Discurso durante a 137ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que determinou a redução do número de vereadores no país.

Autor
Ribamar Fiquene (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MA)
Nome completo: José de Ribamar Fiquene
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO ELEITORAL. ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.:
  • Considerações sobre resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que determinou a redução do número de vereadores no país.
Publicação
Publicação no DSF de 19/08/2005 - Página 28399
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO ELEITORAL. ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.
Indexação
  • NECESSIDADE, TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE), REVISÃO, RESOLUÇÃO, REDUÇÃO, QUANTIDADE, VEREADOR, CAMARA MUNICIPAL, DESRESPEITO, PRINCIPIO CONSTITUCIONAL, AUTONOMIA, MUNICIPIOS, DECISÃO, ASSUNTO.
  • QUESTIONAMENTO, COMPETENCIA, TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE), DELIBERAÇÃO, MATERIA, APRESENTAÇÃO, ALEGAÇÕES, JURISTA, CITAÇÃO, PARECER FAVORAVEL, JUDICIARIO, MANUTENÇÃO, AUTONOMIA, MUNICIPIOS, COMPOSIÇÃO, CAMARA MUNICIPAL, OBEDIENCIA, LEGISLAÇÃO, VIGENCIA.
  • EXPECTATIVA, JULGAMENTO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, REFERENCIA, ASSUNTO.

O SR. RIBAMAR FIQUENE (PMDB - MA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a representação política constitui-se em uma das mais engenhosas e inteligentes criações humanas. Transferir para um indivíduo a responsabilidade pelo encaminhamento, defesa e deliberação das vontades coletivas pressupõe o alcance de um elevado grau de um compromisso civilizador dos distintos grupos sociais.

Na quadra lamentável que atravessa o Brasil de 2005, tornam-se necessárias, senão imperiosas, intensas e renovadas reflexões acerca da natureza, extensão e responsabilidade da representação política. Parece-me o caminho eficaz para mudança radical das práticas acintosas e criminosas que, em estado de constante sobressalto e perplexidade, a Nação vem conhecendo a cada dia.

Mas, na tarde de hoje, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o que me traz à tribuna são cumuladas inquietações e, mais do que isso, uma indisfarçável irresignação em torno da Resolução nº 21.702, de 2 de abril de 2004, do Tribunal Superior Eleitoral, que impôs a redução do número de Vereadores em nossas Câmaras Municipais.

Penso que estaremos todos de acordo, eminentes Pares, em conceder ao municipalismo um papel elementar, fundacional das nossas práticas democráticas de representação.

É no Município, célula-tronco do nosso modelo político, que invariavelmente nos vamos abastecer do voto popular, conhecer as dificuldades enfrentadas pelo povo e pela cidade e os desafios que precisam ser equacionados e superados. É no Município que nasce e floresce a representação política mais basilar, com os Vereadores, cidadãos-representantes que vivem o cotidiano da polis e que, reunidos nas Câmaras, vão debater, decidir e legislar sobre os temas imediatos mais relevantes para as comunidades representadas.

É exatamente por isso, Srªs e Srs. Senadores, que me parece imprescindível uma profunda revisão da resolução do Tribunal Superior Eleitoral, equivocado em seu entendimento sobre o número adequado de Vereadores por municipalidade. Ainda há pouco, prevalecia o entendimento de que cabia à Lei Orgânica Municipal, observados os limites constitucionais, a definição da composição das Câmaras Municipais. O art. 29 da Carta Política, da Carta Magna, não deixa dúvidas, ao comandar a combinação de proporcionalidade e baliza constitucional. Os juízes coletivos, por seu turno, também compreendiam que não cabia interferência de qualquer outro órgão ou entidade na definição do número de Vereadores às Câmaras Municipais. Até mesmo a nossa mais alta corte de justiça, o Supremo Tribunal Federal, suspendera dispositivos de Constituições Estaduais que limitavam os Municípios na fixação, via lei orgânica, do número de seus Vereadores.

Agregue-se, igualmente, que o próprio Tribunal Superior Eleitoral havia elucidado a questão em acórdão que diz, com todas as letras: “A Constituição federal reservou à autonomia de cada Município a fixação do número dos seus vereadores, desde que contida entre o limite mínimo e o limite máximo correspondentes à faixa populacional respectiva”. Se percorrermos a jurisprudência firmada por distintos tribunais estaduais, teremos a convergência de entendimentos na delegação ao Município de tal tarefa.

Essa compreensão, escorada, como disse e reafirmo, em pronunciamentos de várias cortes, altera-se radicalmente no julgamento, pelo STF, em março do ano passado, do Recurso Extraordinário nº 197.917, relatado pelo então Ministro Maurício Corrêa. Prevalecem, a partir de então, agregações condicionantes e redutoras, como o princípio da razoabilidade no poder de legislar das Câmaras de Vereadores e o postulado da isonomia, fazendo-se uma nova e alargada hermenêutica da previsão constitucional da proporcionalidade. Reduz-se, em uma decisão, o poder concedido, de forma inequívoca, pela Carta Constitucional aos Municípios.

Dias depois dessa decisão do STF, o Tribunal Superior Eleitoral, ancorado no Código Eleitoral e na deliberação do Supremo, edita a malsinada Resolução nº 21.702, de dois de abril de 2004, que estabelece “instruções sobre o número de Vereadores a eleger segundo a população de cada Município”. Tem-se, assim, a abrupta redução no número de representantes em inúmeras municipalidades.

Na verdade - e é preciso que se diga isso com todas as letras -, a decisão do TSE, que culminou com a redução do número de Vereadores, é fruto de uma evidente exorbitância daquele Tribunal. Não cabe ao Colegiado Eleitoral alterar normas preexistentes ou inovar, editando uma norma legal. Sua prerrogativa normativa é meramente regulamentar; não cria direito novo, mas regulamenta direito previamente em vigor. Em uma expressão, busca conferir o mínimo de unidade e organicidade ao conjunto de normas preexistentes que vão regular o pleito que se segue.

Na síntese, as normas, dispostas em uma pirâmide, encontram-se devidamente hierarquizadas, em uma relação de subordinação e coordenação. Logo, não é aceitável que os regulamentos ultrapassem ou contrariem o comando da lei; na pirâmide, situam-se abaixo dessa norma e a ela deve harmonizar-se.

É preciso recordar e enfatizar, como o faz o ilustre Consultor Legislativo desta Casa, Gilberto Guerzoni Filho, em detalhado e iluminador estudo, que a “Resolução de nº 21.702, de 2004, do TSE, é criação originária, exercício de Poder Legislativo pelo Tribunal Superior Eleitoral”. Ou seja, tem-se aí uma evidente usurpação de poder, que implica verdadeiro atentado à autonomia municipal, prevista pelo art. 18 da Constituição Federal. Ademais, beira a desrazão, pois estabelece uma padronização que não encontra justificativa e privilegia as maiores Câmaras Municipais do País.

Evidência mais eloqüente é o fato de que, com a Resolução citada, sobe de 56% para 90% o número de Municípios brasileiros que têm, na sua Câmara Municipal, a composição mínima de nove Vereadores. A mais de um terço dos Municípios do País impõe-se a redução, enquanto 3.120 Municípios, dos quais 3.098 já no mínimo, remanescem inalterados.

Embora a doutrina não seja pacífica no que tange ao caráter de ente federativo atribuído ao Município, restringir sua autonomia deve ser tomado como uma limitação ao princípio federativo. Do ponto de vista mais pragmático, cabe salientar que a Resolução do Tribunal Superior Eleitoral não levará, obrigatoriamente, à redução das despesas com as Câmaras Municipais, como imaginam inúmeros apoiadores da medida. E isso é mera decorrência da manutenção dos dispositivos legais que tratam da matéria, notadamente a Constituição Federal e a Lei de Responsabilidade.

Em resumo, Sr. Presidente, entendo, apoiado por juristas e estudiosos do Direito, que a Resolução do Tribunal Superior Eleitoral leva a marca da inconstitucionalidade formal e material, ferindo a autonomia do Município, além de mostrar-se inócua do ponto de vista econômico-financeiro. Da perspectiva política, reduz a representação e, ao fazê-lo, eventualmente, acaba-se por silenciar a voz de milhões de eleitores que vêem limitado o seu direito de escolha e de eleição de representantes identificados com suas causas e com seus ideais.

Nesse contexto deve ser proclamado o mérito das ações diretas de inconstitucionalidade, como a de número 3.345 no Supremo Tribunal Federal, em pauta de julgamento para o dia 25 de agosto corrente...

(Interrupção do som.)

            O SR. RIBAMAR FIQUENE (PMDB - MA) -...impetrada pelo Partido Progressista, e a de número 3.365, do Partido Democrático Trabalhista e outras, em tramitação naquele Excelso Pretório.

Há de se ver, Sr. Presidente, que a matéria, embora polêmica, está sub judice, e o que se quer é que se dê direito a quem tem direito. Dura lex sede lex, ou melhor, a lei é dura mas é lei. E ninguém pode torná-la fraca; ninguém pode, no determinismo de qualquer situação, que o apanágio da mais veemente emoção do mundo venha a constituir-se no mais sério espetáculo do mundo brasileiro, porque o vereador é a essência da democracia!

            Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, penso que é prudente e oportuno que esta Casa assuma, como prioridade, a rápida revisão da Resolução...

(Interrupção do som.)

O SR. RIBAMAR FIQUENE (PMDB - MA) -...nº 21.702, de 2004, reabrindo, ainda na atual legislatura municipal, se possível, o restabelecimento do direito de ocupação das vagas aos candidatos que foram atingidos pela mencionada Resolução do TSE.

É de se ressaltar, por fim, o que preconiza a doutrina e a jurisprudência no Direito Eleitoral.

Haja o que houver, no santuário da predestinação mandatária, a democracia nunca será manchada, enquanto existirem os pressupostos da legalidade.

A soberania nacional deve repousar nos pilares do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, para que a hegemonia do Direito possa sustentar a grandeza do Brasil.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/08/2005 - Página 28399