Discurso durante a 132ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Restrições à forma como o Ministério das Relações Exteriores trata os cidadãos brasileiros no exterior. O recente assassinato do jovem Jean Charles de Menezes em Londres e a falta de empenho da diplomacia brasileira.

Autor
Gerson Camata (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Gerson Camata
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Restrições à forma como o Ministério das Relações Exteriores trata os cidadãos brasileiros no exterior. O recente assassinato do jovem Jean Charles de Menezes em Londres e a falta de empenho da diplomacia brasileira.
Publicação
Publicação no DSF de 12/08/2005 - Página 27257
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • DENUNCIA, DESRESPEITO, ITAMARATI (MRE), BRASILEIROS, RESIDENCIA, EXTERIOR, DETALHAMENTO, OCORRENCIA, VITIMA, VIOLENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, PALESTINA, MEXICO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), GRÃ-BRETANHA, PORTUGAL, OMISSÃO, POLITICA EXTERNA, DESCUMPRIMENTO, FUNÇÃO, AUXILIO, CIDADÃO, BRASIL.
  • GRAVIDADE, OMISSÃO, EMBAIXADA DO BRASIL, CONSULADO, PAIS ESTRANGEIRO, PORTUGAL, HOMICIDIO, MULHER, ESTADO DO ESPIRITO SANTO (ES), AUSENCIA, PROVIDENCIA, INVESTIGAÇÃO, DESAPARECIMENTO, FALTA, ASSISTENCIA, TRASLADO, ENTERRO.
  • ANUNCIO, EMENDA, ORÇAMENTO, AUMENTO, VERBA, ITAMARATI (MRE), ASSISTENCIA SOCIAL, BRASILEIROS, EXTERIOR.

O SR. GERSON CAMATA (PMDB - ES. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, freqüentemente tenho reclamado da maneira como o nosso Ministério das Relações Exteriores cuida e trata de brasileiros no exterior. Também tenho feito comparações de como outros países zelam por seus cidadãos, tanto dentro quanto fora do seu território. Recentemente, o Espírito Santo entrou nessa relação.

Pronunciei-me por ocasião da explosão de uma bomba em Jerusalém, que matou um cidadão brasileiro e feriu outros dois, bomba detonada pelo grupo Jihad palestino. Exatamente naquela noite, o Itamaraty homenageava um representante do povo palestino aqui no Brasil. Sr. Presidente, a homenagem deveria ter sido cancelada! Que aquele país nos explicasse o porquê de um brasileiro haver sido morto como um cão, por bombas detonadas, se o Brasil não está nesse jogo, nessa guerra!

O Brasil não respeita seus cidadãos nesse ponto de vista. Há poucos dias, dois ou três brasileiros morreram na divisa do México, como se tivessem matado cães. Sr. Presidente, o Governo brasileiro ignora os brasileiros e as brasileiras que estão no exterior e que são assassinados; mulheres são estupradas, e não se registra sequer uma chamada ao Embaixador brasileiro que representa o País para que a polícia daquele país tome as providências necessárias.

Recentemente, foi sepultado em Minas o brasileiro Jean Charles de Menezes, um jovem de vinte e poucos anos, assassinado em Londres. As autoridades inglesas, que cometeram esse desatino, tiveram mais atenção com a família dele do que as brasileiras. O Embaixador da Inglaterra visitou a família do rapaz, que reside em Minas. O chefe de polícia de Londres foi a Minas pedir desculpas à família; o responsável pelas verbas da polícia inglesa foi lá, para dizer que vão dar 1 milhão de euros à família a título de indenização. No entanto, ninguém do Brasil foi lá. A exemplo de tantos outros brasileiros que hoje vivem na Europa, nos Estados Unidos e no Japão, Jean Charles tentava realizar, no exterior, o sonho de uma vida melhor. Oito tiros destruíram definitivamente o seu sonho.

Esses compatriotas que se tornam cidadãos de segunda classe em outros países enfrentam enormes dificuldades em seus novos lares, quando não têm sua vida brutalmente interrompida. Esse foi o caso de outra brasileira, a capixaba Edilaine Trez Vieria de Souza, de 23 anos, tão jovem quanto Jean Charles, assassinada, no mês de junho, em Loulé, na região do Algarve, em Portugal.

Nascida em São Gabriel da Palha, na região cafeeira do norte do Espírito Santo, Edilaine morava em Portugal, desde novembro do ano passado, com o marido, Marcelo, com quem se casara havia pouco tempo. Os dois conseguiram emprego: ele como motorista, ela como garçonete de um restaurante. Tinham planos de juntar dinheiro e um dia voltar para o Brasil. Mas, na manhã de 13 de junho, Edilaine desapareceu quando fazia, a pé, o trajeto entre sua casa e o restaurante em que trabalhava.

Ao saber que ela sumira, o marido procurou a polícia, mas conta que não deram importância. Aí ele ligou para mim, e eu liguei para o chefe da polícia de Loulé, em Portugal, pedindo providências. Liguei também para o Embaixador do Brasil em Portugal, pedindo-lhe que desse assistência ao brasileiro. Liguei para o Cônsul do Brasil em Lisboa e pedi-lhe que me telefonasse, pelo menos. Ninguém fez nada!

Desesperado, Marcelo, o marido de Edilaine, ainda peregrinou pelos órgãos de comunicação da região, mas obteve pouco auxílio. Liguei para a televisão de Loulé para dar cobertura também. Passaram-se 20 dias até que o corpo de Edilaine fosse descoberto pelos empregados de uma empresa de construção, dentro de uma casa desocupada, situada a 800 metros do restaurante em que ela trabalhava. A jovem estava nua, caída no chão, com as roupas colocadas ao lado do seu corpo. Tudo indicava tratar-se de um crime sexual. E o marido, ao ser informado, lembrou-se imediatamente de que Edilaine se queixara de ter sido assediada por um homem que lhe propusera, em várias ocasiões, ir trabalhar na Espanha. A polícia, entretanto, deu pouca importância às suspeitas de Marcelo - e eu disse isso também ao chefe da polícia judiciária de Loulé, no Algarve -, assim como tinha ignorado, logo depois do desaparecimento, a sua crença de que Edilaine fora vítima de criminosos.

Na ocasião, Sr. Presidente, o chefe de polícia de Loulé, em Portugal, disse-me, pelo telefone, que se tratava de um desaparecimento e não de um seqüestro e que a polícia estava esperando que ela voltasse. Mas ela já estava morta.

O suplício da família de Edilaine estava longe de terminar, após a descoberta do corpo. Diante da exigência das autoridades portuguesas de que fosse colhido material para um exame de DNA que permitisse a identificação do corpo, embora o marido já o tivesse reconhecido, o pai dela viajou para Portugal e lá ficou durante 12 dias, gastando um dinheiro que não tinha. O material foi colhido, mas ele, o pai, voltou ao Brasil sem saber o resultado.

Edilaine está até hoje em um necrotério, enquanto os parentes se indagam quem a matou, quando receberão os resultados do exame de DNA e da autópsia e quando poderão sepultar o corpo em sua terra natal. Eles não recebem informações objetivas da polícia e das autoridades portuguesas, e, o que é pior, a Embaixada brasileira parece não ter demonstrado o menor empenho em proporcionar-lhes qualquer assistência.

Sr. Presidente, é dever primário da autoridade consular brasileira prestar auxílio a cidadãos em dificuldade no exterior. Essa ajuda esteve presente, como pudemos ver pelo noticiário, no caso do brasileiro em Londres, mas não no caso da capixaba Edilaine. Ela teve uma vida difícil. De família pobre, perdeu a mãe na infância. Seus sonhos, como os de Jean Charles, foram encerrados por um trágico final, graças ao aparente descaso das autoridades portuguesas, somado à indiferença da diplomacia brasileira.

Sr. Presidente, quando da discussão do Orçamento, vou elaborar uma emenda solicitando verbas para o Ministério das Relações Exteriores. Que façam menos coquetéis, menos festas e recepções com menos pompa, pois o fundamental para uma autoridade consular é cuidar dos cidadãos brasileiros que estão no exterior - e a cada dia em maior número.

Sr. Presidente, peço a V. Exª mais 30 segundos. Quando eu era Governador do Espírito Santo, um norte-americano foi atropelado, e o seu carro fora abalroado ao norte do Espírito Santo. Mas, antes de o dia amanhecer, o cônsul americano, do Rio de Janeiro, já estava me ligando, pedindo providências do Governo do Estado para localizar os atropeladores - o corpo havia sido saqueado. Contrataram detetives brasileiros para darem assistência, para recuperarem os objetos daquele cidadão. Fiquei impressionado ao ver como o governo dos Estados Unidos cuida dos direitos de cidadania de um cidadão norte-americano fora do seu território! O Brasil precisa aprender um pouco mais, porque há mais brasileiros no exterior do que americanos no exterior, tirando os soldados que estão no Iraque e em outros lugares.

Há necessidade de que aprendamos fazer com que as representações diplomáticas brasileiras cuidem dos brasileiros que estão no exterior. Vamos colocar verba no Orçamento, tirar um pouquinho das verbas de coquetel, de representação, de pompa e colocar um pouquinho mais de verba de assistência social.

Muito obrigado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/08/2005 - Página 27257