Discurso durante a 132ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Crimes ocorridos no Pará: necessidade de apuração e punição dos culpados. Impunidade dos envolvidos no assassinato da Irmã Dorothy. Questão ambiental e fundiária do Estado do Pará.

Autor
Ana Júlia Carepa (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
Nome completo: Ana Júlia de Vasconcelos Carepa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Crimes ocorridos no Pará: necessidade de apuração e punição dos culpados. Impunidade dos envolvidos no assassinato da Irmã Dorothy. Questão ambiental e fundiária do Estado do Pará.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 12/08/2005 - Página 27296
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • REITERAÇÃO, REPUDIO, HOMICIDIO, ESTADO DO PARA (PA), IRMÃ DE CARIDADE, DEFESA, COMUNIDADE, POPULAÇÃO CARENTE, DIREITOS, EDUCAÇÃO, TERRAS, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, PROTESTO, IMPUNIDADE, CRIME, RECURSO JUDICIAL, ADVOGADO, MANDANTE, OBJETIVO, ATRASO, JULGAMENTO.
  • ELOGIO, INICIATIVA, GOVERNO FEDERAL, PROJETO DE LEI, GESTÃO, FLORESTA, TERRA PUBLICA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, EXPLORAÇÃO, PRODUTO FLORESTAL, PLANO, REGULAMENTAÇÃO, ORGANIZAÇÃO FUNDIARIA, ESTADO DO PARA (PA), PROMOÇÃO, LEVANTAMENTO, SITUAÇÃO, PREVENÇÃO, CONFLITO, CAMPO.
  • COMENTARIO, AUMENTO, VIOLENCIA, CONFLITO, ZONA RURAL, ESTADO DO PARA (PA), CONTESTAÇÃO, ATUAÇÃO, ESTADO, MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO AGRARIO, EXPECTATIVA, TRANSFORMAÇÃO, SITUAÇÃO, INCLUSÃO, PEQUENO PRODUTOR RURAL.

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sim, Sr. Presidente. É para dividir os dez minutos? (Pausa.)

Não tem problema. Eu agradeço.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, demais pessoas que nos ouvem, apesar da tristeza, eu tinha de vir a este plenário. O registro que farei não é um registro de felicidade, mas é de esperança.

Há seis meses, numa estrada de terra, num ramal - que é como se chama - no meio da floresta, no Município de Anapu, colocaram fim à luta e à vida da Irmã Dorothy. Há mais de trinta anos, ela trabalhava com pequenas comunidades no Maranhão e no Estado do Pará e lutava com essas comunidades por educação, pelo direito à terra e por um modelo de desenvolvimento que garantisse a exploração, de forma sustentável, das riquezas da Amazônia.

Seis tiros à queima-roupa mataram a Irmã Dorothy. Esta semana faz seis meses que o assassinato aconteceu, e, infelizmente, apesar de toda a repercussão, apesar de todo o esforço que foi feito, ainda não está livre de integrar a lista dos crimes que ficaram impunes no Estado do Pará. Isso porque, se depender dos advogados de defesa, os supostos mandantes e intermediário poderão ser julgados somente no próximo ano, ou até mais tarde, e podem ainda ser soltos antes do julgamento.

Eu sempre digo: não basta prender e condenar os que apertam o gatilho; é preciso atingir também os que estão por trás, financiando, inclusive, a violência naquela região.

Os dois pistoleiros, os colonos Rayfran das Neves e Clodoaldo Batista, que mataram covardemente a nossa guerreira querida, Irmã Dorothy, continuam aguardando julgamento. Nos Estados Unidos, eles já foram indiciados pelo crime, segundo foi anunciado pelo Departamento de Justiça americano, e, se caírem nas mãos da Justiça daquele país, os dois pistoleiros, assim como os mandantes do crime, poderão enfrentar até a pena de morte.

No Brasil, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a situação é bem diferente. Os advogados de defesa dos acusados de serem os mandantes do cruel assassinato disseram que vão recorrer perante o STJ e, se for preciso, vão até o Supremo Tribunal Federal, instância máxima da Justiça brasileira, contra a sentença de pronúncia que considerou o fazendeiro Bida o mandante e Tato o intermediário do crime. Também recorrerão contra uma possível mudança do julgamento de Pacajá para Belém.

Não tenho dúvidas de que os defensores têm a nítida intenção de atrasar esse julgamento, o máximo possível. Como sabemos, esses recursos levam vários meses para serem julgados em cada Corte em que forem apresentados. Tais medidas protelatórias representam uma afronta a toda uma sociedade que clama por justiça. Embora se configurem como instrumento para que injustiças não sejam cometidas, seu uso indevido e abusivo promove, como agora vemos, o contrário, a injustiça.

Quero dizer que, infelizmente, talvez a não-federalização do processo e a lentidão da Justiça estejam ajudando os mandantes do crime. O Governo Federal, apesar das dificuldades - apesar inclusive do sucateamento, por parte dos Governos anteriores, de órgãos como o Incra, principalmente, e o Ibama -, tem lutado para mudar definitivamente a situação fundiária no Estado do Pará, com o objetivo de garantir a ordem pública. Para isso, inclusive, o Presidente Lula assinou seis decretos, uma medida provisória e um projeto de lei, que visam à preservação ambiental e ao desenvolvimento sustentável da Amazônia. Todas essas medidas, que já vinham sendo estudadas, foram antecipadas em função dos brutais crimes ocorridos no Pará no início deste ano.

A principal medida, entretanto, que estimula a conservação ambiental e promove o desenvolvimento é o projeto de lei de gestão de floresta, sobre o qual já tive oportunidade de falar desta tribuna.

Todos sabem que a legislação atual proíbe a exploração de qualquer produto florestal em terras públicas, como, por exemplo, a exploração madeireira. O projeto de gestão florestal permitirá que isso seja feito de forma legal e com ganhos para o cidadão. Essa iniciativa é fundamental, porque regulamentará, de forma clara, a atividade florestal. Se não for feita, estaremos fadados a reproduzir esse uso predatório, irracional de nossos recursos naturais.

Vi ontem, com tristeza, muitos focos de queimadas. Porém, quero aqui fazer justiça: o maior foco de queimada do Estado do Pará não foi causado por madeireiros; é um fazendeiro que queimou milhares de hectares de terra.

Então, muitas vezes, tenta-se criminalizar a atividade madeireira, mas faço questão de dizer que temos que separar o joio do trigo, porque, assim como há grileiros e madeireiros maus, empresários que, na verdade, nem sequer são empresários, há também pessoas sérias, ocupantes, há vinte anos, de uma área pública e que não têm culpa da situação. São ocupantes de boa-fé. E o Incra e o Ibama ficaram inertes durante muitos anos, vinte anos, até o ano de 2002, sem fazer regularização fundiária. Então, precisamos separar o joio do trigo, porque, assim como há os sérios, infelizmente há também os que envergonham a categoria dos madeireiros.

Neste momento, já se iniciou o Plano Pará, proposto pelo Governo Federal, em que órgãos federais farão um levantamento completo de toda a situação fundiária do Estado do Pará. O referido Plano já se iniciou pela região de Santarém, vai demarcar definitivamente as terras da União no Estado e estará, exatamente agora, na região de Anapu e Altamira, consideradas áreas estratégicas por causa dos conflitos fundiários.

Esse levantamento, que vai permitir a existência de uma base confiável sobre a situação das áreas públicas no Pará, determinará exatamente quais são essas áreas, onde elas estão, quem as ocupa, e, a partir desses dados geográficos, será possível fazer um acompanhamento, inclusive por imagens de satélites, para saber se está havendo ou não novas ocupações.

A partir dessas informações, haverá condições de se identificar a situação das pessoas que vivem nas terras públicas e que eventualmente possam regularizar suas atividades.

Srªs e Srs. Senadores, a violência no Pará tem aumentado, em parte pela reação a essa ação do Governo de tentar legalizar, de tentar levar a presença do Estado onde havia vazios institucionais. A partir desse momento, agentes da violência, da ilegalidade, perceberam a presença do Estado e a ausência de espaço para suas ações, porque agora há um Estado atuante e capaz de defender as garantias individuais e coletivas. Este é um momento de esperança e tenho fé de que veremos amanhecer um tempo de paz e prosperidade no nosso Estado.

Lembro, com tristeza, ao se completarem seis meses da morte da minha querida Irmã Dorothy - que era um pouquinho de todos -, da sua luta, da sua missão, que não morreu. Sua luta por uma sociedade mais justa, mais igualitária, mais solidária está em curso, sim, e é uma boa luta, que haveremos de vencer.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senadora, fique tranqüila e use o tempo que quiser, porque V. Exª merece o respeito, a admiração, o tempo que quiser usar da palavra, porque neste tumulto da política brasileira e do Partido de V. Exª, a vida de V. Exª tem a nossa admiração, como mulher, como mãe, como profissional bancária e como política. Perdeu recentemente uma eleição, mas não perdeu a vergonha e a dignidade de que a política brasileira precisa.

Querendo continuar, V. Exª tem o tempo que quiser.

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Senadora Ana Júlia Carepa, permite-me um aparte?

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senadora, permite-me um aparte?

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Pois não.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senadora Ana Júlia Carepa, quero manifestar a minha solidariedade a V. Exª ao expressar seus sentimentos de preocupação e tristeza com respeito, de um lado, à memória da irmã Dorothy Stang, que se tornou um símbolo para todos nós da luta pelos direitos à cidadania e pelos direitos dos trabalhadores sem-terra, sobretudo por ter vivido no Estado de V. Exª, no interior do Pará, desde 1969, tornando-se ali uma verdadeira brasileira e um exemplo de dedicação aos trabalhadores rurais sem-terra, sempre, no seu dia-a-dia, apoiando-os em todas as atividades, inclusive de assentamento, de maneira que pudesse, ao mesmo tempo, proteger as florestas, as águas, os animais e a riqueza necessária para a sobrevivência, com desenvolvimento equilibrado, de toda a região amazônica, mas voltada para o interesse maior do trabalhador. E também por sua preocupação com respeito aos eventos que estão nos preocupando a todos.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Eu estive com V. Exª hoje...

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senador Eduardo Suplicy, nós vamos ter ainda o aparte do Senador Romeu Tuma. V. Exª está inscrito, será o último orador, e a nossa Senadora quer fazer as conclusões.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Está bem, estou terminando. O meu abraço à Senadora Ana Júlia, minha solidariedade, inclusive pelo sentimento de preocupação com o que ocorre com o nosso PT e com o Governo do Presidente Lula.

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Obrigada, Senador Eduardo Suplicy, muito obrigada.

Senador Romeu Tuma, por favor.

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Senadora Ana Júlia, o nosso Presidente Mão Santa provocou a reação de emoção que todos nós estávamos sentindo durante o seu depoimento. É claro que tudo isso V. Exª traduz em lágrimas. Quem sabe essas lágrimas poderão irrigar aquelas terras e fazê-las produzir para que aqueles que têm direito a elas possam comer. Eu sou testemunha, Senadora, de tudo que aconteceu durante um longo período no Estado do Pará e comentei com V. Exª que eu gostaria de reunir os cartórios e de exigir que todos procurassem e mostrassem a legalidade do registro das suas terras porque, por algumas investigações que eu fiz, Senador Mão Santa, a superposição de vendas diárias de terra é uma coisa assustadora no Pará, e lá se resolve com o cano do revólver. A morte da Irmã Dorothy não é inusitada, Senadora. Historicamente, outras ocorreram. Precisamos nos irmanar para que não se repitam esses fatos. Então, com a intervenção forte e séria de Governo nessa parte de regularização das terras, aqueles antigos capitães que acham que o poder está na extensão de terras que possuem têm que acabar. O Brasil mudou. Não estou dizendo para darem terra de graça para ninguém. Não estou discutindo isso, estou discutindo a dignidade das pessoas, que precisam trabalhar e que, quando têm uma reação, são assassinadas friamente e covardemente; o assassinato, pelas costas, de uma pessoa que não tem nem como reagir, não dá para aceitar. Eu acredito que a vanguarda que a senhora representa aqui, na luta pelo Estado do Pará, tem que ser aplaudida e ter mais oitenta soldados, que aqui se encontram, seguindo o seu caminho.

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Muito obrigada, Senador.

Quero agradecer as palavras do Senador Suplicy e do Senador Romeu Tuma e também a solidariedade e as palavras tão gentis do Senador Mão Santa.

É realmente difícil este momento. Além da emoção desta data, porque faz seis meses do assassinato da Irmã Dorothy, vivemos uma emoção de preocupação, de tristeza, com o que está acontecendo com o País, como falou o Senador Eduardo Suplicy, e com o nosso Partido. Estamos a cada momento sendo surpreendidos por notícias, o que nos deixa chocados e indignados.

Estamos aqui estarrecidos, sim. Nós somos do PT e queremos ter a coragem de refundar este Partido, por isso eu apóio o Raul Pont, para ter coragem de mudar.

Agradeço muito, Senador Mão Santa, pelas suas palavras. A minha preocupação é que trabalhos como este que está sendo feito pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário neste Governo não sejam em vão, que as coisas que estão acontecendo não permitam que o Governo tome outros caminhos. Este trabalho precisa continuar sendo feito. Este trabalho, de que sou testemunha, que o Ministro Miguel Rossetto vem fazendo a favor dos mais pobres e dos excluídos, os pequenos agricultores, que nunca tiveram direito a crédito e hoje estão tendo.

Quero deixar esse registro, que é de emoção e também de esperança. De toda essa dificuldade queremos ter esperança, sim, de que este País seja um País melhor.

Obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/08/2005 - Página 27296