Discurso durante a 118ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a CPI dos Correios e a crise no Governo Lula.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT).:
  • Considerações sobre a CPI dos Correios e a crise no Governo Lula.
Publicação
Publicação no DSF de 26/07/2005 - Página 25269
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT).
Indexação
  • ANALISE, FRUSTRAÇÃO, ELEITOR, GOVERNO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONTRADIÇÃO, CORRUPÇÃO, PROMESSA, ETICA.
  • IMPORTANCIA, TRABALHO, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, INVESTIGAÇÃO, CORRUPÇÃO, COMBATE, IMPUNIDADE, RECUPERAÇÃO, CONFIANÇA, POPULAÇÃO, ELOGIO, ATUAÇÃO, IMPRENSA, EXPECTATIVA, DEPOIMENTO, CONJUGE, PUBLICITARIO.
  • COMENTARIO, OBSTACULO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EXCESSO, HABEAS CORPUS, FALTA, COLABORAÇÃO, ORGÃO PUBLICO, BANCOS, ACESSO, DOCUMENTAÇÃO, DEFESA, INVESTIGAÇÃO, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), EXPECTATIVA, RECEBIMENTO, INQUERITO, JUSTIÇA, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), REMESSA, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF).
  • ANALISE, CRISE, POLITICA NACIONAL, OPORTUNIDADE, APERFEIÇOAMENTO, DEMOCRACIA, PROCESSO ELEITORAL, DEBATE, REFORMA POLITICA.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Senadora Heloísa Helena, que preside esta sessão, Srªs e Srs. Senadores, há pouco um advogado gaúcho que acompanhava os trabalhos de hoje pela TV Senado ligava para falar dos “sonhos roubados”, fazendo referência a um artigo publicado no dia de ontem no jornal Zero Hora. Refleti sobre o título desse artigo sem mesmo ter tido a oportunidade de conhecer o seu texto.

            Senador Ramez Tebet, foi navegando nas ondas dos sonhos populares que o Governo Lula se instalou neste País, e hoje esse deplorável espetáculo da corrupção sepulta os sonhos e as esperanças que conduziram Lula à Presidência da República. Sonhos sepultados no túmulo da corrupção, que haverão de ser ressuscitados na ação de investigação que se desenvolve no Congresso Nacional, pela exigência da sociedade brasileira de apuração absolutamente eficiente para a imposição das penalidades exemplares que o momento exige.

Senadora Heloísa Helena, este Congresso funciona e estamos aqui realizando esta sessão no período de recesso exatamente porque há CPI instalada no Congresso Nacional para investigar a corrupção no Governo. Não fosse isso, estaríamos em recesso parlamentar.

Ao ouvir o discurso, brilhante como sempre, do Senador Arthur Virgílio, com a profundidade por que sempre faz primar, chegamos à conclusão de como é importante um Congresso aberto e uma tribuna disponível para que se discutam as versões. Ainda há pouco a Senadora Heloísa Helena nos dizia que esse episódio não se pode restringir à tesouraria do PT, não diz respeito tão-somente à tesouraria do PT. Estamos em uma verdadeira competição de versões. Há uma produção incrível de versões fantasiosas. A produtividade está em alta, em que pese o fato de não podermos afirmar o mesmo em relação à criatividade, porque são versões primárias, estapafúrdias, contraditórias, mentirosas.

Temos, Senadora Heloísa Helena, uma missão incrível pela frente, e vou listar as dificuldades com as quais nos defrontamos nesse trabalho de investigação. A primeira e maior dificuldade é conquistar a credibilidade da população, que desacredita lamentavelmente desse instituto fundamental que é a comissão parlamentar de inquérito. Arraigou-se o conceito de que toda CPI termina em pizza. Creio que é um conceito arraigado até mesmo no inconsciente coletivo, trabalhado por muitas pessoas no País e, com muita força, por alguns segmentos da imprensa nacional.

Ainda neste final de semana, uma revista estampa, em sua capa, uma enorme pizza, estimulando exatamente esse conceito de que toda CPI termina em pizza, e isto não é correto, Senador Sibá Machado. Que o diga o ex-Presidente Collor. Perguntem ao Presidente Collor se CPI termina em pizza. Não há mais a possibilidade de se perguntar ao PC Farias porque ele não se encontra mais entre os mortais vivos. Perguntem ao juiz Lalau, ao Senador Luiz Estevão ou aos “anões” do Orçamento se CPI termina em pizza. Perguntem àqueles que foram alcançados, presos - centenas, creio - em função da CPI do Narcotráfico. Perguntem àqueles que foram alcançados pela CPI dos Precatórios, àqueles que foram alcançados pela CPI do Futebol e que estão respondendo a processos ainda não concluídos na Justiça. Perguntem àqueles que tiveram de pagar verdadeiras fortunas, ressarcindo os cofres públicos, em função de sonegação, elisão fiscal ou evasão de divisas e que só foram apanhados em função da instalação de CPIs no Congresso Nacional.

Então, decididamente esta CPMI instalada no Congresso Nacional para investigar a corrupção no atual Governo não é uma fábrica de pizza e já produz resultados. A primeira condenação dos envolvidos é a execração popular. Uma das condenações mais perversas é, sem dúvida, a execração popular.

Perguntem ao Sr. Delúbio Soares, ao Sr. Sílvio Pereira e ao Sr. Marcos Valério se esta CPI é uma fábrica de pizza. O que é feito da vida dessas pessoas a partir da transparência, proposta por esta CPI, dos seus atos praticados na clandestinidade da Administração Pública? A vida deles, a partir desta CPI, será a mesma? E os seus sonhos de participação na atividade pública não estão absolutamente destruídos? Ou eles terão alguma hipótese de salvação em relação à opinião pública nacional depois do que esta CPI está desvendando?

Senador Ramez Tebet, imagino que ela é devastadora sob o ponto de vista do conceito das pessoas nela envolvidas. Venham anestesiados como quiserem vir, protegidos por habeas corpus preventivos, como fazem, mas não se livrarão do julgamento popular em função do que propõe a CPI em matéria de transparência.

Ora, a imprensa é fundamental para que a CPI tenha credibilidade popular. Sem imprensa, sem divulgação, é óbvio que a CPI não alcança seus objetivos. Mas a imprensa está aí, presente e competente, contribuindo para que a investigação alcance as conseqüências que dela se espera. Essa parceria da investigação política, responsabilidade de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, com a investigação competente do jornalismo brasileiro é que faz com que acreditemos ser possível, sim, revelar os fatos sob o signo da verdade, em que pese o campeonato de cinismo patrocinado por aqueles que se envolveram nesse monumental esquema de corrupção.

Há outra dificuldade. É claro que a legislação do País é também dificuldade na medida em que, por exemplo, confere ao depoente a prerrogativa de, sob o manto protetor de um habeas corpus, mentir deliberadamente. É uma dificuldade, que não creio ser intransponível, porque o habeas corpus não obriga o depoente a mentir. Eu tenho esperanças de que, por exemplo, amanhã, no depoimento da Srª Renilda, esposa do Sr. Marcos Valério, tenhamos a oportunidade de ouvir algumas verdades que possam elucidar fatos, trazer elementos imprescindíveis para uma investigação competente. Por que acredito nisso? Por uma questão de inteligência, certamente, a Srª Renilda não perderá a oportunidade de reduzir o peso do impacto das denúncias sobre os seus ombros. Porque, é evidente, eu não acredito seja ela a artífice principal desse projeto em curso. Eu não acredito que tenha sido ela a idealizadora dessa estratégia corrupta. Eu acredito muito mais que lhe tenham negado as informações todas, que tenham conquistado a sua participação omitindo fatos. Isto eu acredito que tenha ocorrido.

Com o fracasso desse projeto, com a revelação dessa estratégia fracassada, certamente, a Srª Renilda carrega consigo a revolta de não ter sido antes consultada. O seu marido já declarou: “Ela não sabia”. Se não sabia, não tem porque assumir, de forma inteira e absoluta, culpa pelo que fizeram, usando-a, inclusive, desde a arquitetura do plano urdido para assaltar os cofres públicos do País e corromper parcela da classe política brasileira.

Portanto, acredito, sim, que ela tem razões de sobra para dizer algumas verdades, para revelar fatos importantes. E creio que o Supremo Tribunal Federal deva conceder a ela, sim, o habeas corpus, até para que ela venha, de certa forma, um pouco mais aliviada e possa cumprir o seu dever aqui, sendo respeitada por todos nós, cumprir o seu dever de dizer a verdade, porque só a verdade interessa neste momento de angústia nacional.

Outra dificuldade é imposta aos trabalhos da CPMI pelos órgãos públicos. Exemplo é a CGU, que auditou contratos, que anunciou à imprensa que cerca de oitenta ou noventa contratos dos Correios estavam repletos de irregularidades e de fraudes. Não recebemos esses relatórios com as auditorias empreendidas pela Corregedoria-Geral da União, que tem essa finalidade.

Os bancos não colaboram como deveriam, não repassam as informações de forma completa. Há até a suspeita de que há banco que, além de sonegar informações, altera fatos, pois documentos grampeados são arrancados e não chegam à Secretaria da Comissão. Refiro-me ao Banco Rural, de participação ostensiva em outros trambiques nacionais do Sistema Financeiro, que adota procedimentos administrativos, no mínimo, temerários, que adota postura desonesta, possibilitando operações financeiras marcadas pela corrupção. Esse banco está a exigir, sim, uma rigorosa investigação do Banco Central.

O Banco Central estaria cumprindo o seu dever? Tenho receio de que não esteja cumprindo exemplarmente o seu dever de investigar as instituições bancárias no nosso País, porque, se estivesse, certamente o Banco Rural teria sido contido nessa sua tarefa de facilitar o escancaramento da corrupção diante do poder público nacional.

Portanto, esta é uma dificuldade: a CPI não tem tido acesso a toda a documentação que se exige investigar para apresentação de provas documentais. Buscamos, ao lado das provas testemunhais que recolhemos nas audiências públicas, as provas documentais que são necessárias e imprescindíveis para que, no momento de indiciamento de pessoas, possamos ter a convicção de estarmos deliberando conscientemente, de forma correta e justa, sem o risco de penalizar indevidamente determinadas pessoas.

O indiciamento das pessoas, para que o Ministério Público possa responsabilizá-las civil e criminalmente e para permitir ao Poder Judiciário um correto julgamento, não pode prescindir de provas documentais.

Nossa esperança é que, a partir desta semana, o fluxo para a transferência das informações ganhe eficiência não só no setor bancário, telefônico e fiscal, mas que possamos receber já, imediatamente, nesta semana, o inquérito remetido pela Justiça de Minas Gerais ao Supremo Tribunal Federal, com documentos importantes que revelariam os beneficiados desse esquema de corrupção na área política. Esse fato, em função de os Parlamentares possuírem foro privilegiado, determinou o encaminhamento ao Supremo Tribunal Federal do inquérito que estava sob a responsabilidade do Juiz da 4ª Vara da Justiça de Minas Gerais, Dr. Jorge Campos.

Esperamos que as informações oficiais ou extra-oficiais se confirmem e que a documentação constante desse inquérito possa significar realmente prova documental cabal, definitiva e inquestionável para que os procedimentos no plano do Poder Legislativo, iniciando o processo necessário de cassação de Parlamentares, possa se dar e para que, ao final, a Comissão Parlamentar de Inquérito possa indiciá-los, a fim de que o julgamento possa corresponder às expectativas da Nação.

Aliás, é exatamente com referência à fase de julgamento, é exatamente com referência à fase do processo judicial que nasce a indignação maior da população, em função da lentidão dos procedimentos.

Muitas vezes, quando se fala que uma CPI terminou em pizza, erra-se o endereço, porque a crítica deve ser direcionada ao Poder que julga. O Congresso não julga, e, certamente, o peso da critica sobre o Congresso Nacional se dá também porque, para algumas pessoas, é mais confortável criticar o Legislativo que o Judiciário. É provável que algumas pessoas temam o Judiciário, mas, seguramente não temem o Poder Legislativo. Por isso - repito -, é mais confortável a opção de centralizar a crítica sobre o Congresso Nacional, diante de uma insatisfação ou de uma indignação ou da revolta que provoca a ausência de punição. Em determinados momentos, há razões, mas certamente não pode ser a regra. A generalização sobre a conduta do Congresso Nacional nessa tarefa imprescindível de investigar não é, certamente, a melhor lição.

Estamos, enfim, preocupados com o que possa ocorrer ao final desse episódio. Indagam: “Quais são as conseqüências do que estamos vivendo hoje”? Repito sempre que, lamentavelmente, não tenho competência para prever conseqüências. Prefiro afirmar que são imprevisíveis. Desejo que sejam conseqüências que impliquem transformação do nosso País. Desejo que, sob esses escombros provocados pela corrupção política, possamos realmente construir o edifício da credibilidade com, certamente, novos procedimentos, nova conduta, com uma limpeza nas instituições públicas do País, sobretudo a partir do Poder Legislativo, para que, numa nova eleição, se possa readquirir esperança de vivermos num País próspero e justo, com dignidade e decência, principalmente a partir da vida pública, que deve ser o exemplo maior.

Tenho dúvida, Senadora Heloísa Helena, se estamos autorizados, neste Congresso, nesta legislatura, a propor um novo modelo político para o País. O Congresso Nacional está ferido de morte pelas denúncias de corrupção. Foi atingido de forma violenta e impiedosa, em função do comportamento de alguns dos seus integrantes. A presença viciada de Parlamentares compromete a autoridade do Congresso para a realização de uma reforma política ainda este ano, antes de se iniciar o processo eleitoral. Imagino que o ideal seja realizar a assepsia, promover a faxina.

A sociedade está convocando a autoridade responsável pelo julgamento e pela punição, para, a partir daí, realizarmos eleições livres e limpas para a composição de um Congresso Nacional autorizado a realizar uma reforma política que confira ao País um novo modelo, compatível com as exigências da nossa população.

Creio que essa seja a agenda adequada, que esse seja o calendário ideal. Eu próprio imaginei uma antecipação das eleições, como propõe o Deputado Luiz Carlos Hauly, mas, pressionados pelo calendário, imagino não ser também a estratégia mais adequada para atendermos às exigências do momento que estamos vivendo.

Vamos cumprir o calendário, vencendo essa etapa primacial da investigação com competência, para a promoção da assepsia generalizada na política brasileira. Depois, o processo eleitoral nos permitirá oferecer à população a oportunidade de condenar os desonestos.

Imagine, Senador Arthur Virgílio, o Congresso Nacional discutindo hoje essa modalidade de lista partidária, e o povo, do outro lado dessa discussão, afirmando: “A única lista que nos interessa, nesse momento, é a lista do mensalão, para condenar os corruptos da política brasileira”.

Certamente, não avançamos o suficiente para discutir lista partidária, mas exige agora a sociedade que apresentemos a lista do “mensalão”. Essa sim, a sociedade quer conhecer, para poder, através do voto, julgar e condenar nas eleições do ano que vem.

Senadora Heloísa Helena, já abusei da bondade de meus companheiros, de meus colegas Senadores que me ouviram até este momento. Por isso, vou concluir dizendo: o diagnóstico é perverso sim, o diagnóstico é extremamente cruel. Há um diagnóstico que, de forma deplorável, nos expõe, como representantes da classe política brasileira, diante da sociedade. Mas o filósofo Antonio Gramsci ensina que devemos ser pessimistas no diagnóstico - e não há diagnóstico mais pessimista do que o da corrupção no Brasil, hoje -, e que devemos ser otimistas em relação às soluções. E soluções existem, desde que respeitemos a vontade popular.

Muito obrigado, Sr. Presidente Arthur Virgílio.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/07/2005 - Página 25269