Discurso durante a 137ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem a Miguel Arraes, recentemente falecido. (como Líder)

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem a Miguel Arraes, recentemente falecido. (como Líder)
Aparteantes
Cristovam Buarque, Mão Santa, Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 19/08/2005 - Página 28377
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, MIGUEL ARRAES, EX-DEPUTADO, EX GOVERNADOR, MUNICIPIO, ARARIPE (CE), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), ELOGIO, ATUAÇÃO, VIDA PUBLICA, VITIMA, CASSAÇÃO, REGIME MILITAR, LUTA, COMBATE, DITADURA, DEFESA, DEMOCRACIA, CONTRIBUIÇÃO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os brasileiros perderam um grande guerreiro. Perderam um forte. Miguel Arraes de Alencar, o “Dotô Arrai” dos pernambucanos, enfrentou, e venceu, quase todos os obstáculos que lhe foram colocados à frente.

            O menino Arraes lutou e conseguiu sua primeira vitória contra as adversidades do sertão cearense em Araripe, onde nasceu. De lá, seguiu para o Crato, onde concluiu o segundo grau.

Em 1933, quando chegou ao Recife, Arraes obtém mais uma vitória que o aproxima da vida pública: é aprovado em concurso público para ser servidor do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA). Foi lá que conheceu, alguns anos mais tarde, o Presidente do IAA, Barbosa Lima Sobrinho, respeitado jornalista brasileiro cuja vida marcou a Imprensa Nacional. Barbosa nomeou Arraes Delegado do IAA em Pernambuco. O jovem cearense, que ainda não sonhava ser governador dos pernambucanos, chegava então ao cargo de Secretário Estadual da Fazenda, a convite do mesmo Barbosa Lima Sobrinho, então Governador de Pernambuco. Miguel Arraes começava, assim, a se transformar no legendário “Dotô Arrai”.

Desde a primeira eleição, em 1950, quando assumiu o mandato de Deputado Estadual, Arraes foi colecionando vitórias até chegar à Prefeitura de Recife em 1959. Doze anos depois de entrar na política, chegou ao Governo Estadual de Pernambuco. Recebendo 48% dos votos, Arraes derrotou os nomes da UDN e também do PSD, os dois principais Partidos da época. Apoiado pelas correntes de esquerda, Arraes fez um governo voltado para os segmentos mais desfavorecidos da sociedade pernambucana, apoiando-se sobre os movimentos sociais da cidade, bem como os de pequenos agricultores familiares. A vitória de Arraes foi a vitória do povo de Pernambuco.

Devo destacar, Senador Mão Santa, entre as várias decisões de Arraes em Pernambuco, a equiparação do salário mínimo rural ao salário mínimo industrial, fazendo com que o poder aquisitivo dos trabalhadores da cana, dos trabalhadores da mata norte e da mata sul de Pernambuco dobrassem o seu poder de compra. Esse exemplo se espalhou pelo País e essa equiparação foi adotada em todo o Brasil.

Em 31 de março de 1964, os militares depõem João Goulart e oferecem a Arraes a liberdade em troca da renúncia. A resposta de Arraes: “Prefiro a prisão a trair o povo”. Os militares empurraram-lhe, goela abaixo, sua primeira derrota. Com uma operação cinematográfica, o Exército, fortemente armado, cercou o Palácio Campo das Princesas e prendeu Arraes. Em seguida, Miguel Arraes foi confinado na Ilha de Fernando de Noronha. Do arquipélago, foi levado ao Rio de Janeiro. Finalmente, foi enviado para mais longe e por mais tempo: catorze anos de exílio na Argélia.

Anistiado, Arraes volta com a disposição de vencer novamente. A chegada de Arraes ao Brasil, em 16 de setembro de 1979, foi uma apoteose: mais de 60 mil pessoas foram abraçá-lo.

Na primeira eleição após o retorno ao Brasil, Arraes volta ao Congresso Nacional como o Deputado Federal mais votado do Nordeste. Em 1986, outra vitória maciça: Pernambuco devolve a Arraes o Governo do Estado. Mais de 55% dos pernambucanos escolheram novamente o “Dotô Arrai” como Governador.

O guerreiro Arraes continuou lutando e vencendo. Em 1990, já pelo Partido Socialista Brasileiro, elege-se o Deputado Federal mais votado do Brasil. Em 1994, volta como Governador ao Palácio Campo das Princesas, com uma vantagem de mais de 300 mil votos sobre o segundo colocado.

Outra derrota de Arraes foi motivada pelas duras críticas à política econômica de Fernando Henrique. Remando contra a corrente de opinião pública naquele momento, Arraes foi derrotado por seu antigo aliado, Jarbas Vasconcelos, do PMDB. A última vitória foi em 2002, quando se elegeu Deputado Federal, também entre os mais votados.

O “Dotô Arrai” enfrentou, nos últimos dias, com a coragem costumeira, a morte. Várias vezes os médicos proclamaram sua vitória, mas a morte sorrateira insistia em surrupiar-lhe o bem que lhe era mais precioso: a vida.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Permite-me V. Exª um aparte, Senador João Capiberibe?

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Em seguida, Senador.

Mas essa batalha ele não conseguiu vencer. Nós, do PSB, perdemos nosso líder.

Com a palavra o Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Senador, associo-me a V. Exª nessa louvação ao Dr. Arraes, talvez um dos últimos grandes líderes deste País - temos poucos. Ultimamente privei muito mais da convivência dele nas voltas para Pernambuco - o avião tem de parar em Recife antes de seguir para João Pessoa. Nós sempre sentávamos na fila da frente - ele pedia isso à secretária dele e eu à minha - e íamos conversando. V. Exª falava sobre a Argélia. Eu participei do encontro em que recebemos aqui o Presidente da Argélia. Deixou-me impressionado um comentário que ele fez: “Suassuna, você viu? Eu perguntei por dez amigos da Argélia que conviveram comigo no exílio. O Presidente me disse que oito deles morreram. Está chegando o nosso tempo. Que coisa incrível!” E fico muito triste porque eu, na Paraíba, e ele, em Pernambuco, nas campanhas, sempre tínhamos certa simbiose. Com certeza, Pernambuco perdeu um grande homem, mas também o Nordeste e o Brasil ficaram desfalcados da figura inesquecível do nosso “Pai Arrai”.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Muito obrigado, Senador Suassuna. Creio que o Nordeste ganhou um novo mito, o mito Arraes.

Ouço o Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Capiberibe, tive a felicidade de ser Governador no período em que Miguel Arraes também governou o Estado de Pernambuco. Freqüentamos muitas reuniões da Sudene. Como Governador, publiquei um livro e o escolhi para prefaciar. Mas quero dizer como é a vida - está aqui do nosso lado Alberto Silva - fui prefeitinho da nossa Parnaíba - não tão brilhante quanto Alberto Silva, mas fui. Criei um Palácio da Cultura, instalando uma biblioteca, um museu, um conselho municipal e me lembro muito bem que tirei um domingo para organizar a biblioteca; estava com minha esposa Adalgisa. Nesse dia, ele me fez fazer o único furto na minha vida política, e vou confessá-lo aqui, no Senado. Arrumando a biblioteca, domingo, já que a inauguração do Palácio da Cultura - residência do ex-Consul Coimbra - seria na segunda-feira -, vi um livro: Mistificação das Massas. Peguei e li: tradução de Miguel Arraes. Enquanto minha esposa arrumava, eu fiquei lendo. Mais tarde, minha mulher cansou e disse para irmos almoçar. Gostei tanto do livro que levei-o comigo. Pensei: estudante não vai ler. E levei. Como estudei medicina, tinha por costume riscar o livro, anotar, criticar, comentar. E o livro ficou envelhecido. Mas sempre que eu viajava buscava comprar outro para repor. No entanto, Senador Alberto Silva, não encontrava. E o livro que eu havia pegado estava todo danificado por minhas anotações. Um dia, em um almoço em Pernambuco, onde estava eu e o Malan, eu disse, confessei que ele tinha me inspirado a cometer esse furto, e que nunca tinha devolvido porque o livro tinha sido danificado. Miguel Arraes, então, disse: Mão Santa, você tem esse livro? Isso porque a Ditadura andou atrás e cassou o livro naquele tempo de censura. Era, então, uma obra rara. Mas valeu a pena porque aprendi e esse livro me fez Governador. E perguntei: mas onde V. Exª traduziu o livro? Ele disse: preso, 90 e tantos dias no Corpo de Bombeiros. Aprisionado, decepcionado, com maus pensamentos, S. Exª até me disse que, pela humilhação, havia pensado em suicídio. Como ele sabia um pouco de francês, pegou um dicionário e foi traduzir o livro. Disse a Miguel Arraes: tenho esse livro e queria um novo para repor na biblioteca. S. Exª, então, pediu o livro. Em outra viagem, levei-o, quando ele, de posse do original, tirou umas cópias e me deu uma. E ainda reimprimiu - e esse livro Mistificação das Massas, Serge Tchakotine*, orientou a toda a mocidade. E ele ainda veio aqui com o filho dele me convidar para apresentar o livro, pois sabia o que tinha aprendido com o livro. Do lado de S. Exª estava Malan que pediu também uma cópia. Assim, Miguel Arraes foi muito importante para o Nordeste, influenciou a todos nós. Penso que essa geração - o Senador Alberto Silva está aqui, que é uma riqueza do Piauí e deste Plenário, com as bênçãos de Deus, que está representado pela imagem de Cristo - com o exemplo de homens como Miguel Arraes, vai construir neste País uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna, que sintetizou as ações políticas de Miguel Arraes.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Concedo a palavra ao Senador Cristovam Buarque.

O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PT - DF) - Senador Capiberibe, não vou tomar o tempo de V. Exª para discurso porque senão iria falar muito sobre o Dr. Arraes, pela minha relação com ele. Mas quero dizer apenas uma coisa: o Dr. Arraes foi o meu primeiro voto, em 1962, para Governador de Pernambuco. E 43 anos depois, posso dizer, com orgulho, que não me arrependi daquele voto. Poucos eleitores podem dizer isso daqueles nos quais votaram. Mas eu posso dizer isso de Arraes. Talvez esse seja o maior elogio que se possa fazer a um político. Não me arrependi, 43 anos depois, do voto que eu, muito jovem, dei a ele.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Sr. Presidente, também vou dar o meu testemunho pessoal da convivência com Miguel Arraes. Eu o conheci em 1979, em Maputo*, Moçambique, quando estávamos já sonhando com a possibilidade de retornar ao convívio de nossos familiares e do povo brasileiro.

A expectativa da anistia estava à vista. Recebemos Miguel Arraes em Maputo e fizemos um jantar. Nesse jantar, ele falou da necessidade de mantermos a unidade do MDB para que, unidos, pudéssemos operar a transição democrática. Falou do seu Nordeste, com tanta paixão, com tanto entusiasmo que naquele momento nós decidimos - eu e a minha companheira, hoje Deputada Federal Janete - voltar para o Brasil e, na volta ao Brasil, morar em Pernambuco.

Fomos morar em Pernambuco e tive a felicidade de trabalhar dois anos com Miguel Arraes, em Pernambuco, e mais do que isso, foi com ele que aprendi a construir na política, pois Arraes era um homem de construção, propositivo, um homem de pensamento amplo, de pensamento nacionalista. Pensou sempre nos excluídos, naqueles que aqui não tinham voz, tanto é que o seu gesto de equiparar o salário mínimo rural com o salário mínimo industrial abriu a possibilidade para todo o País.

Portanto, foi a partir de Moçambique que decidi viver na terra de Cristovam e tive a felicidade de passar dois anos fantásticos, de aprendizado, convivendo com os trabalhadores rurais, com os canavieiros da mata sul e da mata norte. Foi junto com Arraes que trabalhamos e preparamos as primeiras greves, ajudamos, apoiamos as primeiras greves dos canavieiros e também desenvolvemos vários projetos na região do agreste.

A cabeça de Arraes era uma usina de projetos para melhorar a vida do povo. Fizemos projetos no Município de Angelim, no Município de Lajedo, na tentativa de buscar alternativas e solução para os agricultores familiares.

É por isso que consideramos a perda de Arraes uma perda imensa para o nosso Partido. E o X Congresso do Partido, que vai começar amanhã, começa com uma missa dedicada a Miguel Arraes, na Catedral de Brasília, e certamente será o congresso marcado pelo vazio da presença desse grande líder.

Era isso, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/08/2005 - Página 28377