Discurso durante a 125ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise sobre a crise política e a necessidade de sua depuração, usando bom senso e tranqüilidade.

Autor
Fernando Bezerra (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RN)
Nome completo: Fernando Luiz Gonçalves Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT). REFORMA POLITICA.:
  • Análise sobre a crise política e a necessidade de sua depuração, usando bom senso e tranqüilidade.
Aparteantes
César Borges.
Publicação
Publicação no DSF de 04/08/2005 - Página 26411
Assunto
Outros > IMPRENSA. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT). REFORMA POLITICA.
Indexação
  • REGISTRO, SUPERIORIDADE, NUMERO, JORNAL, PAIS ESTRANGEIRO, ANALISE, CRISE, NATUREZA POLITICA, BRASIL, COMENTARIO, IMPORTANCIA, OBTENÇÃO, CONFIANÇA, AMBITO INTERNACIONAL, APRESENTAÇÃO, DADOS, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), COLOCAÇÃO, PAIS, COMPARAÇÃO, CORRUPÇÃO.
  • DEFESA, INDEPENDENCIA, PODERES CONSTITUCIONAIS, COMBATE, CORRUPÇÃO, COMENTARIO, DESVIO, RECURSOS, SETOR PUBLICO, PREJUIZO, POPULAÇÃO CARENTE, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, INVESTIMENTO, CAPITAL ESTRANGEIRO.
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, APURAÇÃO, CORRUPÇÃO, BENEFICIO, REPUTAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, OPINIÃO PUBLICA.
  • DEFESA, POSSIBILIDADE, PRORROGAÇÃO, DATA, ELEIÇÕES, DEZEMBRO, BENEFICIO, DISCUSSÃO, LEGISLAÇÃO ELEITORAL.
  • CUMPRIMENTO, CESAR BORGES, DELCIDIO DO AMARAL, SENADOR, ATUAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT).
  • CRITICA, SUPERIORIDADE, TEMPO, DURAÇÃO, DEPOIMENTO, PREJUIZO, ATUAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO.

O SR. FERNANDO BEZERRA (PTB - RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, creio ser consenso vivermos hoje uma das maiores crises desta República desde a crise que, em 1954, levou o Presidente Vargas ao suicídio. E as conseqüências para o nosso País ainda não podem ser dimensionadas. Aliás, exalto o fato de que, apesar das dimensões da crise, a economia brasileira continua, graças a Deus, preservada.

Não há como negar, é inevitável reconhecer que os impactos negativos dessa crise, da apuração dos processos de corrupção que se alastraram pelo País, representam obstáculos aos investimentos externos em nosso País.

O noticiário começou tímido, mas depois alastrou-se pelo mundo de forma impressionante. Inicialmente pelos canais de televisão e, depois, por jornais importantes, como The New York Times, François, El País, Washington Post, Le Monde e outros.

Ainda esta semana o Secretário do Tesouro americano, o Sr. John Snow, em visita ao Brasil, embora tenha tecido elogios aos fundamentos da nossa economia, faz questão de assinalar que “a corrupção é um impedimento ao crescimento e à prosperidade”.

Um ambiente de “negócios limpo”, para citar a terminologia da ONG Transparência Internacional, significa credibilidade junto à comunidade internacional e, portanto, maior capacidade de atrair novos capitais.

Há ainda um outro dado preponderante. Segundo dados da mesma ONG, baseada em Berlim, os índices de corrupção, além de outros fatores, estão intimamente associados à pobreza. O Chile, por exemplo, tem lidado com uma sucessão de crises financeiras da América do Sul muito melhor do que seus vizinhos. O país recebeu pontuação 7,5, ficando em 17º lugar, exatamente entre os Estados Unidos e a Alemanha.

O mesmo não acontece com relação a Bangladesh e à Nigéria, onde o ambiente de negócios lidera o ranking de corrupção.

No passado, o tema corrupção não era considerado uma questão chave para o desenvolvimento. Hoje, é diferente. A tese dominante em meio a organismos de financiamento internacionais, como o Banco Mundial, é de que o dinheiro investido em países em desenvolvimento precisa ter uma destinação útil. Daí ser imperativo que os Três Poderes atuem de maneira eficaz e independente para que existam garantias de que as verbas cheguem, de fato, aos seus destinatários.

No Brasil, infelizmente, ainda não existe uma clara percepção dessa evidência, nem se pode afirmar que as instituições estejam preparadas para essa nova era. Contudo, avanços efetivos vêm sendo realizados. Por força de incompatibilidade com práticas “limpas”, um Presidente da República foi deposto pelo Congresso Nacional, políticos perderam mandatos, juízes foram presos e, agora, estamos investigando a máfia dos bingos, dos combustíveis, dos correios, o mensalão etc.

Por todos esses esforços, nós não merecíamos estar em 45º lugar no ranking da corrupção, atrás do Uruguai e disputando cabeça a cabeça com o Peru. Transformar o combate à corrupção num diferencial competitivo na atração de capitais é um grande desafio e, por razões históricas e do próprio gigantismo do Estado, com sua eterna confusão entre o que é público e privado, exige amplas mudanças culturais.

Criamos práticas erradas de administrar o dinheiro público, e o desenho da intrincada malha burocrática favorece um tipo de política que obedece mais à lógica dos interesses particulares do que públicos. É uma mentalidade muito associada à tradição colonial, que persistiu com a República, de colocar os lucros privados acima dos interesses da sociedade.

O que causa surpresa, Sr. Presidente, é que esse item só agora venha fazer parte da agenda dos grandes temas nacionais. Combater a corrupção é uma forma segura de consolidar a democracia e elevar a credibilidade das elites dirigentes. A percepção dos males da corrupção também leva a um regime de concorrência ético e saudável, com sólidas influências nas decisões de investimentos das empresas, em especial as empresas multinacionais e internacionais.

Não há dúvida de que o dinheiro desviado pela corrupção seria mais do que suficiente para dar alicerce a um novo ciclo de desenvolvimento. Estudos do Banco Mundial definem a corrupção como um imposto regressivo que penaliza os mais pobres. No âmbito dos negócios, a penalidade corresponde a um custo adicional de 20% para os investidores, pasmem V. Exªs.

Os números, a julgar pelos levantamentos do Banco Mundial, são colossais. O dinheiro desviado anualmente no mundo oscila entre US$ 2 trilhões e US$ 3 trilhões ou algo como 5% do PIB mundial. Por esse critério, não é difícil constatar o quanto a corrupção limita as oportunidades de crescimento do nosso País.

A pergunta que fica no ar é como superar essa situação nociva e, portanto, inaceitável. Não é possível ficarmos esperando indefinidamente um novo escândalo revelado pela imprensa, que tem cumprido o seu papel exemplarmente. Fica a sensação de que a corrupção será efetivamente banida quando a sociedade como um todo perceber que sua prática retira recursos das nossas crianças, da saúde, da educação, da segurança, da geração de empregos e, por fim, do desenvolvimento.

O ator principal desse processo é o povo. Não foram os oradores brilhantes e poderosos que, há treze anos, derrubaram o Presidente Collor e seus asseclas. Ninguém havia previsto o que iria acontecer. Foi o povo nas ruas, os “caras pintadas”, que deflagrou todo o processo e impediu qualquer acordo.

Hoje ninguém quer isso. Os casos são diferentes. O Presidente Lula ainda preserva a sua imagem e, até hoje, não foi envolvido diretamente em nenhuma investigação.

Posso assegurar a V. Exªs que o desejo do Presidente é ver apurados, rigorosamente, todos os fatos e punidos aqueles que se desviaram da lei e que partilharam do processo de corrupção. Temos que aproveitar mais esta lição para fugir das armadilhas do passado e harmonizar a visão do futuro com atitudes que demonstrem um claro desejo de dar um basta a uma prática vincada por atavismos inaceitáveis.

É preciso dar uma resposta ao povo, dizia o Presidente Renan Calheiros. Fora da investigação não há saída, e esta tem sido a atitude do Presidente desta Casa, que tem emprestado todo o seu prestígio para que as comissões parlamentares de inquérito possam, rigorosamente, apurar os fatos.

Mas não podemos fazer das comissões parlamentares de inquérito apenas um show de televisões, como muitas vezes estamos a assistir. Precisamos ser mais ágeis, mais rigorosos. Hoje, os grandes astros nacionais são escolhidos nos plenários das comissões parlamentares de inquérito. Temos que ir a fundo na busca dos documentos que comprometem aqueles que cometeram ilícitos.

Não podemos esperar muito tempo. O povo está impaciente. A opinião pública brasileira, hoje, tem uma visão desmoralizada deste Congresso. Temos que nos depurar. Se há Deputados a serem cassados, se há Parlamentares a serem punidos, apressemos esse processo, porque a impaciência do povo pode levá-lo à rua e complicar o desfecho de uma crise que tem que ser entendida por todos nós como uma lição para a construção do futuro.

A partir de agora, o que todos temos que pensar, Sr. Presidente, é no day after, é no amanhã. Como será este Congresso depois dessa crise? Como será este Governo? Como ficará o nosso País? Essa é a resposta que temos que dar ao povo. Essa é a posição dos homens de responsabilidade deste País, que têm agora que pensar com bom senso e com tranqüilidade na construção de um novo Brasil a partir dessa crise. E todos nós, que temos responsabilidade com o País, temos que investigar, apurar rigorosamente os fatos, apontar os culpados e puni-los rigorosamente, a partir da autopunição e da autodepuração do Congresso Nacional. E digo e repito: não podemos demorar. Não podemos abusar da paciência do povo, que pode ir às ruas como foi no passado e as conseqüências serem muito mais graves.

Ainda temos oportunidade de tirar lições dessa crise para construir o futuro. O que é que provocou essa crise? Foi o financiamento de campanha? Vamos revê-lo, vamos encontrar saídas para isso. Se é preciso prorrogar o prazo da legislação eleitoral para dezembro, vamos fazê-lo e, nesse período, discutir uma nova legislação eleitoral que evite os fatos que aí estão. Essa é a responsabilidade do Congresso. Essa é a minha palavra, Sr. Presidente, na esperança que tenho de que os homens de bem desta Casa, os homens de responsabilidade deste Congresso, os homens que têm inteligência e têm a liderança neste País possam, compreendendo a crise, construir o futuro.

O Sr. César Borges (PFL - BA) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. FERNADO BEZERRA (PTB - RN) - Senador César Borges, ouço V. Exª.

O Sr. César Borges (PFL - BA) - Muito obrigado, Senador Fernando Bezerra. Eu queria, em primeiro lugar, solidarizar-me com o discurso de V. Exª quando pede a apuração completa e total desses acontecimentos e também, de certa forma, saudá-lo sendo V. Exª um membro do Partido Trabalhista Brasileiro, o PTB, já que essa crise nasceu de uma denúncia feita - e rechaçada pelo Governo - do Deputado Roberto Jefferson, que era até então Líder da Bancada do PTB na Câmara dos Deputados. A partir dessa denúncia, tida inicialmente como uma denúncia infundada, é que a verdade veio à tona e muitas coisas apareceram. Solidarizo-me inteiramente com V. Exª, mas, no final, quero dizer que ainda temos muita coisa a investigar. Infelizmente, as pessoas que estão vindo à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito não estão dizendo a verdade. Temos que ir à procura da verdade. Não acabamos o nosso trabalho. Temos muito a fazer ainda. Teremos, sim, no final, os resultados positivos da punição dos culpados ou vamos inocentar aqueles que não têm culpa, procurando também ver quais lições podem ser tiradas para a Nação brasileira para que essas crises não se repitam. No entanto, parabenizo a sua coragem, até porque o Deputado Roberto Jefferson era o Presidente do PTB e trouxe isso ao País. Se o Deputado Roberto Jefferson não tivesse dito nada, se tivesse rejeitado a instalação da CPMI dos Correios como o Governo fez por uma boa parte do tempo, a Nação brasileira hoje não saberia de todo esse esquema que, efetivamente, Senador Fernando Bezerra, não vem por conta de financiamento de campanha. É muito mais profundo do que isso. O financiamento é apenas uma parte dessa crise, mas não é a crise em si. Não é a reforma política que vai resolver o problema da corrupção no Brasil. Pode resolver o de financiamento de campanha, mas não a corrupção. Mas congratulo-me com V. Exª pelo seu discurso.

O SR. FERNANDO BEZERRA (PTB - RN) - Obrigado. Mas não foi exatamente o que eu quis dizer. Primeiro, quero cumprimentar V. Exª pelo desempenho sério e competente na CPMI dos Correios. E, de passagem, quero cumprimentar o equilíbrio com que o Presidente daquela Comissão, Senador Delcídio Amaral, se comporta.

É verdade, não fosse uma denúncia do Deputado Roberto Jefferson - também ele denunciado nas investigações que a CPMI faz em relação aos Correios -, o País não teria tido a oportunidade de passar a limpo. Talvez seja o grande momento do Brasil. Talvez, se nada disso tivesse acontecido, continuássemos nesse mar de lama que envolve o Congresso Nacional, o Poder Executivo e tantas empresas.

            Eu aqui estou a dizer que esta é a oportunidade. Eu não quero pressa da CPMI...

O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL. Fazendo soar a campainha.) - Senador Fernando Bezerra, perdoe-me a interrupção, é apenas para prorrogar a sessão por mais meia hora, porque, depois de V. Exª, ainda teremos a palavra do Senador Tasso Jereissati e do Senador Antonio Carlos Magalhães.

Está, portanto, prorrogada a sessão.

O SR. FERNANDO BEZERRA (PTB - RN) - Muito obrigado.

Então, se esta CPMI chegar a conclusões - num termo que temos usado tanto aqui - fatiadas, que o fato seja encaminhado a quem de direito. Não caberá àquela Comissão a cassação, por exemplo, de Parlamentares. Quando comprovado o fato, o encaminhamento se fará à Comissão de Ética da Câmara ou do Senado a quem cabe apreciar se cassa ou não os mandatos de Parlamentares.

Quero trazer aqui um sentimento de angústia meu: é que tenho visto, tantas vezes, naquela Comissão, depoentes a falsearem a verdade, a passarem horas e horas e não dizerem absolutamente nada. Eu hoje estive na Comissão enquanto a Srª Simone Vasconcelos estava depondo. Ela não nos disse absolutamente nada de novo. O depoimento que ela prestou na Polícia Federal era melhor do que o depoimento que estava sendo feito aqui na Casa. Então, Senador César Borges, por que todos ficarmos a inquiri-la se já sabemos que dela não vamos ter nada? Por que não aproveitamos os depoimentos já feitos e ganhamos tempo a examinar documentos que efetivamente vão comprometer?

Eu compreendo que a situação é difícil para todos nós políticos, e me incluo, não me quero eximir desse fato. Mas - eu me perguntava hoje - se amanhã pela manhã um novo depoente ali chegasse e não tivesse uma só câmara de televisão, um só jornalista, nada, eu gostaria de saber, Senador César Borges, sinceramente, se esse depoimento não seria, talvez, dado em apenas algumas poucas horas?

Compreendo que todos querem perguntar, mas um dia desses ouvi uma pergunta que era absolutamente ridícula: “É verdade que foi o senhor - não a mim, a um dos depoentes - que foi indicado por não sei quem?” E o depoente respondia. Horas depois, saí da Comissão com outros afazeres; voltei, e a mesma pergunta estava sendo feita por um outro Parlamentar. São 16 Senadores, 16 Deputados, totalizando 32. Somando-se mais 32 Suplentes, são 64 Parlamentares. Todos têm o direito de perguntar. Mas falta pragmatismo e racionalidade.

Registro o quanto é difícil este momento para o Senado. Temos 49 Senadores responsáveis por Comissões Parlamentares de Inquérito. Na verdade, estamos hoje mais para delegacia de polícia do que para um Congresso que vai construir as leis e o futuro do País.

Agradeço a compreensão de V. Exª. Trouxe o assunto aqui, como uma contribuição, para que possamos passar por toda essa crise, pois o Brasil é maior do que isso. Não será a legislação eleitoral que resolverá o problema. Eu apenas a citei. Mas temos de aproveitar este momento para repensar tudo aquilo que de erro encontrarmos nessas investigações. E, a partir desses erros, tentarmos construir um futuro.

Muito obrigado, Sr. Presidente e Srªs e Srs. Senadores


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/08/2005 - Página 26411