador Mozarildo Cavalcanti têm que substituir aqueles pensamentos filosóficos de Darcy Ribeiro, que pregava o respeito ao índio. Estão aí as obras escritas, as lutas, as conquistas de Darcy Ribeiro, e quero crer que tudo isso não foi em vão. Vejo o amor, a obstinação de Mozarildo Cavalcanti primeiramente. Um bem nunca vem só, mas arrasta o exemplo, como diz Padre Antonio Vieira. V. Exª está nesse mesmo caminho aqui. Daí esse tratamento pacífico aos nossos índios, diferentemente do que ocorreu nos Estados Unidos. Darcy Ribeiro era uma sentinela em defesa da vida, da história dos índios.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Muito obrigado, Senador Mão Santa.

Mais uma vez repito: os nossos indígenas de Roraima, da Raposa/Serra do Sol, sabem o que querem. Não precisam de ninguém para falar por eles. Estou apenas transmitindo o pensamento deles porque são meus amigos. Eles sabem o que querem e sabem como querem trabalhar. Eles querem escolas boas para seus filhos, querem hospitais, querem luz elétrica, e nós vamos trabalhar para conseguir isso, porque são cidadãos, são nossos irmãos brasileiros, que vivem lá abandonados. A dívida histórica que o País tem com eles, que eu não tenho, porque sempre trabalhei com eles e continuo trabalhando, vai ser saldada.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/07/2005 - Página 25074