Discurso durante a 121ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da adoção de medidas pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva com vistas a garantir o combate à corrupção como mecanismo destinado à manutenção dos princípios democráticos.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA POLITICA.:
  • Defesa da adoção de medidas pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva com vistas a garantir o combate à corrupção como mecanismo destinado à manutenção dos princípios democráticos.
Aparteantes
Maguito Vilela.
Publicação
Publicação no DSF de 29/07/2005 - Página 25865
Assunto
Outros > REFORMA POLITICA.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, CENTENARIO, NASCIMENTO, CIENTISTA POLITICO, REGISTRO, BIOGRAFIA, ELOGIO, OBRA INTELECTUAL, RELEVANCIA, ANALISE, DEMOCRACIA, LEITURA, TRECHO, OPOSIÇÃO, REELEIÇÃO, MANDATO, EXECUTIVO, MOTIVO, AUMENTO, CORRUPÇÃO.
  • ANUNCIO, REMESSA, LIVRO, AUTORIA, CIENTISTA POLITICO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, SUGESTÃO, RENUNCIA, PROJETO, REELEIÇÃO, BENEFICIO, ETICA, DEMOCRACIA, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.
  • LEITURA, TRECHO, DECLARAÇÃO, CELSO FURTADO, ECONOMISTA, CRITICA, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, PRIORIDADE, REELEIÇÃO, PREJUIZO, INTERESSE NACIONAL.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº Sr. Senador Romeu Tuma, que preside esta sessão, meus caros Senadores, gostaria de avisar ao Senador Marco Maciel, com quem há pouco tive um diálogo, que falarei a respeito de Alexis de Tocqueville, cuja obra S. Exª conhece muito bem. Amanhã, dia 29 de julho de 2005, comemoramos o bicentenário de nascimento desse notável autor e cientista político.

Aviso também à Senadora Heloísa Helena, que falará depois de mim. Fico honrado com a presença dos Senadores Mão Santa e Maguito Vilela, uma vez que ambos têm feito muitas reflexões a respeito do assunto que abordarei.

Alexis de Tocqueville nasceu em Paris, em 1805, oriundo de uma família de antiqüíssima nobreza normanda. Sob o Império, teve sua infância em Paris, no inverno, e no castelo de Verneuil, no verão. De 1820 a 1823, fez seus estudos no Collège de Metz, onde seu pai, o conde de Hervé, era prefeito (da Moselle). Em 1826, licenciou-se em Direito, em Paris; em 1826 e 1827, fez uma viagem à Itália e à Sicília; em 1827, moço ainda, portanto, com 22 anos, foi designado juiz-auditor em Versalhes, onde seu pai era Prefeito. Em 1829 e 1830, freqüentou os cursos de Guizot, na Sorbonne, sobre a história da civilização européia; em 1830, prestou juramento ao novo regime oriundo da Revolução de Julho, apesar de dramas de consciência.

Mas foi de abril de 1831 a março de 1832 que fez uma viagem de extraordinária importância para a sua vida, pois foi estudar o sistema penitenciário dos Estados Unidos da América, procurando saber das suas aplicações na França. Essa viagem de ano e meio fez em companhia de Gustave de Beaumont. No ano seguinte, em 1833, publicou relatório sobre o sistema penitenciário americano, sob o título Du système pénitentiaire aux États-Unis et son application en France.

Ao estudar por um ano e meio o sistema penitenciário norte-americano, acabou interessando-se em saber como funcionavam as instituições dos Estados Unidos da América, estudando-as em profundidade, de tal forma que escreveu um verdadeiro clássico da Ciência Política, que se denomina A Democracia na América, composto de dois volumes.

No primeiro volume, sobre as leis e os costumes, há ensinamentos de extraordinária valia - e percebo que, hoje, pessoas dos mais diversos lugares do Brasil estão visitando o plenário, inclusive estudantes de Direito de Bauru e de outras faculdades. Os ensinamentos de Alexis de Tocqueville continuam sendo dos mais relevantes para todos nós, que estudamos a Ciência Política no presente.

Saliento que, em 1996 e 1997, quando o Presidente Fernando Henrique Cardoso resolveu empenhar-se pelo direito de reeleição, eu, sabendo que muitas pessoas diziam que Alexis de Tocqueville era um de seus autores favoritos, resolvi registrar nesta Casa, para lembrança do próprio Presidente Fernando Henrique e de todos os Congressistas, as lições de Alexis de Tocqueville a respeito do direito de reeleição.

Passo a ler um trecho notável dessa reflexão sobre a reeleição do Presidente.

Os legisladores dos Estados Unidos erraram ou acertaram ao permitir a reeleição do presidente?

Impedir que o chefe do poder executivo possa ser reeleito parece, à primeira vista, contrário à razão. Sabe-se que influência os talentos ou o caráter de um homem exerce sobre a sorte de todo um povo, sobretudo nas circunstâncias difíceis e em tempo de crise. As leis que proibissem os cidadãos de reeleger seu primeiro magistrado tiraria deles o melhor meio de fazer prosperar o Estado ou de salvá-lo. Aliás, chegar-se-ia assim ao estranho resultado de que um homem seria excluído do governo no exato momento em que acabava de provar que era capaz de governar bem [sic].

Ou seja, Senador Maguito Vilela, no momento em que o povo de Goiás tivesse percebido que V. Exª foi um excelente governador, será que não seria bom que pudesse ter o direito de reelegê-lo? “Essas razões são poderosas [diz Alexis de Tocqueville], sem dúvida, mas não se poderá opor a elas outras ainda mais fortes?” Aí ele pondera.

Senador Maguito Vilela, estarei hoje enviando este presente, o livro de Alexis de Tocqueville, A Democracia na América, ao Presidente Lula. É com toda amizade, franqueza e lealdade que quero poder propiciar-lhe a oportunidade de ler essa obra para sua reflexão a respeito do que está acontecendo no Brasil. Será que aquilo que Alexis de Tocqueville previu estaria acontecendo hoje? Não teria ocorrido com Fernando Henrique Cardoso e agora com o Presidente Lula?

Pois diz Alexis de Tocqueville:

A intriga e a corrupção constituem vícios naturais dos governos eletivos. Mas quando o chefe do Estado pode ser reeleito, esses vícios se estendem indefinidamente e comprometem a própria existência do país. Se um simples candidato quisesse vencer pela intriga, suas manobras só se exerceriam num espaço circunscrito. Se, ao contrário, o próprio chefe de Estado é um dos postulantes, toma emprestada para seu uso próprio a força do governo.

No primeiro caso, é um homem com seus frágeis meios; no segundo, é o próprio Estado, com seus imensos recursos, que intriga e corrompe.

O simples cidadão que emprega manobras censuráveis para chegar ao poder só pode prejudicar de maneira indireta a prosperidade pública; mas [prossegue Alexis de Tocqueville] se o representante do poder executivo entra na liça, a atenção ao governo se torna para ele o interesse secundário: o interesse principal é sua eleição. As negociações, tanto como as leis, passam a ser para ele apenas combinações eleitorais; os cargos tornam-se a recompensa pelos serviços prestados, não à nação, mas a seu chefe. Ainda que nem sempre fosse contrária ao interesse do país, a ação do governo em todo caso não estaria mais a seu serviço. E é exclusivamente ao país que essa ação deve destinar-se.

Ora, será que aquilo que Tocqueville previu teria ocorrido com o Presidente Fernando Henrique Cardoso? Quero aqui citar o testemunho de um amigo do Presidente, dado a V. Exª como Presidente da Comissão de Combate à Pobreza do Congresso Nacional, em dezembro de 2000. Como encontrava-se com a saúde frágil, a Comissão resolveu ir até ao Rio de Janeiro e, na sua residência, ouvimos aquele tão belo depoimento. A respeito desse assunto nos disse, naquele dia, Celso Furtado:

Por que Fernando Henrique não fez uma briga séria para levar adiante essa transformação que levaria o Brasil a fazer uma reforma fiscal? Uma reforma fiscal corretiva - e ninguém estaria contra - para cobrir, acima de tudo, um espaço que antes era coberto pela inflação. E por que isso? Porque ele mudou as prioridades. A prioridade passou a ser negociar com o Congresso para se reeleger. Tão simples. Tentou negociar com o Congresso e o Congresso tentou distribuir no miúdo e, evidentemente, se suicidou politicamente.

Ora, um dos maiores cientistas sociais e economista da história do Brasil, amigo pessoal de Fernando Henrique, fez esse diagnóstico, dizendo como que a insistir que o direito da reeleição havia causado mal para Fernando Henrique Cardoso.

Pois bem.

O Sr. Maguito Vilela (PMDB - GO) - Permite V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Já ouvirei V. Exª com a maior honra, mas quero, ainda, dizer que é com toda a lealdade e amizade que dedico ao Presidente Lula essa reflexão. Sugiro que Sua Excelência leia a advertência de Alexis de Tocqueville e não permita que quaisquer membros da sua equipe venham a utilizar a poderosa máquina do seu Governo, exatamente da maneira como o brilhante autor francês previu.

Segundo Alexis de Tocqueville, quase sem perceber, o desejo de ser reeleito domina os pensamentos dos presidentes, fazendo com que toda a política de sua administração passe a ter a reeleição como alvo, as menores gestões fiquem subordinadas a esse objetivo e, sobretudo, à medida que o momento da crise se aproxima, o interesse individual toma em seu espírito o lugar do interesse geral...

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão. PFL - MA) - Senador Eduardo Suplicy, concederei mais um minuto a V. Exª.

O SR. MAGUITO VILELA (PMDB - GO) - Sr. Presidente, peço a palavra pela ordem.

O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão. PFL - MA) - Pela ordem, com a autorização do orador.

O SR. MAGUITO VILELA (PMDB - GO) - Todos os oradores anteriores, inclusive eu, tivemos cinco minutos a mais do tempo regimental. Gostaria que V. Exª também os concedesse ao ilustre Senador até para que pudéssemos aparteá-lo.

O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão. PFL - MA) - Senador Maguito Vilela, estamos chegando ao final da sessão e ainda há outros oradores. Precisamos criar as condições para que todos tenham a possibilidade de falar.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Não quero prejudicar ninguém, especialmente V. Exª que, dentre os presentes, é o único que ainda não falou. Quero assegurar o tempo a V. Exª. Permita-me, apenas, dizer só estas três linhas e conceder o aparte ao Senador Maguito Vilela.

É importante que o Presidente Lula possa...

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão. PFL - MA) - Estou restabelecendo o som a V. Exª.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - É importante que o Presidente Lula possa demonstrar com firmeza que os objetivos maiores que levaram o PT e a ele próprio à vitória, em 2002, tais como a ética na política, a realização da justiça e o aperfeiçoamento das instituições democráticas, venham a prevalecer até o final do seu Governo. É esse o desejo e a recomendação que faço ao Presidente Lula.

E concedo, com muita honra, o aparte ao Senador Maguito Vilela.

O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão. PFL - MA) - Com o pedido da Presidência para que V. Exª seja breve.

O Sr. Maguito Vilela (PMDB - GO) - Serei, Sr. Presidente; atenderei V. Exª. Agradeço ao Senador Eduardo Suplicy. O Senador sempre traz temas brilhantes para serem debatidos no Senado. É um dos Senadores mais lúcidos, mais preparados, mais respeitados deste País. Quero apenas dizer ao Senador Suplicy que, por recomendação dele, vou ler o livro A Democracia na América, de Alexis de Tocqueville. Não o conhecia, não havia lido nenhuma das suas obras, mas tinha esse sentimento. Inclusive, quando governei Goiás, tinha os melhores índices de aprovação do Brasil e não quis a reeleição, justamente por entender que sempre tem um bom governante, mas pode haver um melhor ou outros melhores. O Brasil, o País, o Estado e as cidades não podem ficar adstritos apenas a um homem ou à idéia de que somente um é capaz de governar. Entendi que governei bem porque tinha a aprovação da grande maioria do povo goiano, mas poderia ter um que governasse, inclusive, melhor do que governei. Então, está com a razão V. Exª e Alexis de Tocqueville, a quem lerei com o maior prazer. Muito grato a V. Exª.

O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão. PFL - MA) - Peço a V. Exª que conclua.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Agradeço a gentileza de suas palavras, Senador Maguito Vilela. Tenho tido com V. Exª uma afinidade de propósitos extremamente forte, sobretudo na questão da reforma política, nas proposições que temos.

Ressalto a minha recomendação ao Presidente. É positivo que o Ministro Jaques Wagner, ontem, tenha, por meio do “Jornal da Globo”, expresso a sua disposição de, em nome do Governo, dialogar com todos nós, Senadores e Deputados, com a Oposição, para garantir um entendimento na direção de preservarmos as instituições democráticas do Brasil e fazer com que possa o Governo Lula realizar as metas a que se propôs, sobretudo...

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão.PFL - MA) - Peço a V. Exª que conclua o seu pronunciamento.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - É a última frase.

            Realizar as metas de fazer a economia crescer, com melhoria da distribuição da renda, com justiça efetiva para todos, com direito à cidadania. Que isso possa ser efetivado, e o Presidente Lula terá todo o meu apoio até o último dia do seu governo para essa finalidade.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/07/2005 - Página 25865