Discurso durante a 134ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Voto de pesar pelo falecimento do ex-Governador Miguel Arraes, ocorrido no dia 13 do corrente, em Recife-PE.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Voto de pesar pelo falecimento do ex-Governador Miguel Arraes, ocorrido no dia 13 do corrente, em Recife-PE.
Publicação
Publicação no DSF de 16/08/2005 - Página 27561
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, MIGUEL ARRAES, EX GOVERNADOR, EX-DEPUTADO, PRESIDENTE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB), ELOGIO, VIDA PUBLICA, LUTA, DEMOCRACIA, BRASIL.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Para encaminhar a votação. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no mundo onde ainda cabem, infelizmente, alguns sectários ideológicos, devo dizer que, jovem Deputado, aprendi que não exatamente quem estivesse do meu lado seria um ser perfeito e que não obrigatoriamente quem estivesse contra mim haveria de merecer todos os apodos.

Eu assistia, por exemplo, às reuniões da Comissão de Constituição e Justiça, e eu via Deputados do PDS que davam sustentação ao regime militar, que eu tanto combatia, e eu ali também cultura jurídica, boa-fé, correção; correção que, às vezes, eu tinha que admitir pudesse talvez até faltar em pessoas que estavam nas hostes da Oposição. E o vice era versa, ou seja, já àquela altura, eu preparava meu cérebro e meu coração para a idéia de que a verdade absoluta não é propriedade de ninguém e ela nem sequer existe.

Portanto, registro que Miguel Arraes tinha muito pouco de concordância comigo em relação à economia do País, ao processo político brasileiro. Nós, que fomos colegas na Câmara dos Deputados, eu, jovem Deputado, e ele, veterano e brilhante Líder do Estado de Pernambuco e do Brasil, nós que tivemos tantas coincidências no passado, e a principal delas era lutarmos por liberdade e democracia. Mas vejo que tem pouca importância, Senador Sérgio Guerra, listando os pensamentos de cada um, se as divergências eram maiores que as convergências, porque nos unia uma grande amizade pessoal inclusive, uma amizade pessoal muito profunda.

Em alguns momentos difíceis da minha vida, eu tive o Governador Arraes muito perto; e ele sabe que a recíproca foi exatamente verdadeira. Eu era amigo dele e pronto.

Certa vez, meu pai, cassado pelo Ato Institucional nº 5, recebemos em casa o ex-Governador de Sergipe, Seixas Dória, figura brava e correta, que tinha sido cassado pela ditadura militar e passado por todo aquele período da prisão em Fernando de Noronha, com Arraes. E ele nos contou que a tortura psicológica fora absolutamente cruel. Todos os dias diziam para ele, Seixas, que tinham fuzilado o Arraes. Davam alguns tiros a esmo, e Seixas dormia achando que Arraes tinha sido fuzilado. E falavam para o Arraes que o Seixas Dória tinha sido fuzilado. E me dizia, dizia para o meu pai e para a minha família o Governador Seixas Dória que, poucas vezes em sua vida, ele vira alguém tão digno, com a capacidade da dignidade, da resistência, da coragem tão marcadamente serena quanto em Miguel Arraes.

Um belo dia, Arraes foi protagonista indireto de um evento em que o protagonista direto foi o Ministro Ribeiro da Costa, do Supremo Tribunal Federal. Um metro e menos de 60cm de altura, Ribeiro da Costa acatou um habeas corpus para libertar Arraes. O General Costa e Silva, Ministro de Exército de Castello Branco disse que não cumpriria o habeas corpus. O Ministro Ribeiro da Costa declarou à imprensa brasileira que, se em 24 horas, o Governador Miguel Arraes não estivesse solto, ele, Ribeiro da Costa, iria tomar um avião a Fernando de Noronha e pessoalmente cumprir o mandado, o habeas corpus.

            Por incrível que pareça, o principal agente dos arreganhos da ditadura militar era precisamente o General Costa e Silva. Ele acatou, de maneira não sei se inteligente, não sei se covarde, a determinação do Presidente do Supremo Tribunal Federal. Foi aí que surgiu a necessidade de ampliar o número de Ministros do Supremo para que o Governo pudesse ter maioria, transformando em casa política aquilo que voltou a ser, pela democracia, uma casa de saber jurídico e decisões pelo Direito e pela Constituição.

Não pude ir, Senador Eduardo Suplicy, ao enterro do Governador Miguel Arraes de Alencar porque eu estava no interior do meu Estado e, quando soube, era completamente inviável chegar a tempo, porque afinal de contas represento o Estado do Amazonas, onde as distâncias são enormes. Estarei em Recife, na missa de sétimo dia dele, porque, para mim, isso é simbólico. Creio que todos que lá estiveram cumpriram com seu dever de dar resposta a esse símbolo da vida pública, que é exaltar a honradez, exaltar a coerência, exaltar o espírito público. Afinal de contas, fazia-se política com p maiúsculo ontem ao se homenagear o Governador Miguel Arraes de Alencar.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Tenho a compreensão de que se todos, exercitando os seus credos, forem tão corretos quanto Arraes foi, o Brasil tomará um caminho positivo.

            Eu não exijo dos meus adversários concordância nem admito que peçam de mim concordância em relação a fatos que não estão de acordo com a minha própria orientação intelectual. Eu exijo de mim e cobro dos outros honradez, honradez pessoal, honradez ao tratar o dinheiro público, honradez ideológica, honradez no compromisso, honradez na postura pública, cada um defendendo a sua idéia do melhor jeito, da melhor crença. Arraes era precisamente assim. Arraes acreditava em tudo aquilo que dizia, o tempo inteiro, sem jamais ter cedido.

Eu poderia dizer que suas idéias econômicas ficaram ultrapassadas, mas não devo dizer. Eu estaria emitindo juízo de valor que não sei se caberia. Digo apenas que passei a discordar das idéias econômicas dele. Ponto. Digo apenas que sua concepção, sua abordagem da política brasileira passou a ser feita por um ângulo que não era bem o meu. Eu evolui? Espero que sim, que tenha sido essa a boa resposta para mim. Arraes involuiu? Não, Arraes representava a sua geração. Meu pai, se fosse vivo, pensaria precisamente como Arraes. Meu pai, se fosse vivo, talvez pertencesse hoje ao PDT de Leonel Brizola; talvez fosse essa a destinação do meu pai. Era essa a cabeça dele.

Arraes era, sobretudo, uma figura responsável, uma figura respeitável, uma figura decente, uma figura extremamente querida por mim, extremamente estimada.

Aproveitei cada minuto dos quatro anos em que pude conviver com S. Exª como Deputado Federal, com aquela característica que tinha de homem de Esquerda. E o meu maniqueísmo da época permitia-me dizer: homem de Esquerda tem que ser afirmativo; e dizia que a Direita seria das raposas. Mas o Arraes tinha uma característica de raposa de Esquerda: quando ele queria ser afirmativo, ele era; e a sua dicção defeituosa, por meio da qual ele se pronunciava, deixava de ser defeituosa naquele momento. O Dr. Ulysses cochilava quando a reunião estava desagradável. Essa era uma forma habilidosa e pessedista de não participar, por exemplo, do linchamento moral de alguém. O Dr. Arraes piorava a dicção. Esse era o seu estratagema. E eu percebia que estava sendo difícil para o Dr. Arraes decidir algo quando ele piorava a dicção. Eu me divertia muito com aquilo. Depois, com a intimidade, eu dizia: “Dr. Arraes, o senhor subiu no muro, porque não consegui entender muito o que o senhor falou”. Ou então, “Dr. Arraes, sei que o senhor está decidido, porque o senhor disse com clareza palmar, com clareza absoluta o que queria”.

Ele era um grande brasileiro, como o foi João Goulart; um brasileiro como o foi Tancredo Neves, um brasileiro como o foi Ulysses Guimarães, um brasileiro como o foi Mário Covas e um brasileiro como o foi Leonel Brizola. Esses são os nossos maiores. Formamos uma civilização a partir de homens públicos decentes e honrados que acertaram e erraram ao longo das suas trajetórias, mas em nenhum deles caberia a figura do meliante político; em nenhum deles caberia a figura do desviador de recursos públicos; em nenhum deles caberia a figura do patrocinador de corrupção; em nenhum deles caberia a figura da má-fé. Cabia, sim, a coerência, cabia a defesa das suas idéias com muito apego, cabia a defesa das suas idéias com muito fervor, com muita dignidade.

Por isso, hoje, o Senado faz muito bem em se dedicar exclusivamente a homenagear o Governador Miguel Arraes de Alencar, Governador que introduziu Paulo Freire na vida brasileira, Governador que trabalhou a ascensão do movimento no campo, Governador que lutou por democracia, Governador que não baixou a cabeça para a ditadura e, sobretudo, um brasileiro que reverencio com muito apego. É um amigo que perdi.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/08/2005 - Página 27561