Discurso durante a 128ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Demarcação da área indígena Raposa/Serra do Sol, defendida por alguns, mas da qual discordam os índios e colonos que vivem naquela região.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Demarcação da área indígena Raposa/Serra do Sol, defendida por alguns, mas da qual discordam os índios e colonos que vivem naquela região.
Publicação
Publicação no DSF de 09/08/2005 - Página 26832
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • VISITA, BRASIL, PARLAMENTAR ESTRANGEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, PRESIDENTE, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, ENTREGA, DOCUMENTO, ELOGIO, GOVERNO BRASILEIRO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), ERRO, ANALISE, DESCONHECIMENTO, SITUAÇÃO, DESRESPEITO, INTERESSE, INDIO, CIDADÃO, PROMOÇÃO, ISOLAMENTO, COMUNIDADE INDIGENA.
  • PROTESTO, ARBITRARIEDADE, POLITICA INDIGENISTA, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), AUSENCIA, PARTICIPAÇÃO, INDIO, ESTADO DE RORAIMA (RR), EXPULSÃO, CIDADÃO, PRODUTOR RURAL, VICIO PROCESSUAL, HOMOLOGAÇÃO.

           O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº Sr. Presidente Efraim Morais, Srªs e Srs. Senadores, o Senado brasileiro, semana passada, recebeu visita do Presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado italiano, S. Exª o Senador Enrico Pianeta.

           Na oportunidade, o ilustre representante do Senado italiano elogiou o Brasil por suas ações tomadas em prol dos direitos humanos e, em documento entregue a S. Exª o Presidente do Senado, Renan Calheiros, manifestou agradecimento pela decisão do Governo Lula de homologar a demarcação da área indígena Raposa/Serra do Sol, no Estado de Roraima.

           O Senador Juvêncio da Fonseca, ilustre representante do Estado de Mato Grosso, recebeu também do senador italiano cópia de uma carta assinada por cinqüenta mil cidadãos italianos e destinada ao Presidente Lula em apoio à demarcação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol.

Sr. Presidente, acredito que toda manifestação no sentido de ampliar o rol dos direitos e garantias fundamentais, bem como no sentido de sua concretização prática, revela-se de grande valor.

Portanto, acredito que os elogios tecidos pelo ilustre representante do Parlamento italiano estão eivados de equívoco, pois partem de premissa rigorosamente equivocada, qual seja, a de que a homologação da área Raposa/Serra do Sol representa um avanço, um progresso do País na seara dos direitos humanos.

A nosso sentir, a malsinada homologação representa, na verdade, um retrocesso, porque, a pretexto de proteger os direitos humanos dos indígenas que habitam a reserva Raposa/Serra do Sol, o Governo perpetrou afrontoso ato contra diversos princípios e direitos humanos constantes de nossa Constituição de 1988, que tutelam direitos tão importantes quanto os garantidos aos nossos irmãos índios.

Isso para não falar que a homologação contraria os próprios interesses da maioria dos índios que habitam a região. Índios totalmente integrados à sociedade envolvente, que se ocupam da agricultura, da política e que não querem, sob qualquer pretexto, ser lançados no isolamento forçado, conseqüência lógica da homologação contínua da área. Os índios habitantes da Raposa Serra do Sol não querem ser privados dos confortos que a vida moderna proporciona aos não-índios, como energia elétrica, boas escolas, água gelada, geladeira e tantos outros. De fato, a folclórica visão do índio que anda nu pela floresta em busca de alimentação, munido de arco e flecha, ou do índio que cultiva sem visar à geração de excedentes para o comércio, deve ser totalmente repelida quando se fala dos indígenas que habitam a Raposa Serra do Sol. Ela vale para os ianomâmis, mas não vale para a Raposa Serra do Sol.

Por isso, ao contrário do que se quer fazer crer, os direitos humanos dos índios habitantes da Raposa Serra do Sol estão sendo vigorosamente diminuídos, amesquinhados, sobremodo se se tiver em vista que a política indigenista brasileira é formatada de cima para baixo, sem a participação dos principais atores interessados: os próprios índios. É, não resta dúvida, uma política construída em gabinetes, com amplo respaldo da Funai e de múltiplas ONGs internacionais com inconfessáveis interesses econômicos nas ricas terras demarcadas.

Em momento algum, os índios contrários à demarcação - e que representam a grande maioria - foram verdadeiramente consultados.

Realmente, a atual política indigenista brasileira parte do pressuposto de que o índio é desprovido de vontade própria, e, por isso mesmo, sua vontade deve ser suprida por burocratas governamentais, ou mesmo por ONGs, que estão cada vez mais ocupando os vazios deixados pela falta de atuação estatal.

No Estado de Roraima, especialmente na Raposa Serra do Sol, os índios revelam plena capacidade de zelar pelos seus interesses, de dizer como querem viver. Portanto, uma política indigenista democrática e respeitosa aos valores indígenas nessa área deveria ser pautada pelo respeito à vontade dos índios que lá vivem. Não foi por outro motivo que propus, por diversas vezes, fosse realizada uma consulta plebiscitária entre os índios que habitam a Raposa Serra do Sol para, aí, sim, ser definida a forma de demarcação, com exclusão de algumas áreas, inclusive de arroz irrigado, e manutenção das vilas de Surumu, Mutum, Socó e Água Fria, como queria a maioria dos indígenas, ou como queria o Governo e o fez de forma contínua.

O direito fundamental de matriz constitucional, fundado no princípio democrático, foi reduzido a mero adorno normativo no episódio da homologação da Raposa Serra do Sol.

Sr. Presidente Efraim Morais, se não bastasse, os não-índios que, há duas ou mais gerações, ocupam Raposa Serra do Sol serão simplesmente expulsos de suas terras, de suas casas. Muitos pequenos e grandes produtores com título de domínio de terra situado nessa área perderão o direito à propriedade. Sem qualquer amparo estatal, restará a eles a miséria que assola a periferia de Boa Vista.

Fala-se que vão indenizá-los, repô-los, reassentá-los, mas, nesses 30 anos que venho acompanhando essa causa, nunca vi um produtor rural retirado de área transformada em área indígena ser reassentado.

Meu Estado tem mais de 50% de área em reservas indígenas. Nós, em Roraima, somos favoráveis às reservas indígenas, mas queremos que as pessoas prejudicadas sejam também protegidas, que recebam indenização justa. Falam que vão dar indenização, e existem milhares de processos de indenização, mas até hoje nunca houve justa compensação. Os que recebem se contentam com um pouquinho de dinheiro que não dá nem para comprar uma casa bem pobrezinha na periferia de Boa Vista.

O direito humano à propriedade e o princípio da dignidade da pessoa humana, direitos constitucionais de grande importância irão, assim como o direito à participação no rumo das políticas estatais, ser torpedeados.

Ademais - é bom ressaltar - o procedimento administrativo de demarcação da Raposa do Serra do Sol está eivado de toda sorte de vícios. Por conseguinte, a homologação da reserva está sendo questionada judicialmente em várias instâncias do Poder Judiciário brasileiro. Pendem de julgamento no Supremo Tribunal Federal diversas ações demonstrando várias falhas procedimentais que macularam a demarcação. Contrariando a tendência jurisprudencial que convergia para a razoabilidade de uma demarcação, com a exclusão de áreas, o Governo demarcou a terra de forma contínua. Tamanha a afoiteza com que o Governo homologou a reserva sem ao menos esperar o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre o mérito da questão.

Senhoras e Senhores Senadores, esta Casa inclusive teve a oportunidade de, por meio de duas Comissões Externas, desvendar as diversas e perniciosas conseqüências da demarcação da Raposa Serra do Sol.

De fato, com o objetivo de analisar com profundidade as questões políticas, jurídicas e econômicas que envolvem os conflitos nas áreas indígenas, notadamente em Mato Grosso e em Roraima, o Senado Federal, por meio do Requerimento nº 592, de 2002, criou uma Comissão Temporária Externa. Essa Comissão, formada por cinco Senadores, confeccionou, após exame multifários de aspectos que envolvem a demarcação da Raposa Serra do Sol, um relatório conclusivo no sentido de que a demarcação deveria ser feita respeitando-se a áreas das vilas, deixando-se de fora uma área de 15 Km entre a Guiana, a Venezuela e o Brasil.

O Governo, desprezando essa vontade da Casa, marcou a área de forma contínua. Eu poderia lançar mão de muitos fatos que tiveram o condão de atingir o direito dos índios e dos não-índios no Estado de Roraima, perpetrados pela homologação da reserva Raposa Serra do Sol.

Portanto, acredito que, como legítimo representante do meu Estado, já falei o suficiente para demonstrar o equívoco dessa afirmação do ilustre Senador Italiano. Talvez por desconhecimento da situação, acredita-se que o Brasil está dando um exemplo de respeito aos direitos humanos.

Ledo engano. O Governo brasileiro, com a demarcação da Raposa Serra do Sol, deu um exemplo histórico e acintoso de desrespeito aos direitos humanos.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/08/2005 - Página 26832