Discurso durante a 120ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Aprovação de emenda constitucional pelo Parlamento do Chile, que conclui a transição para o estado democrático de direito.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Aprovação de emenda constitucional pelo Parlamento do Chile, que conclui a transição para o estado democrático de direito.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 28/07/2005 - Página 25771
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, APROVAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, PARLAMENTO, PAIS ESTRANGEIRO, CHILE, CONCLUSÃO, PROCESSO, TRANSITORIEDADE, GARANTIA, ESTADO DEMOCRATICO, ESTADO DE DIREITO.
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, BRASIL, ANTERIORIDADE, PROCESSO, INGRESSO, PAIS, ESTADO DEMOCRATICO, POSTERIORIDADE, INICIO, ABERTURA, ECONOMIA NACIONAL, CONCLUSÃO, APROVAÇÃO, PLANO, REAL, GARANTIA, ESTABILIDADE, ECONOMIA.
  • CONGRATULAÇÕES, GOVERNO, POVO, PAIS ESTRANGEIRO, CHILE.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Romeu Tuma, Srªs e Srs. Senadores, venho à tribuna, na tarde de hoje, para fazer um registro sobre a aprovação, ocorrida no dia 13 deste mês, de emenda constitucional do Parlamento chileno que, a meu ver, tem um grande e forte simbolismo, pois representa a conclusão do processo de transição para o Estado democrático de direito por que passa a marcar a vida da República do Chile.

            Essa emenda constitucional, que será promulgada em 16 de agosto de 2005, tem, como disse, um grande simbolismo, além de preceitos importantes, posto que deixa evidente que o Chile passa a viver uma democracia sem adjetivos, isto é, na sua plena e ampla acepção.

Como sabe V. Exª, Sr. Presidente, o processo de transição para a democracia do Chile foi diferente do percorrido pelo Brasil. Aqui, iniciamos o processo de transição investindo na abertura institucional, que não foi curta mas muito longa, e conseguimos concluí-la com a Constituição de 1988. É lógico que muito concorreu para a abertura política no Brasil a aprovação da Emenda Constitucional nº 11, de 1978. Então, a partir de 1978 o Brasil reingressou no Estado de direito e, com a Constituição de 1988, passamos a viver no Estado de direito democrático.

No Chile tal não ocorreu. Lá, a transição se deu primeiro no plano da economia. Logo foram adotadas medidas voltadas para a estabilidade econômica, de combate à inflação, criar uma legislação que assegurasse a certeza para os investidores e não foi por outra razão que conseguiu - e talvez seja o único país da América do Sul que o obteve - o chamado investiment grade, ou seja, o nível A de investimento. Isso explica por que o Chile progrediu tanto nos últimos anos sob o ponto de vista econômico, de inclusive ter um acordo comercial com os Estados Unidos, possuir um vínculo também com o Mercosul e ser um de seus membros associados.

De alguma maneira, o processo chileno foi diferente do brasileiro e, se eu quisesse compará-lo com o de outros países, eu diria que o projeto andino foi semelhante ao que está acontecendo - perdoem-me a comparação e talvez possa parecer estranha -, na China. A China partiu para, primeiro, abrir a sua economia, mas mantendo a questão democrática e, em segundo plano, daí por que se diz que naquele país há um regime fechado, convivendo com dois sistemas econômicos, o capitalista e o socialista. 

O Chile, obviamente, não conheceu algo sequer próximo do modelo chinês, mas é fato de que houve uma preocupação, primeiramente, com a abertura econômica, que foi extremamente exitosa.

No Brasil, somente começamos a buscar na abertura econômica depois da Carta de 1988 e conseguimos, finalmente, em 1994, dar um grande passo com a aprovação do Plano Real, permitindo que, ao lado da estabilidade política, passássemos a gozar também da estabilidade econômica.

O Plano Real, podemos dizer, porque já transcorreram 11 anos do seu lançamento, é a mais bem sucedida experiência de estabilidade econômica que conheceu o País. O Plano Real, tenho insistido nisso, representou mais do que a introdução de uma nova moeda; representou, também, a adoção de uma série de medidas que nos livraram da inflação e garantiram-nos uma maior higidez, uma melhor saúde da nossa economia. Ele foi sucedido por uma série de leis extremamente importantes: ligadas à privatização, que impulsionaram em muito a economia, trazendo investimentos do exterior para o nosso País; relacionadas ao controle dos gastos dos entes federativos, sobretudo Estados e Municípios, de que é testemunho a Lei de Responsabilidade Fiscal; e o aparecimento das agências reguladoras, que se voltam para dar estabilidade ao processo econômico e ampliar a certeza jurídica do investidor. As agências são entes do Estado e não órgãos do Governo, e sabemos que o Estado permanece e o Governo passa.

Tudo isso fez com que o Brasil desse um salto qualitativo muito importante no campo da estabilidade política, que, conjugada com a estabilidade econômica, assegurasse melhores condições para o nosso povo e, também, por que não destacar, com repercussões no exterior. Hoje, o Brasil é percebido lá fora, graças à estabilidade econômica e à estabilidade política, de forma privilegiada, de forma mais positiva.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Permite V. Exª um aparte?

            O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Ouço com prazer V. Exª, Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Marco Maciel, quero apenas observar que estudo e já li livros sobre o Presidente Lagos, do Chile. Ele foi, como V. Exª, Ministro da Educação. Isso tudo é conversa do Duda Mendonça. Nós estamos muito atrasados. Antes, no Chile, eram obrigatórios oito anos de ensino. Ele aumentou esse tempo para 12 anos - V. Exª, que foi Ministro da Educação, veja a falácia. Assim, a valorização do Chile foi sobretudo pela educação e pela cultura. Vou dar um exemplo a V. Exª: Fernando Henrique Cardoso, aquele que estava bonitão ontem, aparecendo na televisão, fez um curso em São Paulo, mas sua formação foi no Chile - Cepal. Ele passou sete anos, assim como sua mulher, que era bolsista, numa boa, estudando. Seis anos são a duração de um curso de Medicina. Depois, sabido, ele foi para Paris e para os Estados Unidos, mas a sua grande formação cultural foi feita na Cepal. Então, o Chile agora tem outra lei, Senador Marco Maciel. Todo chileno tem de saber duas línguas. E o mais bonito que achei lá não foi o vinho, que é bom, e as chilenas, que são bonitas. O mais bonito é o povo. Romeu Tuma, a gente na rua ouve todo mundo dizer: a polícia daqui não é corrupta. Não podemos dizer isso do nosso Brasil.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Nobre Senador Mão Santa, só quero dizer a V. Exª que, em parte, o êxito do Chile se deve a uma continuidade política que houve, porque lá as lideranças políticas dos diferentes partidos fizeram o chamado “pacto de concertação”, que permitiu fazer com que, independentemente do partido que esteja governando o Chile, regras básicas no plano democrático e no plano econômico sejam observadas. Isso começou com o Presidente Patrício Aldin; depois, prosseguiu com Eduardo Frei, filho do ex-presidente, também de mesmo nome e agora, como lembrou V. Exª, com Ricardo Lagos. Eram mandatos de seis anos e se permitiu que, da década de 1980 aos nossos dias, houvesse uma certa continuidade no plano político e no plano econômico.

Desejo, Sr. Presidente, agora, para não me alongar em consideração, fazer algumas observações das medidas aprovadas no Chile, que concluirão o processo de sua transição para a democracia.

A duração do mandato presidencial diminui de seis para quatro anos, sem reeleição imediata. O Presidente da República prestará à Nação conta anual do exercício do seu mandato, perante o Congresso Nacional, no dia 21 de maio. É restituída ao Presidente da República a faculdade de remover os comandantes em chefe das Forças Armadas, como o Diretor Geral dos Carabineiros (polícia nacional, mediante decreto, informando ao Senado da República. O Presidente da República poderá decretar Estados de Assembléia (casos de guerra exterior) ou de Sítio (casos de guerra interna) com o acordo do Congresso Nacional, no prazo de cinco dias. Cumprido esse prazo sem pronunciamento do Congresso Nacional, entender-se-á aprovada a declaração do Presidente.

Com relação do Poder Legislativo, foram extintos os senadores designados e vitalício (a partir de 11 de março de 2006), ficando o Senado da República composto por 38 senadores. A Câmara dos Deputados poderá criar comissões parlamentares de inquérito a requerimento de 40 dos seus integrantes. As comissões de inquérito poderão convocar ministros de Estado, funcionários públicos ou de empresas estatais, com obrigação de comparecerem.

À Corte Suprema corresponderá a superintendência diretiva correcional e econômica dos tribunais militares em tempos de guerra. O Ministério Público lá chamado Fiscalia Nacional, como ocorre na Espanha e na Itália, recebeu novo tratamento. Para remoção de Fiscal Nacional, cuja idade limite é 75 anos, necessita o voto da maioria dos integrantes da Corte Suprema. Serão chilenos os filhos de pai ou mãe chilenos nascidos em território estrangeiro.

O Tribunal Constitucional é aumentado para 10 ministros, sendo 3 de nomeação do Presidente da República, 2 pelo Senado, 2 pela Câmara dos Deputados e três nomeados pela Corte Suprema de Justiça, com mandatos de nove anos. O Controlador Geral da República tem função por 8 anos e idade máxima de 75 anos. O Conselho de Segurança Nacional será apenas um órgão assessor do Presidente da República.

Como eu disse, essa reforma constitucional deverá ser votada em último trâmite pelo Plenário do Congresso chileno, no dia 16 de agosto de 2005. Com isso, o Chile terá concluído o seu processo de transição para a democracia. E não podemos deixar de aproveitar esta ocasião para cumprimentar o Governo e povo chilenos pelo progresso alcançado e dizer que realmente isso dará ao Continente sul-americano outro bom exemplo, porque, na América do Sul, ainda padecemos de instituições não consolidadas em muitos países, e o Chile, a exemplo do que ocorre no Brasil, certamente poderá fazer com que se crie cada vez mais uma cultura democrática na região e se criem condições para constituir instituições cada vez mais robustas.

Enfim, momentos como os que vive o Chile são, portanto, momentos positivos e comprovam também que as crises têm um sentido docente, as crises ensinam e não representam, como disse certa feita Gilberto Melo Kujawski, decadência; pelo contrário, podem ser momentos de reflexão e, conseqüentemente, de enriquecimento cívico do povo e de fortalecimento das instituições.

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PFL - SP) - Senador Marco Maciel, pergunto: como já prorroguei por cinco minutos, mais dois minutos são suficientes?

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Sr. Presidente, ao concluir, eu gostaria de voltar a chamar a atenção para a necessidade de continuarmos investindo na estabilidade institucional. As instituições políticas sofrem, aliás, no mundo todo, críticas generalizadas. As próprias práticas políticas são vistas como insuficientes para superar os desafios do presente e ineficazes para afrontar os problemas do futuro. Não estou aludindo somente aos instrumentos tradicionais e seculares de representação, ao princípio de separação de poderes ou a modelos em confronto com a estruturação do poder, como o presidencialismo, o parlamentarismo ou modelos mistos, como é o caso, por exemplo, do semi-presidencialismo, praticado de forma mais visível na França e em Portugal - apenas para dar dois exemplos. Refiro-me também às demais instituições do Estado, como o Judiciário, tido em quase todo o mundo como adequado para cumprir a função jurisdicional necessária, mas incapaz de promover a justiça que a sociedade reclama. Em outras palavras, é a própria legitimidade democrática que está em causa. Não são apenas as instituições políticas que estão em crise, mas, igualmente, as instituições econômicas também - é importante lembrar.

Nunca houve tanta prosperidade mundial, mas, em compensação, nunca houve tanta incerteza com relação ao futuro, pois a pobreza continua a crescer e a desigualdade entre as nações e as desigualdades intranacionais também crescem, ampliando o fosso entre ricos e pobres. Na escala social, esse ambiente se revela em questões como solidariedade e coesão, desenvolvimento, exclusão, proteção de minorias, equilíbrio ecológico, migração, saúde, educação, moradia e alimentação.

Há, como certa feita afirmou Gilberto Amado, uma distonia entre as instituições políticas e o meio social. Além disso, existe uma incontestável distonia também entre o diagnóstico plausível e as soluções possíveis. Essas crises exigem de nós, políticos especialmente, algo além de imaginação e ousadia. Exigem, em última análise, a capacidade de inovarmos as bases éticas das instituições sob as quais vivemos, para ajustá-las às experiências e às esperanças da sociedade. Tal nos leva a concluir que estamos sendo mais atentos aos diagnósticos do que ao prognóstico.

Considero, por fim, Sr. Presidente, que a legitimidade do poder contemporâneo não se esgota na sua investidura, mas decorre, também e sobretudo, do seu exercício. A legalidade da origem de todo poder político é apenas aspecto formal da sua juridicidade. O aspecto institucional de seu desempenho está cada vez mais condicionado ao seu exercício, ou seja, se quisermos dizer de forma mais direta, o poder será tão mais legítimo quanto mais seu desempenho corresponder, ao que os especialistas chamam de imagem social do poder, isto é, corresponder à expectativa que dele tenha o conjunto dos cidadãos.

Isso implica, portanto, Sr. Presidente, mudança nos fundamentos da política e, do mesmo modo, pode ser aplicado às bases da economia.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/07/2005 - Página 25771