Discurso durante a 118ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com ameaças recebidas por telefone pela Senadora Heloísa Helena. Referências ao assassinato do brasileiro Jean Charles de Menezes pela polícia inglesa. Reflexão sobre a guerra no Iraque.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA EXTERNA.:
  • Preocupação com ameaças recebidas por telefone pela Senadora Heloísa Helena. Referências ao assassinato do brasileiro Jean Charles de Menezes pela polícia inglesa. Reflexão sobre a guerra no Iraque.
Publicação
Publicação no DSF de 26/07/2005 - Página 25294
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • SOLIDARIEDADE, HELOISA HELENA, SENADOR, VITIMA, AMEAÇA, TELEFONE, IMPORTANCIA, PROVIDENCIA, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), POLICIA FEDERAL.
  • GRAVIDADE, MORTE, CIDADÃO, NACIONALIDADE BRASILEIRA, VITIMA, ARMA DE FOGO, POLICIA, PAIS ESTRANGEIRO, GRÃ-BRETANHA, TENTATIVA, JUSTIFICAÇÃO, ERRO, COMBATE, TERRORISMO.
  • ANALISE, CONTRADIÇÃO, POLITICA INTERNACIONAL, PARTICIPAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, GRÃ-BRETANHA, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), GUERRA, ORIENTE MEDIO, GRAVIDADE, NUMERO, MORTE, PAISES ARABES, TERRORISMO, EUROPA.
  • GRAVIDADE, EMIGRAÇÃO, BRASILEIROS, BUSCA, CONDIÇÕES DE TRABALHO, EXTERIOR, NECESSIDADE, AUMENTO, OFERTA, EMPREGO, PAIS, APROVEITAMENTO, CAPACIDADE, JUVENTUDE.
  • VOTO DE PESAR, HOMENAGEM POSTUMA, CIDADÃO, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), MORTE, EXTERIOR, EXPECTATIVA, PROVIDENCIA, ITAMARATI (MRE), RETRATAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta Heloísa Helena, Srs. Senadores, Senador Antônio Leite, em primeiro lugar, diante da comunicação feita por V. Exª, Senadora Heloísa Helena, quero transmitir a minha solidariedade e preocupação porque é inadmissível que, em função da combatividade, da atuação de qualquer de nós Senadores, estejam pessoas, não sabemos quem, a ameaçar aqueles que receberam a legitimidade do voto popular para aqui realizar um trabalho que cada um de nós, Senadoras e Senadores, consideramos defender o interesse público.

E, na medida em que houve telefonemas a V. Exª, com ameaças as mais diversas a seus familiares e a V. Exª mesma, considero importante que possa o Ministério da Justiça, por meio do Ministro Márcio Thomaz Bastos, a Polícia Federal, na pessoa do Dr. Paulo Lacerda, tomar as medidas necessárias que resguardem a segurança de V. Exª e de sua família.

Srª Presidente, neste último sábado, à noite, chegou uma notícia terrível para uma família no Brasil e que ainda repercute sobre todos nós brasileiros. Todo o Brasil levou um susto. O rapaz morto pela polícia inglesa, no metrô de Londres, era Jean Charles de Menezes, que tinha nome inglês mas era um brasileiro de 27 anos, que nada tinha a ver com atentados terroristas. Ele era eletricista.

Obviamente, somos solidários aos ingleses, à população de Londres, que é formada por pessoas de diversas partes do mundo. Certamente, somos solidários às vítimas do terror e condenamos toda ação de terror. Mas, depois do atentado que matou dezenas de pessoas e feriu centenas, praticado por terroristas suicidas que explodiram várias bombas no metrô londrino, A Scotland Yard, conhecida pelos métodos investigativos e por só portar armas em último caso, mudou seu sistema. Na suspeita, atira e, depois, verifica quem é a vítima. Essa prática nos obriga a pensar que a polícia de um país desenvolvido está buscando inspiração em métodos de países não desenvolvidos.

Não bastasse a perseguição de que se queixam os muçulmanos e imigrantes de países árabes numa cidade multirracial como Londres, a morte de Jean Charles de Menezes mais parece um caso exemplar para demonstrar que os policiais não estão mais para a polidez e a educação, mas, sim, para a caça aos terroristas, numa verdadeira guerra. Guerra, aliás, que o Reino Unido ajudou a fazer contra um país árabe, o Iraque, desde o início da ocupação daquele país em 2003.

Não se sabe ao certo o número de mortos civis iraquianos, mas a imprensa registra que passam de 20 mil. A contabilidade dos soldados mortos da coalizão liderada pelos Estados Unidos, da qual faz parte o Reino Unido, é bem menor. Isso naturalmente não explica nem justifica atentados de homens-bomba contra a população civil inocente, seja de onde for, de Madri, seja de um lugar de turismo do Egito, seja de Londres.

O terrorismo é uma praga tão grande ou pior do que a guerra declarada, porque não avisa, porque trai a humanidade ao acabar com a vida dos que não são responsáveis pelos atos dos Governos dos seus países. Mas nenhuma análise, lamento, racionalização sobre a guerra explicará à mãe, ao pai, à noiva de Jean Charles a sua morte com vários tiros na cabeça. Seu primo, Alex Pereira, que vivia com ele em Londres, deu entrevistas aos jornais, apareceu na tevê emocionado e chamou a atenção para o fato de Jean ser, como ele e tantos milhares de outros, um brasileiro pobre que, diante da impossibilidade de abrir um caminho na vida no Brasil, procurou um outro país onde pudesse ter alguma oportunidade.

Jean chegou a tentar um visto para os Estados Unidos. Não conseguiu e foi para a Inglaterra, onde achava que igualmente seus conhecimentos de eletricidade poderiam ser compensados. Segundo sua família, ele não conseguia emprego. Jean Charles era de Gonzaga, uma pequena cidade mineira na região de Governador Valadares, que tem um terço da sua população morando no exterior - uma cidade de pouco mais de cinco mil habitantes.

Na tevê, seus pais dizem que desde menino chamava a atenção pela inteligência, e por isso fizeram questão que estudasse um pouco mais. Não completou o segundo grau, e fez o curso de eletricidade por correspondência. Precisou trabalhar desde cedo para ajudar a família de agricultores humildes. E era dele que os familiares “esperavam alguma coisa, uma vida um pouco melhor do que essa pobreza toda”, como disse o pai, o Sr. Matosinhos, nos jornais de hoje de manhã, mostrando a casa simples.

            O Primeiro-Ministro Tony Blair, também hoje cedo, lamentou profundamente a morte de Jean Charles, que reconheceu ser inocente. Prometeu uma investigação profunda, dizendo em seguida que a Scotland Yard está fazendo seu trabalho em circunstâncias muito difíceis. Pouco antes, os porta-vozes da polícia inglesa diziam que continuarão a agir da mesma forma quando suspeitarem de alguém.

            No caso de Jean Charles, ele passou a ser suspeito por morar em um bairro de operários pobres, onde também residem muitos imigrantes árabes. A suspeita aconteceu por ele usar, na sexta-feira, um agasalho de nylon alcochoado -segundo os policiais, “impróprio para a temperatura daquele dia”, o que os levou a acreditar que estivesse carregando bombas. Mas nas fotos do local vê-se a população com agasalhos, capas e guarda-chuvas. Chovia em Londres. É verão lá, agora, mas quente como estamos acostumados também não é.

Jean Charles teria corrido ao ser perseguido - dizem os policiais. Mas quem é que teria ficado parado ao ter atrás de si cerca de vinte policiais que gritavam, chamando-o de terrorista? Hoje chegaram notícias de que o visto de permanência de Jean na Inglaterra estava vencido, e talvez por isso ele tivesse corrido. Seu primo Alex nega. Os brasileiros que moram em Londres e que o conheciam também negam. Dizem que os documentos estavam em ordem. Ontem eles fizeram uma passeata protestando contra a polícia inglesa. Levaram a bandeira do Brasil e cantaram o Hino Nacional em frente ao prédio da Scotland Yard, mesmo embaixo de chuva. As matérias de TV diziam que, constrangidos, os policiais ingleses permitiram que os brasileiros chegassem ao local, coisa que normalmente não é permitida.

Jean Charles é o personagem real e trágico de um novo costume entre nós: o do jovem que é obrigado a deixar seu país por falta de perspectiva.

A família de Jean Charles quer processar o Governo britânico. Alex e outros três primos dele receberam uma visita da advogada Gareth Pierce, conhecida batalhadora pelos direitos humanos. O Ministro Celso Amorim já se encontrou com seu colega inglês Jack Straw para tratar do caso. O corpo do rapaz mineiro deve chegar ao Brasil nos próximos dias. São providências de praxe.

Enquanto isso, nós aqui ficamos pensando em quantos Jean Charles, rapazes bons e cheios de sonhos, estamos perdendo. Com certeza ele seria muito mais útil no Brasil. É que ele tinha talento - aliás, quantos talentos estamos perdendo ao não criarmos oportunidades para que esses meninos se desenvolvam no Brasil? O talento de Jean Charles foi descrito por sua mãe, que chorava na TV, mas ao mesmo tempo falava com orgulho do filho: “Antes de aprender o bê-á-bá ele já sabia juntar os fiozinhos da luz”. Que sua alma tenha, agora, toda a luz que ele merece. E que Deus nos ilumine para entender - mas não aceitar - a morte de Jean Charles.

Srª Presidente, quero aqui apresentar um requerimento, secundando o que foi apresentado pelo Senador Arthur Virgílio, nos termos dos arts. 218, inciso VII, e 221, do Regimento Interno, de inserção em ata de voto de pesar pelo falecimento de Jean Charles de Menezes, bem como a apresentação de condolências à sua família.

Mas, quero ainda refletir sobre o que tem sido a conseqüência dessa guerra, iniciada em 2003 pelo Governo dos Estados Unidos, com o apoio do Governo do Reino Unido, e dos governos de outros países, como a Espanha - cujo povo inclusive acabou protestando contra, severamente, com conseqüências políticas para o Governo da Espanha de então -, como a Austrália e outros, que apoiaram a ação dos Estados Unidos da América.

Felizmente, o Governo brasileiro, com o apoio do Congresso Nacional, não apoiou a ação de ocupação do Iraque. Fico pensando: será que os Governos dos Estados Unidos e do Reino Unido ainda não aprenderam o suficiente para perceber que um outro caminho se faz necessário para propiciar condições de efetiva realização de justiça e de democracia ali no Iraque?

O Governo dos Estados Unidos, que, primeiramente na história, veio a fortalecer o Governo de Saddam Hussein para que este realizasse uma guerra contra o Irã, depois acabou se tornando um dos seus principais inimigos e algozes, a ponto de derrubá-lo por meio de uma ação armada, e estranhamente numa circunstância em que os povos de quase todos os países do mundo alertavam para que não se fizesse pressão sobre Saddam Hussein por meios bélicos.

Havia um extraordinário potencial, ao final de 2002 e 2003, porque, por quase todas as grandes cidades do mundo, a população se movia em protesto solicitando às autoridades norte-americanas que não usassem a força das bombas, que vieram a destruir Bagdá e tantas outras cidades do Iraque. Entretanto, naquele primeiro semestre de 2003, o Governo dos Estados Unidos resolveu que era necessário derrubar Saddam Hussein não pela pressão da opinião pública internacional, que poderia, acredito, chegar às ruas de Bagdá e das demais cidades iraquianas pelo movimento de energia que se dava pelo mundo em favor da democratização do Iraque por meios pacíficos, mas acabou havendo aquela multiplicidade de bombardeios que causou a morte de milhares de pessoas - não sabemos exatamente quantas - e a destruição de um capital físico importante para o Iraque. E, desde então, tivemos mortes umas após outras; tivemos a perda de nosso representante, Sérgio Vieira de Mello, que foi morto em atentado; a morte de inúmeras outras pessoas que, inocentes, estão sendo quase que diariamente mortas por atentados em função de não se ter descoberto ainda um meio de pacificar aquele país.

Lembro-me que, na minha correspondência com o Sérgio, eu havia proposto a ele que pudesse sugerir aos iraquianos a instituição de um sistema semelhante àquele que existe no Alasca, para que todas as pessoas no Iraque se sentissem participantes da riqueza daquele país. Ele se entusiasmou pela proposição. Desde então, entretanto, não temos tido notícia sobre o avanço da mesma.

Mas acredito, Srª Presidente, que a solução para esse tipo de problema, a resolução do problema da violência tem muito a ver com o modo como resolveremos, sobretudo, a problemática da falta de justiça e efetiva representatividade em cada um dos países do mundo, inclusive ali, no Iraque, no Oriente Médio, porque a falta dessas condições é que acaba motivando tragédias como a que causou a morte de Jean Charles de Menezes. Portanto, encaminho à Mesa o requerimento de pesar pela sua morte.

Espero que, no diálogo do Ministro Celso Amorim com o Ministro Jack Straw e, se possível, do Ministro Celso Amorim com o Ministro Tony Blair, haja uma reflexão importante e que a autoridade brasileira, pela voz do Ministro Amorim, efetivamente, exija das autoridades do Reino Unido uma explicação que possa significar conforto para a família de Jean Charles de Menezes.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/07/2005 - Página 25294