Discurso durante a 123ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Manifestação contrária a qualquer tipo de "acordão", que tenha como objetivo frear as investigações sobre a corrupção no governo.

Autor
Demóstenes Torres (PFL - Partido da Frente Liberal/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT).:
  • Manifestação contrária a qualquer tipo de "acordão", que tenha como objetivo frear as investigações sobre a corrupção no governo.
Publicação
Publicação no DSF de 02/08/2005 - Página 26147
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT).
Indexação
  • REPUDIO, TENTATIVA, ACORDO, IMPUNIDADE, CORRUPÇÃO, CONGRESSISTA, REITERAÇÃO, COMPROMISSO, ETICA, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, ORADOR.
  • REPUDIO, ATUAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), CRIAÇÃO, SISTEMA, CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO, FORMAÇÃO, QUADRILHA, CRIME ELEITORAL, SONEGAÇÃO FISCAL, CRIME DO COLARINHO BRANCO, SUSPEIÇÃO, CRIME DE RESPONSABILIDADE, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DEFESA, CONTINUAÇÃO, INVESTIGAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, AUSENCIA, AMEAÇA, ECONOMIA NACIONAL, COMENTARIO, EDITORIAL, JORNAL, ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores:

“Neste mundo é mais rico o que mais rapa;

quem mais limpo se faz, tem mais carepa;

Com sua língua, ao nobre o vil decepa.

O velhaco maior sempre tem capa”.

Gregório de Mattos Guerra (por sugestão do amigo, Senador Arthur Virgílio.)

            Os primeiros navegadores da expansão européia do século XVI imaginavam que encontrariam monstros diabólicos a caminho das Índias, mas foram as calmarias equatoriais o maior suplício. Por conta do fenômeno meteorológico, as embarcações ficavam estacionadas em mar aberto por até 40 dias. Faltavam água e víveres. Disseminava-se o escorbuto. Enquanto os clérigos pregavam, a impaciência dos marujos conduzia aos motins. Era um cenário estático e de caos, nominado pelos ingleses de doldrums, cujo significado da palavra é estagnação e desânimo. De repente, percebo que mansuetude qualquer está a indicar que a saída à agonizante calmaria do atual mar de lama é navegar pelas brumas do pântano, onde, às escondidas, todos entrariam contaminados, alguns seriam deixados em degredo, e os salvos se tornariam santos.

Aviso ao Brasil: nesta nau eu não vou embarcar! Este é o meu primeiro mandato e pode ser o último, caso o Senado compartilhe da proposta imoral de se encerrar com a marca do simulacro as investigações da corrupção no Governo do PT. Volto ao Ministério Público de Goiás com muito orgulho caso esta Casa se funda com a escumalha, se imiscua com o rebotalho e seja co-autora do maior ato de abastardização dos costumes políticos brasileiros. Não vou participar de “acordão”, das conversas secretas, dos argumentos da calada da noite, da indecência sussurrada e das tratativas inconfidentes. Goiás me elegeu para defender seus interesses, legislar e investigar. O meu mandato não está a serviço das manobras enganadoras. Esta legislatura já possui na conta das providências duvidosas o desgaste da CPMI do Banestado. Vamos assimilar antipatia incomensuravelmente maior da sociedade caso seja oficializada a opção que o editorial do O Estado de S. Paulo, do último sábado, com muita propriedade, qualificou de “A conspiração dos políticos”.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, a estrutura do chamado “acordão” está sendo erguida com o material colhido no lixão a céu aberto do Governo do PT. Vai desmoronar e, aí, sim, criar ambiente de intranqüilidade social patológica. O brasileiro não vai assimilar tal pachola. O Palácio do Planalto lançou a idéia, parte da Oposição gostou da oferta e está em curso um movimento para arrefecer os ânimos investigadores, suprimir informações contagiantes, subtrair peças do quebra-cabeça, fabricar lacunas e encerrar o mais rápido possível o “cepeísmo”, com a oferta de uma dúzia de cabeças cortadas na Câmara dos Deputados e ponto. Em contraprestação, todos os políticos cometeram crimes eleitorais, mas cuja conduta, a partir da hermenêutica do Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, saiu da esfera do dolo para representar o engano continuado. Somas milionárias foram subtraídas do contribuinte nesses dois anos e meio para sustentar as campanhas do PT e da base adquirida, manter o mensalão, conferir mimos como o Land Rover do Sr. Silvinho e fazer o bem de determinadas pessoas. Inopinadamente, de acordo com o Manual Prático da Nova Ética Bastosiana, tais condutas não podem ser consideradas um ato deliberado de locupletação, mas uma atitude impensada, quase tola. Todo o sistema de corrupção engendrado pelo Partido dos Trabalhadores teria a qualidade do erro escusável. Os estipendiários anteriores ao patronato do Delúbio Soares, então, se beneficiariam da anistia ampla, geral e irrestrita e tudo ficaria perfeitamente lindo porque assim tem de ser para o bem do panglossismo brasiliense.

Sr. Presidente, não se pode falar de erro, mas de um complexo sistema delituoso que se enquadra no conceito de sociedade criminosa. Existe uma mística de que o Comando Vermelho, no Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da Capital, em São Paulo, nasceram dos ensinamentos organizacionais dos presos políticos. Muitos dos fundadores do PT, que estiveram reclusos durante o regime militar, demonstraram que houve, na verdade, uma química muito maior entre as partes. O pessoal do Partido compreendeu e se simpatizou pelos postulados do art. 171 do Código Penal apresentados, no cárcere, por vigaristas de todo gênero. No poder, trataram de pôr em prática um rosário de crimes. Contra o sistema financeiro. Eleitoral. De lavagem de dinheiro. De formação de quadrilha. De corrupção ativa e passiva. De concussão e de sonegação fiscal. E crime de responsabilidade, se ficar provado que o Excelentíssimo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sabia e abaixou a cabeça em assentimento ao “mensalão”.

Eu não vou aceitar o indulto privilegiado, a correição parcial ou o perdão formidável em nome da falsa preservação das instituições e da tal governabilidade. Isso no politiquês tem a significação da trapaça. A crise é do Governo Lula e de parte contaminada do Congresso Nacional. A verificação de documentos, o cruzamento de informações, a ligação entre depoimentos e provas materiais é ato rotineiro de qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito. Apurar fatos não compromete nada. Nem a bolsa, nem o dólar, nem a inflação, nem os fundamentos da política econômica do Dr. Henrique Meirelles. O Brasil não está em crise e tampouco em semelhante situação está o operário ao lado de quem o Presidente insiste em se fotografar. Devia estar atento ao combate à corrupção, mas prefere o delírio da campanha eleitoral extemporânea. As instituições funcionam e vão continuar funcionando independentemente das investigações. Esta conversa de agenda positiva, de agenda paralela, na verdade, é a agenda da vergonha! É como resumiu com muita inteligência o editorial do Estadão: “A economia segue o seu curso e vai muito bem, obrigado. Se o mesmo não se pode dizer do Governo em geral, a causa é anterior à eclosão do escândalo nos Correios e das denuncias de mensalão. Reside fundamentalmente, como se sabe, na inaptidão de Lula para administrar e liderar”.

Srªs e Srs. Senadores, quem se abasteceu das dádivas valerianas tem de acertar as contas com a sociedade brasileira. É inexorável! As investigações precisam provocar gestos efetivos ou, todos nós, os políticos, vamos ter de guardar na manga do paletó a tarja do descrédito. O Presidente Lula ficou na ameaça quando anunciou cortar a própria carne. Setores da Oposição, da qual eu pertenço, foram inclementes com a omissão cirúrgica. Agora tem gente ao meu lado acreditando que o melhor é oferecer ao brasileiro um placebo. O argumento de que a CPMI dos Correios precisa ser contida para não perder o foco das investigações é aula de miopia política, ética de presidiário, orientação de advogado criminalista, ou então o autismo do Presidente Lula é o grande guia. Todas as alternativas são pretexto à insensatez. Não vou mencionar ninguém além do meu próprio Partido. Ao PFL recomendo e vou defender a tese de que, se houve ligação com o Sr. Marcos Valério, se desconsidere o perdão prescricional da história proposto nos termos do “acordão”, e se puna quem com ele se promiscuiu. Não se trata de purgar as emoções, mas de apurar e punir crimes.

Sr. Presidente, o titã Prometeu apoderou-se de uma fagulha em sua fonte primitiva e a entregou aos homens como forma de lhes conferir a sabedoria, as artes, o engenho, a ciência, o alfabeto e a esperança infinita no futuro. Como castigo, Júpiter, um déspota devasso, orgulhoso, de “coração inexorável, com base em iníquas leis”, puniu-o com o acorrentamento no alto de uma rocha escarpada. Depois, aplicou um castigo adicional ao enviar uma águia que todos os dias comia-lhe o fígado, que sistematicamente se regenerava. O Senado, em especial, tem dois caminhos a seguir. Se assentir ao “acordão”, vai honrar Zeus e ser complacente com a infâmia. Por outro lado, pode passar o Brasil a limpo, libertar Prometeu e manter acesa a sabedoria que ele legou aos homens. É o que se espera desta Casa. É o que se espera que se faça nesta Casa. É o que o Brasil espera, Sr. Presidente Eduardo Matarazzo Suplicy.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/08/2005 - Página 26147