Discurso durante a 128ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o Plano Nacional de Saneamento Básico, matéria enviada ao Congresso Nacional e que aguarda votação. Defesa de uma agenda mínima para o Congresso Nacional.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SANITARIA.:
  • Considerações sobre o Plano Nacional de Saneamento Básico, matéria enviada ao Congresso Nacional e que aguarda votação. Defesa de uma agenda mínima para o Congresso Nacional.
Aparteantes
Augusto Botelho, Cristovam Buarque, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 09/08/2005 - Página 26807
Assunto
Outros > POLITICA SANITARIA.
Indexação
  • DEFESA, PRIORIDADE, DISCUSSÃO, CONGRESSO NACIONAL, APOIO, PLANO NACIONAL, SANEAMENTO BASICO, INICIATIVA, MINISTERIO DAS CIDADES, IMPORTANCIA, DEFINIÇÃO, PAUTA, INTERESSE NACIONAL, SIMULTANEIDADE, INVESTIGAÇÃO, PUNIÇÃO, CORRUPÇÃO.
  • ANALISE, DADOS, HISTORIA, DIFICULDADE, EVOLUÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL, PRECARIEDADE, ATENDIMENTO, ESGOTO, ABASTECIMENTO DE AGUA, EFEITO, MORTALIDADE INFANTIL, REDUÇÃO, ATUAÇÃO, ESTADO, TENTATIVA, PROPOSIÇÃO, DEFINIÇÃO, NORMAS, CONCESSÃO, SERVIÇO PUBLICO, INICIATIVA PRIVADA, DECISÃO, RESPONSABILIDADE, UNIÃO FEDERAL, ESTADOS, MUNICIPIOS, CONCLAMAÇÃO, CONGRESSISTA, PROVIDENCIA, BENEFICIO, POPULAÇÃO.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em meio a esta crise que está aos olhos de todos, que traz as devidas preocupações e impõe as responsabilidades, estou tentando me reportar àquilo que está tramitando no Congresso Nacional. Há poucas semanas, foi enviado ao Parlamento pelo então Ministro de Estado Olívio Dutra o Plano Nacional de Saneamento Básico, que temos agora a responsabilidade de discutir e aprovar. Trata-se de uma matéria que, inequivocamente, é da maior relevância, prioritária na agenda do Congresso Nacional.

Espero que, diante dos holofotes da crise, diante da responsabilidade que todos os partidos têm em relação à crise, diante do encaminhamento para que ocorra a punição dos culpados, possamos construir, como partidos políticos, como lideranças, a agenda mínima de que o Congresso necessita. O Congresso não pode abrir mão disso, e não podemos contar o ano de 2005 como um ano perdido dentro do processo legislativo. Temos muita responsabilidade por essa matéria. Todos discutem hoje a necessidade da reforma política, que tem menos de 40 dias para ser aprovada, sob pena de não vigorar para o próximo ano, mas uma matéria como a de saneamento básico encontra-se no mesmo patamar, ou em maior, de relevância.

Quando procuramos refletir sobre a grande causa de mortalidade no Planeta, ainda encontramos como foco central a crise de saneamento básico, as doenças de transmissão hídrica. Hoje ou se morre de fome, nos países pobres, ou se morre em razão das doenças de contaminação pela água, no que tange às crianças - quanto aos adultos, já há algumas doenças degenerativas que incrementam essas estatísticas e o espelho de morbimortalidade no Planeta. A África, por exemplo, padece. Naquele continente, 35 mil crianças morrem diariamente pela fome ou pelas doenças evitáveis, em que se concentram as doenças relacionadas à falta de saneamento básico.

O Ministério das Cidades, por intermédio do então Ministro Olívio Dutra, apresentou, com absoluta responsabilidade e propriedade, o Plano Nacional de Saneamento Básico. É uma matéria legislativa que veio do Poder Executivo e que já encontra, na memória do Parlamento brasileiro, a sua luta, a sua dinâmica e, até agora, a não-aprovação efetiva.

Vale ressaltar que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu como norma a participação do Sistema Único de Saúde dentro de uma política nacional de saneamento básico, o acompanhamento.

Logo tivemos a década de 90, que estabeleceu, como grande fator de influência da política nacional de saneamento básico, o poder concedente, a redução do tamanho do Estado e uma trilha que devesse seguir a chamada cartilha do neoliberalismo. Os danos foram irreparáveis. Tivemos, de 1989 a 1999 - quando o IBGE fez o último estudo -, a constatação de que, em relação ao esgotamento sanitário, o Brasil cresceu menos de 5% em cobertura.

No que se refere à cobertura de água, houve um avanço da ordem de mais de 40% na distribuição. Entretanto, em relação às regiões do Brasil, observamos a região Sul atendendo em 70% a sua população com distribuição de água; a região Nordeste atendendo em 52%; e a região Norte, que é a minha, a do Senador Augusto Botelho e a de outros, com cobertura de água para os domicílios na ordem de 42%.

Isso demonstra a grande dívida que temos com a qualidade de vida. Se, no século XX, fomos capazes de avançar a expectativa de vida do brasileiro em 29 anos - foi esse o aumento no século passado -, devemos muito ao pouco que se fez em saneamento básico e muito ao custo tão elevado e tão irracional da política de assistência médica apenas. O modelo mais caro para prevenir, para controlar e para reduzir a morbimortalidade de um povo é adotar a assistência como grande referencial de um país.

Por outro lado, quanto ao saneamento básico, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência está cansada de dizer que, se assegurarmos apenas água tratada em boas condições para a população, reduziremos em quatro anos a mortalidade infantil. Então, se atualmente oscila entre 26% a pouco mais de 30% o índice de mortes em crianças até completarem um ano de vida - em um país que já avançou, porque tínhamos, nas décadas passadas, em torno de 60 crianças falecendo antes de completarem um ano de vida, em razão de doenças evitáveis -, poderemos obter um avanço muito maior se, de fato, aprovarmos esse Plano Nacional de Saneamento Básico.

Em 1994, o Projeto de Lei da Câmara dos Deputado nº 199, da Deputada Irma Passoni, estabelecia critérios para a criação do Sistema Nacional de Saneamento Básico. A matéria foi devidamente aprovada na Câmara dos Deputados, veio para o Senado Federal, foi aprovada, mas, lamentavelmente, foi vetada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, no entendimento de que a responsabilidade da União deveria ser muito mais de fomentar e de fiscalizar a execução das políticas de saneamento básico no Brasil. Tivemos um verdadeiro naufrágio na evolução dos indicadores sociais do Brasil a partir dessa realidade estabelecida.

Em 1996, o então Ministro José Serra, no Senado Federal, apresenta o chamado Projeto de Lei nº 266, que estabelece o poder concedente para o saneamento básico no Brasil, criando regras de concessão, de acompanhamento e de execução, dividindo as responsabilidades da União, dos Estados e dos Municípios e da iniciativa privada. Lamentavelmente, essa matéria encontrou diversos entraves e barreiras de aprovação no Parlamento brasileiro.

Em 2002, o Deputado Sérgio Novaes e a Deputada Maria do Carmo Lara apresentaram uma reedição do Projeto de Lei da Deputada Irma Passoni, de 1994, que dispunha sobre a Política Nacional de Saneamento, seus instrumentos e dava outras providências. Portanto, houve uma verdadeira década perdida.

Reconhecido esse naufrágio da política de saneamento básico implantada na década de 90, tivemos de encontrar um caminho. Qual é a responsabilidade do Governo do Presidente Lula? O que fazer diante de um País que oferece 70% de água aos domicílios da Região Sul, 42% aos domicílios da Região Norte e menos de 55% aos domicílios da Região Nordeste? No Brasil, das 125 mil toneladas de lixo recolhidas, 70% são deixadas a céu aberto; e, dos 145 milhões de metros cúbicos de resíduos de esgoto, a mesma proporção ainda é colocada a céu aberto.

A problemática é grave, mas podemos, e muito, melhorar os indicadores de vida e a redução das doenças no Brasil. Infelizmente, o Congresso Nacional brasileiro está diante de um impasse: vive uma crise política, não a coloca em seu devido lugar, por todas as razões justificadas - é uma crise que envolve a responsabilidade e a participação de todos os políticos -, e não consegue conciliar a agenda mínima da governabilidade e do processo legislativo.

O que existe para todo o Parlamento é a responsabilidade da solução, que requer a discussão e a aprovação de uma matéria de tal relevância.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Permite-me V. Exª um aparte, Senador Tião Viana?

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - V. Exª usou a palavra “infelizmente”. Infelizmente, V. Exª não foi escolhido, desde o início do Governo do Presidente Lula, para ser o Ministro da Saúde. V. Exª está mostrando essa visão médica e, nesse livro da Universidade de Brasília, publicou um artigo sobre saúde que eu já havia lido para aprender. Queria até que V. Exª fosse ouvido, porque essa é a visão. Quando governei o Estado do Piauí, consegui... Quem tem bastante luz não precisa diminuir ou apagar as luzes dos outros para brilhar. Então, não adianta o Presidente Lula dizer que foi no seu Governo. Na época em que logrei êxito, o Presidente da República era do PSDB - aliás, o Senador Heráclito Fortes, que está aqui do lado, facilitou muito. Eu consegui, embora fosse de outro Partido, implantar o Projeto Sanear. Foram mais de US$30 milhões na época, e hoje, em Teresina, há quase 400 km de esgoto. É isso. Não podemos voltar àquilo que dizia Afrânio Peixoto, no primeiro livro de higiene: “A saúde pública no Brasil é feita com sol, chuva e os urubus”. É preciso haver esse investimento em saneamento, como V. Exª está descrevendo e dissertando. Lamento o fato de o Partido ter uma estrela da saúde como V. Exª e não dar os rumos. Faço uma advertência. É lamentável! Presidente Efraim, paguei hoje, no aeroporto de Teresina, para engraxar meus sapatos, R$5,00. A consulta médica do SUS está custando R$2,00. Lá os ortopedistas se queixaram, Senador Tião Viana, de que, para fazer redução, não há mais anestesista, que custa R$6,00. Eles fazem redução com dor mesmo, com o sofrimento dos pobres. Qual é o anestesista que vai aceitar ganhar R$6,00? Só para chegar no hospital ele gasta mais. Só se for de mototáxi. Aí gasta os R$6,00 que ganhou, na garupa. V. Exª tem que ser ouvido. Esse negócio só dá certo se houver sensibilidade política - e V. Exª a tem - e responsabilidade administrativa. V. Exª está sendo pouco usado pelo Governo do PT.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço ao nobre Senador Mão Santa a contribuição que traz ao meu pronunciamento.

Pelo Sistema Único de Saúde, são 880 mil internações por ano, em decorrência da água de péssima qualidade a que a população tem acesso e das doenças causadas pela crise do saneamento básico. Estamos falando em algo volumoso: 880 mil internações em decorrência da crise do saneamento básico.

Se estamos diante de uma crise política, o paredão da cassação já está a postos. Já há os citados, que vão para a punição, para o caminho da cassação. Os holofotes já foram colocados diante de todos. Será que não seria hora de conciliarmos? O zé-povinho lá do canto do Brasil está esperando de nós decisões relevantes, que imponham mudanças na sua qualidade de vida.

É isso que trago para dividir com o Plenário do Senado Federal. Será que não temos capacidade de preservar o debate sobre a crise política e a busca das soluções, com a responsabilidade que deve nortear a trajetória de cada partido, e, ao mesmo tempo, conciliar com uma agenda mínima, uma agenda da responsabilidade política vinculada à responsabilidade social?

Essa matéria, muito bem detalhada pelo Ministro Olívio Dutra, foi elaborada por técnicos de profundo conhecimento, por sanitaristas verdadeiros, e remonta a um desafio do Governo brasileiro na década de 70, que resultou no chamado Plano Nacional de Saneamento Básico e na criação do Sistema Nacional de Saúde em 1975. Até hoje não cumprimos essa dívida, mas o Parlamento pode tomar uma decisão à altura.

A minha expectativa, já concedendo um aparte ao Senador Augusto Botelho e encaminhando para o encerramento do meu pronunciamento, é que possamos conciliar o debate, o foco da crise, com a responsabilidade social que uma matéria dessa natureza nos impõe. Refiro-me à educação sanitária, ao manejo de resíduos sólidos, à distribuição e ao atendimento de água para a população, à drenagem pluvial, ao trabalho de distribuição efetiva por parte do Poder Público associado às entidades que possam partilhar.

Estamos discutindo, Senador Augusto Botelho, até a inadimplência do cidadão nesse Plano Nacional. Aquele cidadão pobre que não pode pagar sua água terá uma cota mínima garantida, para que não haja privação.

É uma matéria, de fato, relevante, digna de uma bela discussão no Parlamento, mas está colocada em segundo plano, infelizmente em razão da crise. Não quero tirar a crise do foco, mas colocá-la ao lado.

Concedo o aparte ao Senador Augusto Botelho.

O Sr. Augusto Botelho (PDT - RR) - Senador Tião Viana, V. Exª está trazendo um assunto de extrema importância. Nós, que somos da área médica - V. Exª é Doutor em hepatite, defendeu tese sobre hepatite, que é uma doença transmitida pela deficiência de tratamento dos dejetos humanos e pela água contaminada -, talvez devêssemos dar um enfoque ao saneamento, porque as pessoas só vêem o saneamento como uma despesa. Realmente precisamos de quase R$180 bilhões para fazer o saneamento básico em todo o Brasil. Mas só em internações médicas, se essas quase 900 mil internações caírem pela metade, praticamente vamos ter retorno do investimento que está sendo feito em saneamento básico. Temos que trabalhar também na regulamentação da agência de saneamento, para podermos dar mais ênfase a isso. Tenho orgulho de dizer que Boa Vista é uma cidade onde 98% das residências recebem água encanada, tratada, de boa qualidade. Tenho certeza de que, como diz sempre o Senador Mão Santa, se V. Exª fosse Ministro da Saúde, estaríamos em outro patamar de saúde no Brasil. Mas V. Exª vai ser um lutador por este projeto que está chegando agora, por este Plano, e pode contar com nosso apoio para diminuirmos a mortalidade infantil, as doenças e para melhorarmos a vida das pessoas, dos pequenos. A falta de saneamento atinge principalmente os pobres. V. Exª, como eu, está aqui para defender principalmente os pequenos. Vim para esta Casa eleito pelos pobres do meu Estado, e vamos defendê-los, fazendo saneamento, com V. Exª na ponta da trincheira.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço a V. Exª, que tanto nos orgulha no exercício do mandato pelo Estado de Roraima.

Concedo o aparte, já encerrando, ao Senador Cristovam Buarque, e faço das palavras de S. Exª o encerramento do meu pronunciamento.

O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PT - DF) - Prefiro que o Senador tenha alguns segundos depois para concluir, para que eu fique livre para falar. Senador Tião Viana, em primeiro lugar, é uma satisfação ouvir seu discurso. Estou cansado de concentrarmos todo o debate desta Casa nos assuntos conjunturais vergonhosos que vivemos, na ética do comportamento dos políticos, esquecendo a ética nas prioridades das políticas. Nós, esta aristocracia republicana de que fazemos parte, nos indignamos quando alguém desta aristocracia tira dinheiro do Estado e põe no seu bolso, como corrupto. Mas toleramos com a maior tranqüilidade quando o dinheiro que deveria ir para os pobres vai legalmente para a parcela privilegiada. Fico muito feliz com o fato de V. Exª trazer o assunto, apenas lamento e discordo - e talvez não tenha havido tempo de sua parte para explicar - de que a crise seja a única causa de não se estar investindo em saneamento. Se analisarmos os dados antes desta crise, veremos que os desembolsos dirigidos ao saneamento pelo nosso Governo foram muito restritos e pequenos.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço a V. Exª, um patrimônio da inteligência brasileira, um homem que conhece a fundo as desigualdades brutais em que vive o povo brasileiro e que aponta para que tenhamos a causa brasileira como norteadora de nossas atividades e não estejamos presos a questões pontuais, conjunturais que, às vezes, são menores do que os desafios que temos a enfrentar no Brasil.

Sr. Presidente, agradeço a V. Exª a tolerância.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR TIÃO VIANA EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

“Projeto de Lei que institui as diretrizes para os serviços públicos de saneamento básico e a Política Nacional de Saneamento Básico-PNS.”


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/08/2005 - Página 26807