Discurso durante a 120ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Ações de grupos internacionais de biopirataria no Brasil.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Ações de grupos internacionais de biopirataria no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 28/07/2005 - Página 25789
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMENTARIO, TRABALHO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CAMARA DOS DEPUTADOS, INVESTIGAÇÃO, ILEGALIDADE, EXPLORAÇÃO, RECURSOS NATURAIS, PAIS, DENUNCIA, COMERCIALIZAÇÃO, EMPRESA ESTRANGEIRA, SANGUE, INDIO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), EUROPA.
  • COMENTARIO, DECLARAÇÃO, DIRETOR, ORGANISMO INTERNACIONAL, AUSENCIA, IRREGULARIDADE, COMERCIO, SANGUE, INDIO, BRASIL, CONTRIBUIÇÃO, DETERMINAÇÃO, VARIAÇÃO, GENETICA, VIDA HUMANA, INCIDENCIA, DOENÇA.
  • QUESTIONAMENTO, INTERESSE, LABORATORIO, UNIVERSIDADE, GOVERNO ESTRANGEIRO, COLETA, SANGUE HUMANO, BRASIL, SUSPEIÇÃO, ILEGALIDADE, REMESSA, SANGUE, EXTERIOR.
  • DEFESA, NECESSIDADE, APERFEIÇOAMENTO, LEGISLAÇÃO, TIPICIDADE, CRIME, COMERCIALIZAÇÃO, SANGUE HUMANO, AUMENTO, PENALIDADE, PROTEÇÃO, PATRIMONIO, GENETICA, BIODIVERSIDADE, BRASIL.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as denúncias acerca da prática de biopirataria em nosso País têm sido recorrentes nos últimos anos. Apesar disso, como é do conhecimento geral, grupos internacionais de biopirataria continuam agindo livremente em nosso território, onde encontram uma diversidade de recursos naturais que não tem parâmetros em qualquer lugar do planeta.

            Daqui, tudo se leva, como contrabando ou sob a capa de uma questionável legalidade: madeiras as mais diversas, plantas medicinais, insetos e toda sorte de material genético cuja aplicação, futuramente, pode render milhões ou bilhões de dólares aos pesquisadores, aos grandes laboratórios estrangeiros. É, aliás, o que já vem ocorrendo, a ponto de justificar a criação da CPI da Biopirataria, no ano passado, na Câmara dos Deputados.

            A mais recente denúncia que está sendo investigada pela CPI da Biopirataria foi noticiada por alguns veículos da imprensa nacional há cerca de dois meses, mas as suspeitas, efetivamente, remontam aos anos 90: trata-se da comercialização de amostras de sangue, ou mais exatamente do DNA dessas amostras, nos Estados Unidos e na Europa. Esse comércio vem sendo praticado pela empresa Coriell Cell Repositories, com sede em New Jersey, nos Estados Unidos, e que oferece amostras do DNA de nossos índios pela internet a 85 dólares cada uma.

            A Coriell Cell já é velha conhecida de nossas autoridades, pois age na Amazônia e em diversos lugares de todo o mundo há muitos anos. A diretora de Desenvolvimento e Comunicações do “Instituto Coriell para Pesquisas Médicas”, Amy Leach, não vê qualquer irregularidade na comercialização do sangue do índio brasileiro. Por e-mail, ela informou à revista CartaCapital que as amostras de sangue dos índios caritianos e suruís foram coletadas por cientistas das universidades de Yale e Stanford nos anos 80, tendo o material sido enviado ao banco de células da Coriell Cell em 1990. A empresa, que possui o maior banco de células humanas de todo o mundo, colocou as amostras de sangue e as de DNA à disposição dos interessados, respectivamente, em 1992 e em 1994.

            A pesquisadora disse ainda, à revista CartaCapital, que, das 408 amostras do material de índios brasileiros, seis foram adquiridas por pesquisadores brasileiros; e que o preço cobrado pela Coriell Cell cobre apenas parcialmente os custos de manutenção desse material.

            Esses fatos, Srªs e Srs. Senadores, ensejam uma série de questionamentos. A Coriell Cell, a julgar pelas informações prestadas, não estaria obtendo lucro com essa atividade. De qualquer forma, a legislação brasileira proíbe o comércio de órgãos e tecidos humanos, mas é omissa no que respeita a sangue humano, secreções de animais e outras substâncias de patrimônio genético.

            Outra questão tem cunho antropológico: os caritianas e suruís não receberam qualquer compensação financeira pelas amostras de sangue e nem aceitariam: para eles, o sangue humano é sagrado, não pode ser comercializado. Compreende-se, assim, o sentimento desses povos de saber que as amostras de sangue de suas tribos estão sendo comercializadas pela internet, ainda que para fins científicos. A Funai, igualmente, não permitiria esse procedimento, o que leva o indigenista Izanoel dos Santos Sodré, supervisor da instituição na Amazônia Ocidental, a suspeitar que os índios, de alguma forma, foram enganados. Resta observar que o Ministério da Ciência e Tecnologia e o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético também não autorizaram a coleta de sangue nas tribos dos caritianas e dos suruís.

            Ainda em relação à coleta do sangue indígena, cabe questionar qual o interesse dos grandes laboratórios internacionais, dos governos e das universidades estrangeiras nesse material. A resposta, facilmente dedutível, é dada pela própria Amy Leach: ajudar a determinar as variações das seqüências de DNA humanos e sua relação com as doenças; e compreender de que forma são relacionadas todas as populações humanas. Essas respostas poderão contribuir para a melhor compreensão de moléstias que afetam milhões de pessoas em todo o planeta, como os portadores de hipertensão, obesidade ou doenças cardíacas.

            Citado na reportagem da revista CartaCapital, o geneticista brasileiro José Salzano lembra que, além desses objetivos, o DNA dos índios também poderia fornecer pistas para o desenvolvimento de medicamentos, possibilitando aos grandes laboratórios o registro de patentes. A Coriell Cell, por sua vez, afirma que os pesquisadores se comprometem a não utilizar as amostras comercialmente.

            De qualquer forma, o interesse pela seqüência do DNA indígena não é mera curiosidade. Sabe-se, por exemplo, que as índias brasileiras são imunes ao câncer de mama, conforme registrou em suas páginas, recentemente, a revista Ciência Hoje. O câncer de mama é uma moléstia que mata mais de 370 mil mulheres por ano em todo o mundo, mas, por uma combinação de fatores, não atinge as índias brasileiras.

            Assim, por mais que entidades estrangeiras neguem interesse comercial no patrimônio genético brasileiro, seja ele de sangue humano ou qualquer outro, nós precisamos estar atentos e agir rapidamente. São inúmeros os exemplos de produtos típicos do Brasil patenteados no exterior graças ao contrabando de materiais, à inércia dos governantes ou à falta de uma legislação que proteja nossa biodiversidade de uma forma efetiva.

            No caso em tela, das amostras de sangue indígena, há uma forte suspeita de que o material foi levado para fora do País de forma ilegal. O Itamaraty, acionado pelo procurador da República em Rondônia, informa que está estudando as medidas que poderiam ser tomadas. A Polícia Federal, com a colaboração da Interpol, vem investigando os fatos, que estão sendo apurados também no âmbito da CPI da Biopirataria . Independentemente de outras medidas que venham a ser tomadas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é essencial aperfeiçoarmos nossa legislação, tipificando como crime a comercialização do DNA de sangue humano e estabelecendo penas mais rigorosas para as práticas ilegais. A incessante defesa de nosso patrimônio genético e de nossa biodiversidade, em última análise, é a defesa dos nossos direitos, do nosso futuro e de nossa soberania.

            Muito obrigado!

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

“Nota técnica - Situação da dengue no Estado de Roraima”.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/07/2005 - Página 25789