Discurso durante a 134ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Voto de pesar pelo falecimento do ex-Governador Miguel Arraes, ocorrido no dia 13 do corrente, em Recife-PE.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Voto de pesar pelo falecimento do ex-Governador Miguel Arraes, ocorrido no dia 13 do corrente, em Recife-PE.
Publicação
Publicação no DSF de 16/08/2005 - Página 27551
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, MIGUEL ARRAES, EX GOVERNADOR, EX-DEPUTADO, PRESIDENTE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB), ELOGIO, VIDA PUBLICA, ATUAÇÃO, BENEFICIO, TRABALHADOR RURAL, SALARIO MINIMO, LUTA, INVESTIMENTO, INFRAESTRUTURA, RODOVIA, REGIÃO NORDESTE.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE. Para encaminhar a votação. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tive a oportunidade de comparecer ao sepultamento do ex-governador e presidente do nosso Partido, Miguel Arraes, na cidade do Recife, onde pude sentir de perto a saudade, o carinho e o respeito que a sua figura despertava no meio do nosso povo, principalmente entre aqueles integrantes das classes mais humildes. Vi cartazes feitos de forma simples por pessoas que espontaneamente foram ao enterro, destacando o passado de Arraes, a sua luta em favor do homem do campo, a sua luta em favor de um salário mínimo justo a todos os trabalhadores brasileiros, no campo ou nas cidades.

A História assinala um dos fatos mais importantes para o fortalecimento do trabalhador da Zona da Mata, do trabalhador rural, que foi o chamado Acordo do Campo, realizado quando Miguel Arraes foi governador pela primeira vez. Este acordo foi assinado em 1963 entre usineiros e trabalhadores, e ali ficou estabelecido um salário mínimo condigno para os trabalhadores rurais e também o cumprimento do Estatuto da Terra. O Acordo do Campo, sem dúvida alguma, foi um dos primeiros atos assinados por um governante do Brasil, fazendo com que houvesse a recuperação salarial daqueles que trabalhavam no campo.

Miguel Arraes na sua posse, em 1963, afirmou:

Acredito ter tudo o que um homem precisa ter para o trabalho e que outra coisa é senão o que foi dito pelo poeta: tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo.

            De fato, o Governador Miguel Arraes tinha duas mãos, mãos limpas, honradas, dedicadas exclusivamente a assinar atos em benefício de sua gente, em benefício do seu povo, tendo uma visão de mundo assinalada principalmente pela solução dos problemas sociais, pelo atendimento às camadas mais pobres da população.

Num dos seus últimos discursos proferidos na Câmara dos Deputados, Miguel Arraes defendia ardorosamente a construção da ferrovia Transnordestina. Ele disse:

Sem que a malha ferroviária do Nordeste seja refeita, a Transnordestina será um trecho de estrada que ligará o nada a coisa alguma, porque ela está desfazendo-se. Há muito tempo não se investe em ferrovia nem em rodovia no Nordeste.

Ele assinalou que, segundo levantamento feito pelos transportadores, das dez piores estradas do Brasil, nove estão no Nordeste; e que essa ferrovia, a Transnordestina, está paralisada em mais de um terço do seu percurso.

Assim, Sr. Presidente, desaparece do mundo dos vivos para entrar na História aquele que, em vida, foi um exemplo, um padrão de honradez, dignidade, trabalho e compromisso com a Nação.

No momento em que nos debatemos com as mais diversas investigações pela prática de atos de corrupção em nosso País, precisávamos, sem dúvida alguma, do companheiro, do amigo e líder Miguel Arraes, nesta quadra tão difícil por que passa a Nação brasileira, com os seus aconselhamento, experiência, vivacidade, patriotismo e idealismo.

Fará, sem dúvida alguma, Sr. Presidente - volto a dizer -, falta enorme o desaparecimento de Miguel Arraes, um dos líderes históricos da Nação brasileira.

Sr Presidente, tenho um discurso que homenageia esta figura imortal do nosso Presidente Miguel Arraes. Peço a V. Exª a sua inscrição integral nos Anais desta Casa, como homenagem de um seu companheiro de Sergipe.

Entrei no PSB, convidado por Miguel Arraes, há cerca de dez anos e neste Partido ainda me encontro, levado pela chama do ideal de Miguel Arraes, pela sua liderança inconteste, pelos ensinamentos que ele trouxe ao povo brasileiro e, principalmente, às gerações que precisam dos ensinamentos e das lições de combate e coragem travadas na vida política exemplar do ex-governador Miguel Arraes.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR ANTONIO CARLOS VALADARES.

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            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSDB - SE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores: muito já se falou neste Plenário, e por este Brasil afora, sobre Miguel Arraes. Poderia aqui fazer um discurso de sua vida pessoal, dizendo que ele foi um “estadista pernambucano”, embora cearense de nascimento. Poderia falar que ele foi Deputado Estadual, por dois mandatos, entre 1950 até 1958, por Pernambuco; Prefeito da Cidade de Recife, de 1959 a 1962; Governador, de 1963 até 1964;

            Novamente Deputado Federal de 1983 a 1987, quando foi eleito pela segunda vez Governador de Pernambuco entre 1987-1990 e, governador pela terceira vez entre 1995 a 1998;

            Foi Deputado Federal do Congresso Revisor, entre 1991 a 1995; e atualmente estava como Deputado Federal, cujo mandato era de 2003 até 2007.

            Poderia aqui mesmo, Sr. Presidente, contar que durante a juventude Miguel Arraes migrou para o Crato - ele que nasceu em Araripe no Ceará -, com o objetivo de concluir o ginásio. Em 1934, aos 17 anos, foi aprovado no vestibular da Faculdade de Direito da Universidade do Brasil (hoje a Federal do Rio de Janeiro - UFRJ). Simultaneamente, também foi aprovado no concurso público de Escriturário do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), sendo lotado em Recife. Após a posse no cargo, conseguiu a transferência para a Faculdade de Direito do Recife. Formou-se em 1937. No ano seguinte, foi promovido a Assistente do Diretor de Fiscalização, cargo no qual permaneceu até 1941, quando passou a ser Chefe de Secretaria. Em 1943 ascendeu a Delegado Regional, ocupação que deixou em 1947, ao assumir a Secretaria de Fazenda do Estado de Pernambuco, por indicação de Barbosa Lima Sobrinho.

            Poderia aqui elencar inúmeros dados sobre o Dr. Miguel Arraes, meu líder, amigo e companheiro, tais como: que se elegeu a primeira vez como governador de Pernambuco em 1962 com 47,98% dos votos, pelo Partido Social Trabalhista (PST), apoiado pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) e setores do Partido Social Democrático (PSD). Seu governo foi considerado de esquerda, pois forçou usineiros e donos de engenho da Zona da Mata do Estado a estenderem o pagamento do salário mínimo aos trabalhadores rurais, chamando de Acordo do Campo, e deu forte apoio à criação de sindicatos, associações comunitárias e às ligas camponesas.

            Com o Golpe Militar de 1964, o Palácio das Princesas (sede do governo estadual) foi cercado por tropas do IV Exército. Foi-lhe proposto que renunciasse ao cargo para evitar a prisão, proposta recusada por Arraes para, em suas palavras, "não trair a vontade dos que o elegeram". Deposto, foi levado para a ilha de Fernando de Noronha, onde ficou preso por 11 meses. Posteriormente, foi encaminhado para as prisões da Companhia da Guarda e do Corpo de Bombeiros, no Recife, e da Fortaleza de Santa Cruz, no Rio de Janeiro. Libertado em 25 de maio de 1965 por meio de um “habeas corpus”, exilou-se na Argélia.

            Srªs e Srs. Senadores, em 1979, com a anistia, volta ao Brasil e à política, fazendo parte do cotidiano da política pernambucana e nacional desde então. Faleceu depois de 59 dias internados no Hospital da Esperança, em Recife.

            Quero dizer, Sr. Presidente, não dos dados biográficos de Miguel Arraes, que são conhecidos por todos. Quero dizer dos dados de uma vida venturosa.

            Escutei dizer que o Miguel Arraes era "o último representante da velha esquerda". Nada, em suma, que alcance o homem que esteve sob seus olhos e olfato a padecer nos últimos 58 dias. Nada à altura dos 88 anos que se vão como um fio de luz nesse último sábado de agosto. E nem precisariam compor uma biografia, um perfil de um santo, o mais convencional e falso perfil que se faz de alguém que morre. Não! Esse homem que se vai gerou algumas queixas no interior da própria esquerda brasileira. Havia militantes sindicalistas que o descreviam como coronel, pois pouco afeito a ouvir a divergência; porque, no governo, não atendia às reivindicações dos servidores públicos. Outros havia, ex-companheiros do tempo da resistência democrática, que o acusavam de concentrador, porque não distribuía com justiça cargos, valores e representações, e, pior, não abria espaço para que os ex-companheiros também ascendessem ao poder no tempo bom. A realidade do Brasil hoje diz quem tinha razão. Evidentemente que não são os mesmos companheiros, mas talvez sejam os de igual caráter... Os que foram expurgados da máquina administrativa pelo Dr. Miguel Arraes que depois se voltaram contra ele.

            E, algumas desinformadas opiniões se irmanavam em condená-lo como um ser atrasado, do século dezenove, a ver o mundo com os olhos das populações analfabetas do nordeste brasileiro. Por coincidência, este foi o mesmo conceito com que o viu o Estado neoliberal no Brasil, dos Fernandos Collor e Henrique Cardoso aos conservadores de todas as convicções.

            Mas por que e para que tanto furor contra esse “dinossauro”, e aqui o digo literalmente entre aspas Sr. Presidente? Se for verdade que o companheiro Miguel Arraes não fazia discurso de arrepiar as massas, que falava baixo, e com dicção difícil, por outro lado, sua honestidade, sua sensibilidade com o social fazia o povo o amar. O povo o idolatrava. O povo o respeitava como homem público, porque ele sabia ser homem público.

            A liderança de Miguel Arraes é indiscutível ao se saber que o povo entregaria a própria vida por ele. Uma das maiores dificuldades do líder esquerdista Gregório Bezerra, no primeiro de abril de 1964, foi convencer camponeses a não virem ao Recife. Massas de trabalhadores se dispunham a vir à luta armados apenas de facões, facas e enxadas contra fuzis e tanques do exército brasileiro, objetivando defender o então governador eleito Miguel Arraes deposto pelo golpe de 64.

            Sr. Presidente, bastaria este fato para dar a dimensão desse homem que se foi. Mas ainda é pouco. A coisa dita assim, até parece que massas dispunham-se ao sacrifício, a entregar o próprio corpo ao genocídio. Mas não. Tal amor é manifestação testemunhal por atos concretos do que foi o primeiro governo Miguel Arraes. É com ele que surge o revolucionário e o pioneiro Acordo do Campo: trabalhadores da cana-de-açúcar tiveram os mesmos direitos que os trabalhadores urbanos de Pernambuco: salário, décimo-terceiro, carteira assinada... Deixavam de ser escravos.

            Miguel Arraes, longe da mera vontade política, concretizou respeito e dignidade humana aos trabalhadores rurais de Pernambuco, por isso que o povo lutava por ele. Impossível não lembrar as palavras de um espartano, citadas por Marx: "Você sabe o que é ser um vassalo, mas nunca provou a liberdade para saber se ela é doce ou não. Porque, se a tivesse provado, teria nos aconselhado a lutar por ela não apenas com lanças, mas também com machados".

            Um homem assim, que gera tais sentimentos, quando se vai, deixa sempre na gente o gosto amargo da sua ausência. Mas quando isto se dá numa hora como a que todos no Brasil passamos, o que dizer? Talvez esperar em silêncio que renasçam políticos à semelhança do Miguel Arraes, que em discurso declarou:

            "Como homem público, tenho que esperar tudo, sem queixa, porque é minha obrigação ir pra cadeia, se é pra manter a minha posição de defesa do povo e não capitular diante dele. É minha obrigação ir pro exílio, se não posso ficar na minha terra. É minha obrigação manter a posição, manter firmemente a posição que pode mudar o nosso país e melhorar as condições de Pernambuco."

            Com essas palavras do próprio Miguel Arraes termino este meu pronunciamento em sua homenagem. E faço uma comparação com os dias atuais, até por ser da base do governo é que posso repetir outras palavras de Miguel Arraes: “o futuro do povo livre e emancipado, esse nós temos que merecer, que conquistar a cada hora e a cada dia”.

            Era o que eu tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/08/2005 - Página 27551