Discurso durante a 138ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Desilusão de militantes do Partido dos Trabalhadores com os atos de corrupção de dirigentes da sigla.

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Desilusão de militantes do Partido dos Trabalhadores com os atos de corrupção de dirigentes da sigla.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 20/08/2005 - Página 28512
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, CRISE, GOVERNO FEDERAL, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), EFEITO, DENUNCIA, CORRUPÇÃO, COMENTARIO, SITUAÇÃO, MEMBROS, FILIAÇÃO PARTIDARIA.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, infelizmente há uma nova denúncia, agora envolvendo diretamente o Ministro da Fazenda.

A esquerda sempre fez formulações distintas sobre a ética da guerra, a ética da paz, a ética do capital, a ética do trabalho e, portanto, sempre tratou essa questão da ética no espaço público - refiro-me a alguns setores da esquerda - como se fosse um moralismo pequeno burguês, um moralismo farisaico, defendendo que a ética não deveria ser uma bandeira especial para tratar o espaço publico. Isso sempre foi muito discutido entre nós, especialmente entre nós da esquerda.

Digo sempre que tive uma sorte muito grande na vida por ter tido a oportunidade, em minhas primeiras leituras, de ler grandes obras. Ainda criança, no interior de Alagoas, no sertão, em Palmeira dos Índios, as primeiras coisas que li foram o Livro do Povo de Deus, a história de luta e de libertação do povo de Deus - e tive muita sorte, porque não convivi com a igreja sofisticada, rica, luxuosa, vaidosa e serviçal dos grandes e poderosos; convivi com uma outra igreja, na qual os padres e freiras holandesas me davam as mais belas lições, diziam-me que a história do povo de Deus era uma história de luta e de libertação e não uma história de subserviência aos grandes e poderosos e uma articulação permanente com o luxo.

Ao mesmo tempo, ao lado dessa experiência, li também a história do povo nordestino escrita pelas mãos de um velho comunista, Graciliano Ramos. Essas primeiras leituras, sem dúvida, foram um privilégio para mim. Mesmo em uma família pobre, tive o privilégio de, em minhas primeiras leituras, ter acesso à história de luta e libertação do povo de Deus, pela Bíblia, na comunidade católica e, ao mesmo tempo, à história do povo nordestino, também uma história de luta, pelas mãos de um velho e grande comunista chamado Graciliano Ramos.

O Senador Mão Santa estava falando sobre a história da Bíblia. Há uma passagem muito interessante, uma passagem em Amós, que fala dos políticos sem-vergonhas que compram os pobres com sandálias e outras coisas mais. E há uma palavra muito bonita em Eclesiastes, chamada “Os Sacrifícios”, que diz assim: “A oferenda daquele que sacrifica um bem mal adquirido é acumulada”. Então, não adianta alguém estar apresentando um bem roubado, como se fosse um sacrifício, uma oferenda a Deus, porque vai para o inferno do mesmo jeito.

E ele dizia assim: “O Altíssimo não aprova as dádivas dos injustos nem olha para as ofertas dos maus. A multidão dos seus sacrifícios não lhes conseguirá o perdão dos seus pecados. Aquele que oferece um sacrifício arrancado do dinheiro dos pobres é como o que degola o filho aos olhos dos pais”. Veja que coisa forte, Senador Mão Santa.

Em outro trecho: “O pão dos indigentes é a vida dos pobres. Aquele que lho tira é um homicida”. Portanto, político ladrão que, ao roubar os cofres públicos, acaba retirando o pão, a vida dos pobres, é tido pela história do povo de Deus como um homicida; não é só ladrão, é um homicida.

“Quem tira de um homem o pão do seu trabalho é como um assassino do seu próximo. E o que derrama o sangue e o que usa da fraude no pagamento de um operário são irmãos.” Veja só que maravilha! Por isso é que é bom ser socialista. Não é à toa que uma passagem lindíssima diz que “ou se serve a Deus ou ao diabo”. E quem serve ao capital, ao dinheiro não serve a Deus. Então, é evidente que quem é capitalista sabe que terá como destino ser churrasco do diabo. Ainda bem que alguns de nós somos efetivamente socialistas.

Tenho, várias vezes, tido a oportunidade de dizer aqui algumas coisas em que pessoas não acreditam; algumas pessoas acham que, porque recebemos açoites e humilhações no processo de expulsão do PT, nos alegramos com sentimento de vingança por estar vendo as denúncias gravíssimas de corrupção contra os principais dirigentes da cúpula palaciana do PT e o Presidente Lula. Não comemoramos porque são histórias de grandes militantes do nosso País, e isso cria um impacto também para a Esquerda de modo geral. Não generalizamos para todos os militantes, Parlamentares, dirigentes do PT, como não fazemos em relação a outros Partidos também. Então não se trata de uma generalização.

Agora, é muito duro essa denúncia sobre o ex-assessor do Sr. Palocci porque, várias vezes, já usei a tribuna para dizer que o problema do Governo Lula foi a associação com conhecidos sabotadores e saqueadores dos cofres públicos que, em vez de terem sido obrigados a devolver o que roubaram em governos passados, foram devolvidos aos cargos para continuar a roubar.

Muitas pessoas ficam irritadas com as denúncias que fazemos porque acham que isso fortalece a Direita. Mas perguntamos: qual Direita? Há uma banda da Direita do País que está na Oposição, e outra banda da Direita do País está dentro do Governo Lula. Não apenas a grande estrutura da elite política econômica, que é o capital financeiro, os parasitas sem pátria, os únicos que ganham muito com o aprofundamento do projeto neoliberal, com o projeto do Governo Lula, que é mais do que a continuidade do modelo econômico de Fernando Henrique, é o aprofundamento do projeto. Não é à toa que o PT, que era o maior Partido de esquerda da América Latina - sem generalização perversa com os militantes, Parlamentares e dirigentes -, hoje é o exemplo, é o instrumento da propaganda triunfalista do neoliberalismo.

Por isso é que os banqueiros, na ocasião do pronunciamento do Presidente Lula, foram os únicos - até os dirigentes do PT criticaram o pronunciamento como insuficiente - que disseram que o pronunciamento era maravilhoso. Isso porque para eles não é o que importa. O capital financeiro não se importa e jamais correrá uma lágrima nos seus rostos sofisticados por uma criança pobre vendendo o corpo por um prato de comida. Essa gentalha não se incomoda com isso. Eles, quando falam em estabilidade econômica e governabilidade, não estão preocupados com a dor, o desemprego e a miséria da grande maioria do povo brasileiro. Eles só se preocupam com a banca, com o que eles vão ganhar e que os boatos não gerem uma histeria no mercado a fim de que eles não percam dinheiro. Portanto, os parasitas sem pátria e os senhores banqueiros, quando falam de estabilidade econômica e governabilidade, estão simplesmente pensando nos seus medíocres interesses financeiros. Eles não se preocupam com a dor e o sofrimento da grande maioria do povo brasileiro.

O que é duro nesse episódio é que muitos de nós combatemos com veemência a corrupção - não por moralismo farisaico, falso moralismo -, porque sabemos que, quando alguns saqueiam os cofres públicos, tratam o espaço público como se fosse a caixinha de objetos familiares, para seus bandos e suas quadrilhas, tiram dinheiro de algum lugar. Isso é claro! Por isso dizem que não tem dinheiro para a saúde, para a educação, para a segurança pública, porque uma parte do Orçamento público vai para a pocilga do capital, para os banqueiros se chafurdarem com alegria, e outra parte vai para o roubo das quadrilhas, das gangues partidárias que se articulam parasitando os cofres públicos. Aí sobra para quem? Para os Senadores e Deputados? Não! Até pode sobrar, como ocorreu ontem, quando colocaram uma bomba lá embaixo, infelizmente onde não há Senador nem Deputado, apenas funcionários, coitados.

Então, sobra para a desmoralização da democracia representativa. Já não vivemos numa democracia. Democracia sem justiça social não se constitui como tal. E uma democracia representativa a que muitos chegam comprando e vendendo mandatos, quando aqui estão, para serem subservientes às estruturas palacianas, não é efetivamente democracia representativa.

Mas o que é mais triste - e sei da tristeza e da vergonha de muitos militantes, Parlamentares e dirigentes do PT - num dia como hoje é assistir à promiscuidade na relação Palácio do Planalto/Congresso Nacional. E agora estamos vendo que esses que hoje estão roubando o espaço público em conluio com delinqüentes de luxo dos governos anteriores não são aprendizes. Isso é que é o mais doloroso. É como se o esquema de corrupção, a metodologia perversa de usar o espaço público em conluio com setores empresariais para viabilizar estruturas partidárias ou riquezas pessoais não é aprendizado de agora. Isso que é mais doloroso para os petistas; isso que é especialmente doloroso para muitos que dedicaram as suas vidas, enfrentaram obstáculos gigantescos para ajudar na construção do Partido. Sei que essa dor é ainda maior porque se vê que o passado também fazia. Essa é a dor maior. Agora alguns podem dizer: “ora, mas se associaram a fulano, a sicrano, a não sei mais quem, tudo o que fazíamos no passado, lembra?” E é por isso que há alguns dizendo que é golpismo, é um absurdo se querendo o impeachment. Por quê? Porque estão vendo as pessoas que ali estão. Fazíamos uma generalização perversa no passado, em que gritávamos nas praças públicas e nas manifestações contra muitos dos Governos que eram corruptos. Hoje esses Governos corruptos do passado mandam dentro da estrutura do atual Governo. Isso que é muito doloroso para muitos militantes.

Ouvi uma frase, Senadores Paulo Paim e Cristovam Buarque, que me machucou muito. Não no meu caso, porque já disse, várias vezes, que, apesar da dor e do sofrimento, não tenho mágoa nem rancor, mas agradeço a Deus por lá não mais estar porque sei o constrangimento de quem está, de quem é honesto e a dor por que passa. Alguns Parlamentares estavam pensando em sair do PT - agora, não no nosso caso -, por estarem se sentindo incomodados e dizendo que, se não mudasse a estrutura partidária, não haveria como ficar. Vi uma frase nos jornais dizendo que se tratava de um dirigente do campo majoritário e dizia assim: “são os ratos que estão abandonando o navio afundando”.

Ora, não tem nada a ver uma coisa com a outra. Pelo contrário, o navio está tomado de ratos, e as pessoas não conseguem conviver lá. É outra coisa. Ou põem para fora os ratos, ou as pessoas acabam tendo que sair. Como uma pessoa diz isso e não tem sequer a humildade de reconhecer os problemas gravíssimos, o constrangimento e a tristeza que está provocando em quem ainda está militando no PT? Como tem a ousadia de dizer isso, como se fossem as pessoas acovardadas que estivessem pulando do barco como os ratos fazem? É o contrário. São pessoas que, para sobreviver com dignidade, para conseguir olhar no olho das outras, estão pedindo que se mude a estrutura porque a tristeza e o constrangimento são muito grandes.

Concedo um aparte a V. Exª, Senador Cristovam.

O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PT - DF) - Senadora Heloísa Helena, eu gostaria, se o Presidente permitisse, que me desse um pouco mais de tempo do que um simples aparte, porque tenho muito o que falar. Em primeiro lugar, quanto a essa metáfora do navio: o navio é o Brasil; o navio não é o Partido. É uma arrogância dizer que estão abandonando o navio. Abandonar o navio é, diante de tudo isso, pegar um avião e morar fora do Brasil porque se cansaram do Brasil. Eu não vou cansar-me do Brasil. Mas temos que estar nos vetores e motores de melhor funcionamento que puxam o Brasil. E o PT está perdendo isso. Eu disse que queria falar mais porque não escondo que fiz parte daqueles que defenderam a sua saída do Partido dos Trabalhadores. Hoje V. Exª deve me agradecer, embora não desculpar, talvez. Continuo achando que, quando estamos em um partido, temos de votar conforme a direção determinar, até o dia em que sairmos dele. De qualquer maneira, eu me lembro que eu disse, àquela época, que eu defendia a saída de V. Exª pelas suas qualidades, que se diferenciavam das qualidades do PT. Hoje, eu começo a achar que as qualidades do PT estão desaparecendo, que a sua saída era somente por causa das suas qualidades. Mas não somente por causa desses últimos atos, Senadora Heloísa Helena. O que me preocupa mais do que esses últimos atos éticos - que serão resolvidos - é a falta de um projeto para o “navio Brasil”. O PT não está sendo o motor para o Brasil que nós queremos. Não está sendo instrumento de transformação. Eu lembro, há dois ou três anos atrás, talvez ainda no Ministério, eu fiz um artigo sobre esse fato, chamado “A Revolução Estancada”, publicado na Folha de S.Paulo. Eu dizia que o PT não estava sendo um vetor da transformação social. E é isso o que mais me incomoda hoje. A ética é de alguns. Esses vão sair, ou vão dominar o Partido - quem sabe? Agora, essa militância, boa, decente, honesta e que ainda sonha, de fato está muito sofrida. E eu, às vezes, agrego sofrimento quando manifesto que. para reaglutinar as esquerdas, inclusive com o P-SOL e outros partidos, vamos precisar, certamente, estar fora do PT, porque o PT amarra, não está libertando para desenvolver esse papel. Há pouco me perguntavam se eu saía do PT. Eu disse: “Eu jamais sairei do PT que me elegeu em 1994, que me elegeu em 2002”. Mas o PT de hoje, como o próprio Mercadante disse, não é aquele PT de 1994 nem de 1998. Penso que a raiz estava no momento em que nós, inclusive eu, tomamos a decisão de fazer sua saída do Partido. Ali estava o germe de muitas coisas. Penso que era um erro seu não votar, tendo em vista a disciplina partidária, mas havia razões mais profundas, que foram percebidas não sei se por sua intuição política, feminina, ou o que seja, mas que muitos de nós, inclusive eu, não percebemos. Não vou pedir desculpas, porque acredito que eu estava certo naquela hora, mas faço essa confissão.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Agradeço o aparte a V. Exª, agradeço mesmo, Senador Cristovam Buarque. Lembro de uma coisa ocorrida quando V. Exª falava sobre o que é o Partido. V. Exª sabe que defendo que, mesmo as pessoas que não são militantes de Partidos, estejam aqui nas instâncias de decisão política, nos espaços do poder. O Deputado Fernando Gabeira tem projeto sobre isso, eu também. Trata-se justamente das listas da sociedade, para que as pessoas que compartilham uma visão de mundo, uma compreensão de projeto nacional, mesmo que não queiram estar inscritas no partido, até por se sentirem acorrentadas na estrutura partidária, possam estar aqui representadas. Infelizmente, é algo que cada dia tem sido mais difícil, porque as burocracias partidárias, as cúpulas partidárias, sempre com risco de degeneração, precisam das listagens das mercadorias parlamentares, inclusive para traficar influência com as estruturas de poder. E aqueles parlamentares que poderiam vir dos movimentos sociais, representando...

O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS. Fazendo soar a campainha.) - Tem V. Exª mais um minuto para concluir.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - ... um pensamento da sociedade, eles não podem estar aqui.

Eu me lembro de uma coisa em um processo de muita dor por que passei. O Padre Heraldo, sertanejo muito querido nosso, como o Padre Guimarães, o Padre Manuel Henrique e tantos outros, dizia que partido é meio; não é fim. É o mesmo que a igreja. Ele dizia: “Sou padre, a Igreja é meio, o fim é o Reino de Deus.” Então, partido realmente é meio. Partido não é propriedade. O partido não é proprietário das mentes, dos corações e das idéias. Não é. As concepções programáticas da esquerda socialista e democrática e as bandeiras históricas da classe trabalhadora não são propriedade de partido nenhum e não serão do P-SOL também. Não são. As estruturas partidárias nascem e muitas vezes morrem, apesar de existirem juridicamente, como é o caso do PT. Morrem na sua razão de existir, mas continuam sendo articuladas e até existindo juridicamente.

Então, eu não poderia deixar de aqui compartilhar este depoimento, porque sei quanta tristeza existe na mente e no coração de muitos militantes que ainda estão tentando a reconstrução partidária. Eu sei o quanto de tristeza existe. Se existe a tristeza diante da corrupção desvairada, dos tentáculos montados na estrutura dos Correios, na empresa pública, no Palácio do Planalto, no Congresso Nacional, saber que eles não eram simples aprendizes, saber que já usavam a metodologia da corrupção mesmo em experiências anteriores, isso, com certeza, marca muito mais profundamente a mente e o coração dos militantes honestos que ainda não puderam sair da estrutura partidária.

É só, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/08/2005 - Página 28512