Discurso durante a 134ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Voto de pesar pelo falecimento do ex-Governador Miguel Arraes, ocorrido no dia 13 do corrente, em Recife-PE.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Voto de pesar pelo falecimento do ex-Governador Miguel Arraes, ocorrido no dia 13 do corrente, em Recife-PE.
Publicação
Publicação no DSF de 16/08/2005 - Página 27555
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, MIGUEL ARRAES, EX GOVERNADOR, EX-DEPUTADO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), PRESIDENTE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB), ELOGIO, VIDA PUBLICA, DEFESA, REFORMA AGRARIA, ESTADO DEMOCRATICO, ALFABETIZAÇÃO, POPULAÇÃO, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REGISTRO, HISTORIA, LUTA, BENEFICIO, TRABALHADOR RURAL.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Eduardo Siqueira Campos, Srs. Senadores, também gostaria de assinar os diversos requerimentos de pesar pela morte da extraordinária figura de Miguel Arraes, que foi Deputado Federal e Governador por diversas vezes e era presidente do Partido Socialista Brasileiro.

Além de assinar cinco ou seis requerimentos, também estou apresentando o meu próprio requerimento. Por razões familiares, ontem não pude comparecer ao funeral de Miguel Arraes, mas gostaria muito de ter podido estar ali. Fiz questão de hoje estar aqui presente para manifestar a minha solidariedade e prestar minhas homenagens à Srª Magdalena, sua viúva, aos seus dez filhos, ao povo de Pernambuco que tanto o amava - e com razões de grande justiça - e ao Partido Socialista Brasileiro. Senador Antonio Carlos Valadares, quero prestar a minha homenagem a V. Exª e aos membros do PSB, que tinham em Miguel Arraes um presidente que muito honrou a sua representação e o partido de V. Exª.

Conheci o Governador Miguel Arraes em meus tempos de estudante. Eu fui presidente do Centro Acadêmico da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas de 1963 a 1964, quando, pouco depois de Miguel Arraes ter sido eleito Governador do Estado de Pernambuco, ele veio a São Paulo em algumas ocasiões. Foi quando tive oportunidade de com ele dialogar como estudante.

Lembro-me particularmente de uma situação em que Miguel Arraes participou de uma programa da TV Tupi Difusora. Foi uma espécie de roda viva que, salvo engano, era conduzido por Aurélio Campos e diversos outros jornalistas. E eis que um grupo de pessoas relacionadas ao Comando de Caça aos Comunistas - CCC, na época, e pessoas muito conservadores, direitistas, que tinham tamanha preocupação com a Esquerda, resolveram tentar impedir que Miguel Arraes desse aquela entrevista. Eu fui um dos que estive lá para assegurar-lhe o direito à liberdade de expressão, à liberdade de imprensa, confrontando-me, portanto, com outros amigos. Miguel Arraes, já à época, propugnava por medidas importantes, como, por exemplo, a reforma agrária no Brasil e a tomada de decisões de políticas econômicas, que revertessem aquela trajetória de desigualdade crescente no País.

No entanto, com o golpe militar de 1964...

(Interrupção no som.)

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Siqueira Campos. PSDB - TO) - A Presidência se desculpa com V. Exª.

V. Exª tem a palavra.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - ...com o golpe militar de 1964, Miguel Arraes, instado a renunciar, não o faz de maneira alguma. É, então levado à prisão em Fernando de Noronha e, depois, transferido para outra prisão no Rio de Janeiro. Em 1965, consegue o seu direito de habeas corpus e se exila na Argélia, por quase 14 anos, tendo também estado na França por um período. Finalmente, por meio do processo de democratização do País e com a anistia, Miguel Arraes volta ao Brasil, ocasião em que, logo de sua primeira vinda a São Paulo, eu ali estive para recepcioná-lo, saudá-lo, porque era, sem dúvida, um dos símbolos da resistência democrática e uma das pessoas que tinha o propósito de assegurar a democracia e maior igualdade de direitos à cidadania para todos os brasileiros.

Nasceu em 15 de dezembro de 1916, em Araripe, no Ceará. Depois de concluir o seu curso secundário, na cidade de Crato, foi para Recife dar continuidade aos seus estudos e seguir a carreira profissional. Aprovado em concurso público em 1933, tornou-se funcionário do Instituto do Açúcar e do Álcool. Estudou na Faculdade de Direito de Recife, formando-se em 1937. Foi lá no IAA que conheceu Barbosa Lima Sobrinho, um dos mais notáveis brasileiros, que o nomeou, em 1944, Delegado Regional do Instituto em Pernambuco. Mais tarde, em 1948, convidou-o para ser o Secretário Estadual da Fazenda, quando Barbosa Lima Sobrinho era o Governador.

A sucessão de seus mandatos na vida política, tendo sido eleito Deputado Estadual e Governador, foi interrompida em 1964, quando deposto do Governo de Pernambuco. Depois de seu exílio, voltou em 25 de maio de 1965, 14 anos depois.

Construiu a sua carreira em Pernambuco. Aos 43 anos, foi Prefeito de Recife pelo PSD, em 1959, três vezes Governador do Estado, em 1962, em 1986 e em 1994; teve dois mandatos como Deputado Estadual nas Legislaturas de 1950 e de 1954; foi Deputado Federal por três vezes em 1982, 1990 e 2002 até agora.

Era o Presidente do PSB desde 1993, Partido do qual foi um dos fundadores e, certamente, distinguiu-se sempre como um dos maiores líderes da Esquerda brasileira.

Em 1990, foi o Deputado Federal mais votado não apenas em Pernambuco, mas do Brasil. Em 1998, conheceu a derrota quando tentou a reeleição para Governador de Pernambuco contra Jarbas Vasconcelos. É parte da vida do homem público ter vitórias e derrotas, mas o importante é que Arraes adotou em seus governos medidas tais como apoio ao programa de alfabetização idealizado por Paulo Freire e a defesa da reforma agrária. Foi uma das pessoas que interagiu muito com o Presidente Lula e com tantas outras lideranças que lutaram pela democratização no Brasil, por Diretas Já e por ética na política.

Maria Victória Benevides, em artigo publicado na Folha de S.Paulo de domingo, que peço seja transcrito na íntegra, diz que Miguel Arraes foi um líder nordestino à moda antiga.

Fica a marca da sua identidade com as lutas populares - sobretudo com os trabalhadores rurais, pela sindicalização, pela reforma agrária - e com a defesa das teses nacionalistas. Seu mito se constrói com história e carisma. Arraes sempre teve ambos. Por sua biografia, surge como um bastião da luta pelas reformas de base, como reserva ideológica do nacionalismo “puro e duro”. Surge, também, com a autoridade moral de quem foi deposto, preso e exilado pelo Regime Militar e que, anistiado, teve a coragem de criticar o Governo por proteger os responsáveis pelos desaparecimentos, pela tortura, pelas mortes, pelas prisões arbitrárias.

Reforçando o jeito nordestino de ser, Maria Victória descreve:

O carisma de Arraes assenta-se no modelo messiânico e sebastianista do nordestino. É assim que ele pôde passar por vários partidos e mesmo algumas alianças eleitorais espúrias, sem perder o prestígio popular e o respeito das esquerdas. Tem o carisma do “pai patrão”, severo e sempre igual “no seu modo sertanejo de ser”, renegando o progresso do gravador, da televisão, em troca do contato pessoal nas visitas a povoados, feiras, mercados municipais, romarias, andanças pelas ruas de Recife.

O “dotô Arraia” tem o carisma do chefe religioso, de quem se espera a chuva no agreste e a cura do chá com pedaços de sua foto em cartaz de campanha... Daí se entende os nomes de seus programas no Governo: Vaca na Corda, Chapéu de Palha, Água na Roça. Acima de tudo, Miguel Arraes tem o carisma “daquele que voltará” - e sua eleição em 1986, 22 anos após a prisão e o exílio, renova a velha Esquerda, mas também o velho sebastianismo.

Relembro aqui o programa a que me referi na TV Tupi Difusora, entre 1963 e 1964, o chamado Pinga Fogo, um dos mais vistos da época. Justamente quando Miguel Arraes foi àquele programa dar entrevista, houve quem tentasse impedi-lo de fazê-lo, mas, felizmente, seu direito foi assegurado, o que, porém, não ocorreu com o direito de continuar o seu mandato, interrompido em 31 de março de 1964.

Transmito o sentimento de todos aqueles que puderam acompanhar, pessoalmente ou pelos meios de comunicação, o velório de Arraes e a homenagem extraordinária que o povo de Pernambuco e de todo o Brasil lhe rendeu ao caminhar pelas ruas do Recife, do Palácio do Governo até o cemitério, onde inclusive o Presidente Lula e as principais Lideranças políticas do País estiveram prestando solidariedade à sua família. Tão bonita foi a expressão dos populares que disseram que, do céu, Miguel Arraes, juntamente com Luiz Gonzaga, continuará a manter a sua força, a sua energia, sua vibração, para que o Brasil se torne uma Nação à altura dos seus grandes sonhos de vida, sonhos maiores de todo o povo brasileiro.

Muito obrigado.

 

************************************************************************************************

DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno)

************************************************************************************************

Matéria referida:

“Um líder nordestino à moda antiga”; Folha de S.Paulo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/08/2005 - Página 27555