Discurso durante a 122ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Combate ao trabalho infantil no Brasil.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. POLITICA SOCIAL.:
  • Combate ao trabalho infantil no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 30/07/2005 - Página 25951
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, EVOLUÇÃO, COMBATE, TRABALHO, INFANCIA, BRASIL, IMPORTANCIA, LEGISLAÇÃO, PROTEÇÃO, MENOR, EFICACIA, ATUAÇÃO, MINISTERIO DO TRABALHO E EMPREGO (MTE), REGISTRO, REDUÇÃO, QUANTIDADE, CRIANÇA, SITUAÇÃO, IRREGULARIDADE, EMPREGO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PERMANENCIA, TRABALHO, INFANCIA, ECONOMIA INFORMAL, MOTIVO, OBEDIENCIA, FAMILIA.
  • NECESSIDADE, IMPLEMENTAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, BRASIL, MELHORIA, SITUAÇÃO, TRABALHO, INFANCIA.
  • COMENTARIO, RELEVANCIA, PROGRAMA, GOVERNO FEDERAL, ERRADICAÇÃO, TRABALHO, INFANCIA, PROGRAMA ASSISTENCIAL, RENDA MINIMA, IMPORTANCIA, CONSCIENTIZAÇÃO, EMPRESARIO, SOCIEDADE, SOLUÇÃO, PROBLEMA.
  • COMENTARIO, EXPERIENCIA, PROGRAMA, RENDA MINIMA, MUNICIPIO, IRACEMA (RR), ESTADO DE RORAIMA (RR).

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nosso País está bem longe de oferecer igualdade de oportunidades aos seus cidadãos. É particularmente doloroso constatar que não somos capazes de garantir a todas as nossas crianças o ensino fundamental em sua integralidade, passo fundamental para romper com o ciclo cruel de exclusão e democratizar em profundidade a sociedade brasileira.

O que impede que nossas crianças e adolescentes completem o ensino fundamental e que faz com que parte delas permaneça no analfabetismo funcional é, sem dúvida, a pressão exercida pela pobreza, caracterizando o referido ciclo de exclusão. A pobreza aguda empurra esses pequenos brasileiros para o trabalho infantil, quando não para a mendicância nas ruas.

O trabalho infantil faz da criança um adulto precoce, restringindo o seu direito à atividade lúdica e a um relativo descompromisso, tão importantes na formação de um indivíduo saudável e feliz; não bastasse isso, torna muito provável que ela permaneça no trabalho desqualificado e mal remunerado por toda a vida, ao privá-la da oportunidade de se dedicar adequadamente ao estudo.

Nosso País obteve alguns avanços significativos no combate ao trabalho infantil. Sabemos que a Constituição Federal proíbe o trabalho a menores de dezesseis anos, exceto na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos. A promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, quinze anos atrás, forneceu instrumentos para que o dispositivo constitucional passasse a ter efeitos mais tangíveis. Outro passo importante foi o compromisso efetivamente assumido pelo Ministério do Trabalho, a partir de 1995, de se engajar na fiscalização do trabalho infantil ilegal.

Sr. Presidente, se tanta coisa vai mal no País, não deixemos de valorizar as nossas conquistas, mesmo que se mostrem elas insuficientes. A Organização Internacional do Trabalho considera como modelo o combate ao trabalho infantil no Brasil, consubstanciado por um conjunto de leis, pactos com a sociedade civil e políticas públicas.

Como resultado dessa conjugação de fatores, tivemos, de 1992 a 2003, um decréscimo de 40% no número de crianças trabalhando ilegalmente.

Isso significa, Srªs e Srs. Senadores, que estamos em um caminho que tem méritos incontestáveis. Isso também significa que um número imenso de crianças e adolescentes entre os 5 e os 15 anos de idade permanece trabalhando no Brasil. Segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), eles somaram 2 milhões e 700 mil em 2003. Qualquer espírito comemorativo ou precoce apaziguamento da sociedade pode comprometer os resultados já obtidos e ampliar ainda mais os resultados obtidos e ampliar ainda mais esse contingente.

Ao contrário, percebemos que é necessário não só intensificar as ações que vêm sendo desenvolvidas, mas também criar novos mecanismos que mostrem uma eficácia maior, ou um foco mais preciso, para se contrapor à permanência do trabalho infantil. Não há como consegui-lo sem considerar um conjunto de fatores sociais, econômicos e culturais profundamente interligados. Há sempre o risco de que se tape um buraco fazendo com que outro se abra ali ao lado.

É exatamente isso o que vem ocorrendo, como se pode constatar pela matéria jornalística intitulada “Trabalho infantil migra para o quintal”, publicada na Folha de S.Paulo do último dia 5 de julho.

É indubitavelmente mais fácil coibir o emprego ilegal de crianças quando ele é bancado por empresas formalmente constituídas. É nessa área que foram alcançados os melhores resultados pela ação fiscalizadora do Ministério do Trabalho.

A situação muda quando consideramos o universo do trabalho informal. Nesse caso, o mais comum é não haver um empregador que se possa advertir ou punir. Com freqüência, são os próprios pais, ou um deles, que põem a criança para ajudá-los em sua atividade laboral, ou o encaminham para alguma outra atividade mal remunerada. A matéria da Folha dá, entre outros exemplos, os de crianças que trabalham na colheita de pequenas lavouras, em oficinas de fundo quintal, que se dedicam à coleta de garrafas e latinhas ou, ainda, a vigiar carros.

A realidade da carência econômica acentuada afasta nossas crianças dos bancos escolares para que se dediquem a ocupações impróprias para a sua idade e prejudiciais à sua formação. Ainda mais preocupante, com certeza, é quando esses jovens são lançados, sem proteção ao ambiente violento e desregrado das ruas, dedicando-se à mendicância ou a atividades ilícitas.

É lamentável, Sr. Presidente, que até hoje nosso País não possa se orgulhar de ter implementado uma séria política de distribuição de renda - V. Exª que tanto defende essa tese -, verdadeira e definitiva solução para o trabalho infantil e outros problemas sociais de vastas dimensões.

Além de buscar promover essa imprescindível e incontornável desconcentração de renda, deve o Governo atuar com políticas emergenciais, focadas nos fatores que afastam as nossas crianças e adolescentes da escola. Precisamos de mecanismos que tenham efeitos diretos e imediatos no aumento da permanência dos meninos e meninas nas escolas, com bom aproveitamento do ensino.

Já existem, é certo, alguns mecanismos desse tipo. O Programa pela Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), criado em 1997 e atualmente sob a responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Social, teve, reconhecidamente, um papel importante na diminuição do número de crianças que trabalham.

Alguns argumentam que são pequenos os valores pagos pelo Peti para que as crianças se dediquem exclusividade ao estudo: R$ 40,00 nas cidades e R$ 25,00 no campo. Não há dúvida de que é muito difícil suprir as necessidades mensais de uma criança com esses valores. Permanece o dilema de saber se é mais urgente ampliar o universo de crianças atendido pela bolsa do Peti, ou por mecanismo semelhante, ou se ainda é mais inadiável o aumento dos valores das bolsas já concedidas.

A meu ver, isso não é um verdadeiro dilema, na medida em que ambas as ações são importantes e imprescindíveis. Ambas contribuem com efeitos significativos para combater o problema do trabalho infantil ilegal e da evasão escolar.

O que parece decisivo ressaltar, Srªs e Srs. Senadores, é a relevância de programas de renda mínima que exijam uma contrapartida. Muito já foi dito sobre a sábia concepção dos programas de bolsa-escola, modelo que serve de referência ao Peti. Rompendo com o assistencialismo clássico, unidirecional, a bolsa-escola não apenas ajuda a suprir as necessidades básicas, mas promove também a educação e a consciência da própria dignidade dos seus beneficiários.

Uma outra forma de ação, de menor abrangência, mas bastante significativa, pode ser exemplificada pela mudança de comportamento por parte das usinas de açúcar do Estado de Alagoas, tal como foi enfocado pelo mesma reportagem da Folha. As usinas, que chegavam a contar com um total de 8 mil pequenos trabalhadores em 1997, não apenas aboliram o trabalho infantil na colheita de cana; várias delas passaram a ajudar em ações voltadas para o benefício das crianças e adolescentes de suas localidades.

Temos a certeza, Sr. Presidente, de que a sociedade brasileira pode resolver os graves problemas que afetam a sua população mais jovem, a qual irá, por sua vez, construir o Brasil do futuro.

Só não podemos permanecer indefinidamente adiando as medidas imprescindíveis para viabilizar socialmente nosso País. Também não imaginemos que é possível, a cada momento, começar do zero.

As boas experiências que já estão atuando no sentido de erradicar o trabalho infantil e garantir o ensino para crianças e adolescentes devem ser reforçadas, ampliadas, aperfeiçoadas. É preciso unir a percepção do imprescindível processo de evolução dos mecanismos de distribuição de renda e de proteção social a um intenso e inegável sentimento de urgência.

            Portanto, é importante que voltemos os olhos, de maneira mais profunda, para as nossas crianças e adolescentes, que construirão o futuro do nosso País. Principalmente nesse momento em que o Brasil atravessa um clima de desesperança e frustração, precisamos voltar os olhos para as crianças e para os adolescentes para que continuem tendo esperança e condições de se tornarem amanhã adultos capazes, saudáveis e que possam construir um Brasil sólido no futuro.

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Suplicy. Bloco/PT - SP) - Cumprimento o Senador Mozarildo Cavalcanti por seu pronunciamento relativo à importância das medidas que os governos vêm tomando para erradicar o trabalho infantil, registrando que o Brasil, felizmente, vem conseguindo progressos nessa área. No Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, iniciaram-se os programas de erradicação do trabalho infantil, o Peti, o Bolsa-Escola e outros que foram, de alguma maneira, unificados no programa Bolsa-Família do Governo do Presidente Lula. Em 1996, tive a oportunidade de apresentar ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, numa audiência, o Prof. Philippe Van Parijs, da Universidade Católica de Louvain e hoje também da Universidade de Harvard, que se constitui na maior autoridade na defesa da renda básica de cidadania. Ele recomendou ao Presidente Fernando Henrique Cardoso que iniciasse o programa de Renda Mínima associando-se às oportunidades de educação porque seria uma maneira de garantir rendimento às famílias com o condicionante positivo de estarem as suas crianças freqüentando a escola. Essa proposição, que tanto José Roberto Magalhães Teixeira quanto Cristovam Buarque haviam iniciado em Campinas e no Distrito Federal, acabou se espalhando por todo o Brasil, e hoje o programa Bolsa-Família tem 7,2 milhões de beneficiárias, com a expectativa de atender, até o ano que vem, 11,2 milhões de famílias, praticamente um quarto da população brasileira. É importante ressaltar o condicionamento do rendimento complementar a famílias carentes que recebem hoje até R$100 por mês, desde que suas crianças freqüentem a escola e as menores de 6 anos sejam vacinadas. Mas há também a perspectiva de que essas crianças possam um dia estar - tal como as crianças das famílias de maior posse - vacinadas e freqüentando até as melhores escolas por causa da percepção da importância, para o seu progresso, de que essas coisas ocorram. Grandes educadores, como Paulo Freire e Anísio Teixeira, disseram que o processo educacional leva a maior liberdade e independência das pessoas. Queremos, então, chegar ao estágio em que essa renda básica de cidadania se torne algo incondicional como um direito que tem toda e qualquer pessoa de participar da riqueza da Nação. Felizmente essa proposição acabou sendo aprovada unanimemente aqui no Senado Federal, recebeu aprovação na Câmara e foi sancionada pelo Presidente Lula para ser instituída gradualmente. De tal maneira que o Bolsa-Família pode ser visto como um passo na direção dessa proposta que já é lei e que poderá ser perfeitamente implementada a critério da Presidência da República nos próximos anos, preferencialmente nesta primeira década do século XXI. Cumprimento V.Exª por seu pronunciamento.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Quero agradecer a V. Exª, um estudioso, um batalhador da tese da renda básica de cidadania. Suas observações dão força ao meu pronunciamento.

Para complementar, Sr. Presidente, dou dois exemplos: no meu Estado, o Município de Iracema implantou de maneira muito forte a Bolsa-Escola, que, no fundo, no fundo, é uma forma de renda mínima porque aqueles agricultores que não tinham renda nenhuma passaram a receber uma quantia por ter dois, até três filhos na escola com a obrigação não só de terem freqüência, mas de irem ao médico, ao dentista, de praticarem esportes. Houve grande melhoria na aprendizagem e praticamente zerou-se a evasão escolar. Noutro patamar, por exemplo, temos o que se gasta com recursos destinados às ONGs que prestam assistência aos índios: se cada índio recebesse renda mínima, hoje teríamos uma realidade de educação indígena muito diferente.

Agradeço e encerro meu pronunciamento.

Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/07/2005 - Página 25951