Discurso durante a 129ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração dos oitenta anos do jornal O Globo.

Autor
Antonio Carlos Magalhães (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Antonio Carlos Peixoto de Magalhães
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração dos oitenta anos do jornal O Globo.
Publicação
Publicação no DSF de 10/08/2005 - Página 26920
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), COMENTARIO, IMPORTANCIA, MODERNIZAÇÃO, IMPRENSA, ELOGIO, PROFISSIONALISMO, PARTICIPAÇÃO, HISTORIA, BRASIL, ROBERTO MARINHO, EMPRESARIO, JORNALISTA.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES (PFL - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Renan Calheiros, Dr. José Roberto Marinho, Presidente Edson Vidigal, Presidente Max Hoertel, do Superior Tribunal Militar, caros colegas e amigos, os oitenta anos de O Globo são uma festa do Brasil e, conseqüentemente, do Senado. O Presidente Renan Calheiros, sempre atento a esses fatos, não poderia deixar de fazer uma homenagem especial ao jornal.

Se O Globo é, sem dúvida, um farol na imprensa brasileira, não há dúvida também de que é uma coisa absolutamente principal para a vida do Rio de Janeiro. De modo que o Rio está em festa, como disse o Senador Sérgio Cabral.

O profissionalismo de O Globo, salientado muito bem por essa figura brilhante que é Tasso Jereissati, tem sido a meta principal desse grande jornal, que é uma bússola para imprensa brasileira. Tudo o que se observar de mais moderno na imprensa brasileira O Globo foi quem iniciou: foi o primeiro jornal a publicar uma foto por rádio, o primeiro a utilizar tecnologia para transmissão internacional de radiofotos; por meio da seção de informática de sua redação, lançou, em 1991, o primeiro caderno de informática, algo que era extremamente difícil fazer no País; em 1995, por ocasião da comemoração de seus 70 anos, promoveu sua reforma gráfica, concebida por pessoas de renome internacional; inovou na organização de notícias de fotografias e, ao mesmo tempo, em 1999, inaugurou o maior parque gráfico da América latina - evento a que estivemos todos presentes -, um investimento de pelo menos US$150 milhões.

Acompanhei, de perto, de certa época para cá, quando cheguei ao Rio de Janeiro, como Deputado Federal, em 1959, a vida de O Globo, graças à amizade que tive com um de seus colunistas, figura extremamente interessante e grande amigo de Roberto Marinho, Augusto Frederico Schmidt, a quem também rendo homenagem.

Schmidt era uma personalidade realmente notável na vida literária brasileira, um grande poeta e um homem de ambições enormes. Ele conseguia fazer tudo para os outros, mas não para ele, o que lhe dava certa frustração. Então, Schmidt era um homem que fazia ministros do exterior, mas ele próprio não conseguia ser ministro. Isso acontece muito com os homens competentes e sérios. E eu, como era freqüentador da roda de amigos de Schmidt desde que cheguei ao Rio de Janeiro, com menos de 30 anos, como Deputado Federal, tive uma entrada especial na vida de Roberto Marinho, até os seus últimos dias, e pude, realmente, ver nesse homem uma figura exemplar da vida jornalística brasileira.

O êxito notável da TV Globo, talvez a terceira ou a quarta melhor do mundo, era muito gratificante para Roberto Marinho, mas não tanto como pegar o jornal O Globo para ler, como se fosse o seu filho querido. E assim foi a sua vida. Depois da morte de seu pai, como já foi salientado aqui, não aceitou logo assumir a direção do jornal e colocou o baiano Eurycles de Mattos, para dirigir O Globo; posteriormente, aos 26 anos, Roberto iniciava sua vida de diretor do jornal, com êxito, como o jornalista que traçava os verdadeiros rumos do jornalismo brasileiro. Isso, com uma simplicidade muito grande e sempre cercado da sua família, que desde cedo o ajudara. E ele pôde formar filhos excepcionais, que hoje honram sua memória não só com a união dos três, mas sobretudo com a capacidade de realizarem o trabalho do pai. Isso é realmente comovente. Todos temiam e perguntavam: como será O Globo sem Roberto? Continua o mesmo, por meio de seus grandes filhos.

O Globo foi talvez o que melhor noticiou a Coluna Prestes, em janeiro e fevereiro de 1927; nessa ocasião, publicou onze reportagens, com todos os detalhes. Foi o jornal que melhor noticiou a queda de Washington Luís num período conturbado da vida pública nacional, o único que publicou a foto do Presidente deixando o Palácio da Guanabara, em 24 de outubro de 1930, destituído pela revolução que levou Getúlio ao poder. E quem armou o flagrante? Parece incrível, mas foi Roberto Marinho. Roberto Marinho colocou galhos de árvores na saída do Palácio, para obrigar o carro do Presidente a parar, a fim de que fosse fotografado. O próprio diretor de O Globo foi fazer isso, para que seu jornal desse, em primeira mão, essa foto.

À Revolução Constitucionalista de 32, a cobertura de O Globo foi completa e imparcial, com repórteres cobrindo não só o lado paulista como o outro lado, contra os constitucionalistas de São Paulo.

Na Intentona Comunista, já foi salientado por um dos oradores, deu a entrevista exclusiva de Agildo Barata, a quem conheci, que era o líder da revolução comunista na Praia Vermelha, uma revolução que não teria jamais êxito, mas que o idealismo de Agildo encontrou guarida também em O Globo para publicar e o povo brasileiro julgar. Foi assim também em 37, quando não aceitava o Estado Novo, mas divulgava o que era indispensável, para mostrar que a imprensa brasileira era imparcial.

A cobertura de O Globo, na Segunda Grande Guerra, fez com que mandasse correspondente para a Itália, O Globo Expedicionário, que publicava tudo dos pracinhas, informava o que acontecia no Brasil e como os soldados brasileiros viviam e tinham coragem de viver naquela época nas batalhas, principalmente de Monte Castelo.

O suicídio de Vargas foi antecipado não só pela Rádio Globo, mas também por uma série de reportagens de O Globo, desde o atentado da rua Tonelero, com a morte do Major Rubem Vaz, até o dia do suicídio de Getúlio. É claro que isso valeu também uma indisposição de certa parte da população getulista contra o jornal, que não se intimidou e conseguiu publicar tudo o que era indispensável para que os fatos ocorressem como ocorreram.

Na Revolução de 64, O Globo também foi órgão indispensável e sempre imparcial e nunca com a mancha do ódio em relação aos opositores do regime de 64. Ao contrário, abrigava em sua redação alguns dos mais extremistas daquela época, sem que isso viesse a perturbar a sua atuação.

A questão do AI-5 foi citada pelo Presidente Renan Calheiros, com muita propriedade, e eu presenciei esse fato. Assisti à ida do Ministro da Justiça ao Ministério da Justiça, no Rio, para uma reunião com todos os diretores de jornais. O Ministro da Justiça da época disse que, daquele momento em diante, ele queria que os jornais não dessem guarida aos seus redatores comunistas. Todos ouviam calados, quando a figura de Roberto Marinho se levanta e diz para o Ministro, forte na época: “Na Revolução, pode mandar o senhor, mas no meu jornal mando eu, e eu não demitirei ninguém que tenha, por isso ou aquilo, um credo político”.

Essa coragem fez com que outros jornalistas, depois, pedissem a palavra e mostrassem um pouco do avanço do Ministro da Justiça em relação a esse assunto e à impropriedade do mesmo.

Nas Diretas Já, estava O Globo na sua dianteira, como também na eleição de Tancredo. Foi parte importante, senão - direi - a mais importante para mostrar que Tancredo era o melhor, principalmente diante do seu opositor, aquele com quem ele tinha relações de amizade, mas não tinha nenhum desejo de ter relações políticas. Recebia o opositor de Tancredo - eu prefiro nunca citar esses nomes - com muita cordialidade até na sua residência, mas, no outro dia, o jornal estava totalmente indiferente à visita que lhe fora feita, fosse em Angra ou no Cosme Velho.

O impeachment de Collor foi uma coisa significativa e, graças à atuação do jornal O Globo, tivemos a saída do Presidente. Quando a Nação se dividia, acho que O Globo tomava aquela posição de independência de sempre, mostrando os fatos, e, por isso, sim, muitos caras pintadas foram à rua e outros tantos fizeram com que os órgãos e associações como a OAB participassem ativamente. Isso tudo se deve a um homem: Roberto Marinho.

Roberto Marinho viveu 98 anos, para a surpresa de todos, porque era um homem que dava a impressão de ser eterno. Roberto Marinho parecia que ia viver toda a sua vida e mais outra vida e todas as vidas sempre no mesmo caminho de retidão, enfrentando, com muita lucidez, e sobretudo com muito caráter, sempre com o apoio da sua família, qualquer vicissitude.

Juntei-me de certo modo a ele e, graças a isso, pude tomar em 1984 uma posição na Bahia, combinado com ele, de absoluta coragem em relação ao Presidente da República da época. E essa posição que ele praticamente colocava no ar, na sua televisão, de dez em dez minutos, fez com que a revolução engolisse a fala, e o Presidente não mais tivesse poder para pensar em continuidade ou em eleger sucessor. Isso se deve ao Dr. Roberto Marinho.

Globo e Roberto Marinho, Globo e os seus filhos representam hoje, no Brasil, uma família, que só cuidou dos sentimentos democráticos do povo, que sempre esteve ao lado do povo e que lutou pelo povo. Por isso, José Roberto, transmita aos seus irmãos e à própria dona Lili o aplauso do Senado da República a O Globo, que é, sem dúvida, como disse anteriormente, o farol e guia de todos nós que queremos praticar bem a democracia no Brasil.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/08/2005 - Página 26920